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Estudo cria Atlas da língua portuguesa

Publicado: Segunda, 04 de Julho de 2016, 19h16 | Última atualização em Sexta, 26 de Agosto de 2016, 15h15 | Acessos: 4102

UFPA investiga comportamento prosódico da Região Norte do Brasil

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Por Maria Luísa Moraes  Ilustração: Priscila Santos

Você já percebeu que o paraense fala cantando? Quando convivemos com pessoas de outros lugares ou saímos do Estado, percebemos quão forte é o nosso sotaque. Cheio de chiados e bastante melódico, o paraense tem sua própria forma de falar o português, assim como o carioca, o paulista, o lisboeta e o angolano. O Projeto Atlas Multimídia Prosódico do Espaço Românico (AMPER) nasceu na Europa, com o objetivo de investigar as línguas oriundas do latim, e ganhou, recentemente, uma ramificação na América Latina.

Esse projeto internacional foi trazido ao Brasil em 2007, tendo, em 2009, ganhado financiamento do CNPq. A própria equipe portuguesa, ao entrar no projeto, insistiu na inclusão do Brasil. “Numericamente, o Brasil tem maior concentração de falantes de português. Então, não se pode fazer um estudo sobre falantes de português desconsiderando a variedade brasileira”, justifica Regina Cruz, professora do Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPA e coordenadora da equipe responsável pela pesquisa na Região Norte do Brasil.

O foco da professora é a melodia da fala. As famílias linguísticas, como a anglo-saxônica e a latina, são agrupadas dentro de determinados aspectos prosódicos, que são o ritmo e a melodia. “As línguas latinas, no geral, são mais musicais. Sempre fazem brincadeiras sobre o falar alemão, que é muito seco, o russo também. Então nós estamos fazendo um mapeamento dessa musicalidade das línguas latinas e vendo em que aspecto elas são parecidas”, explica.

São 21 pesquisadores na equipe de língua portuguesa, somando Brasil e Portugal. A maioria deles, no entanto, é brasileira. O projeto cobre todas as regiões do Brasil, exceto o Centro-Oeste. “No Norte, temos Pará e Amazonas sendo cobertos, mas enviamos recentemente um projeto ao CNPq para incluir o Amapá”, conta Regina. Na Região Nordeste, participam: Maranhão, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Bahia e Sergipe. No Sudeste, todos os estados são estudados. No Sul, a pesquisa ocorre em Santa Catarina e no Paraná, com planos de inclusão do Rio Grande do Sul.

 

Falar paraense tem similaridade com o português carioca

Em novembro de 2015, a coordenadora geral do grupo de estudos do AMPER da língua portuguesa, professora Lourdes Moutinho (Universidade de Aveiro), veio a Belém fazer uma apresentação geral do projeto. Ela informou que o grupo paraense foi responsável por 50% dos dados sobre o português do Brasil, fato que deixou Regina Cruz orgulhosa e empolgada para dar continuidade ao estudo.

A professora Regina credita essa porcentagem às várias dissertações produzidas por seus alunos sobre o tema. Essas dissertações foram produzidas focando as análises em várias cidades paraenses, como Mocajuba, Bragança, Mosqueiro, Baião, Abaetetuba e Cametá. Também existem pesquisas em andamento em Santarém. Sobre Belém, há três artigos publicados. Os resultados indicam que o comportamento prosódico do paraense guarda algumas similaridades com o português carioca, por exemplo. Ambos possuem o padrão denominado de formato circunflexo da curva melódica ocorrendo na última sílaba tônica da frase.

Regina Cruz exemplifica: “Uma das frases que usamos na pesquisa é ‘O Renato gosta do bisavô’. Então quando falamos ‘O Renato gosta do bisavô’, a sílaba tônica final, “vô”, baixa de tom. Já na pergunta ‘O Renato gosta do bisavô?’, ela sobe o tom”. Além da curva melódica, outros parâmetros explorados são a duração, o tempo que se leva para pronunciar cada sílaba e a intensidade, a força com que se pronunciam as sílabas.

Analisando estudos dialetológicos anteriores, a professora percebe que o Pará tem, de fato, um padrão diferenciado do de outros Estados. “Todos esses dialetos mostram que temos uma identidade forte. O primeiro estudo dialetológico mais completo foi de Antenor Nascentes e foi publicado em 1926, ou seja, é muito antigo. Ele dividia o Brasil em dois blocos, Norte e Sul. O falar do Norte incluía nordestinos e nortistas, como se todos falassem igual. Anos mais tarde, o filólogo Serafim Silva Neto esteve no Pará e disse que ‘O Pará é uma ilha dialetal na classificação de Nascentes’. Então os paraenses não falam como os nordestinos nem como o restante do Norte”, explica.

 

Registros da fala espontânea dos nativos

Para a escolha dos municípios, os pesquisadores consideraram o histórico de migração que o Estado sofreu. Regina Cruz explica que o português foi, efetivamente, falado no Brasil, somente no início do século XIX. Até então, a língua falada pelos nativos era a chamada língua geral, uma variedade do Tupinambá, surgida no Pará e no Maranhão e expandida por toda a Amazônia. Com a chegada da família real, em 1808, Marquês de Pombal impôs a língua portuguesa, tirando índios e mestiços das escolas e ensinando o português somente aos brancos. Depois disso, a língua começou a ser falada amplamente.

Nos anos 1970, a Amazônia sofreu outra migração, com a política de “integrar para não entregar”, do regime militar. Em decorrência disso, a região começou a receber pessoas de todos os lugares do Brasil, que se concentaram no sul e sudeste do Estado. “Santarém, Bragança, Belém, entre outras, estão numa região que não foi atingida por esse fluxo migratório e, por isso, preservariam um português que chamamos de paraense regional”, explica a professora.

A metodologia aplicada na pesquisa é a mesma utilizada em todos os países. Trata-se de um estudo acústico, em que são feitas gravações de pessoas nativas falando diferentes frases. A intenção do projeto é captar falas espontâneas, por isso os pesquisadores gravam na casa das pessoas. Essas frases são elaboradas considerando o tipo de acento, usando palavras oxítonas, paroxítonas e proparoxítonas.

Dois tipos de frases são formuladas: a afirmativa neutra, que fornece uma informação, exemplo “O Renato gosta do pássaro”; e a interrogativa total, cuja resposta admitida é sim ou não, “O Renato gosta do pássaro?”. “É a mesma frase. A única diferença é que, em uma, eu afirmo e, na outra, eu pergunto”, diz. Ao todo, são 66 frases, entre afirmativas e interrogativas. Elas são feitas de combinações entre três personagens, que são: o Pássaro (proparoxítona), o Renato (paroxítona) e o Bisavô (oxítona); três qualidades: Bêbado (proparoxítona), Pateta (paroxítona) e Nadador (oxítona); três adjuntos adverbiais: de Mônaco (proparoxítona), de Veneza (paroxítona) e de Salvador (oxítona); um único verbo, gostar.

As pessoas não leem as frases, pois, de acordo com a professora, a leitura já pede uma entoação e modulação diferentes na voz, o que prejudicaria a análise. São mostradas imagens com diversas combinações para que a pessoa produza a frase espontaneamente. A professora justifica que o protocolo de gravação possibilita que os participantes se desconectem dos instrumentos de gravação e falem mais naturalmente. A próxima fase da pesquisa será levar os dados coletados em gravação aos paraenses e checar se eles reconhecem a própria fala. “Vamos ver se as pessoas sabem identificar o seu falar e se sabem diferenciá-lo do de outro”, conta a professora. O objetivo dessa fase é ter um retorno, e não ficar apenas com a opinião do pesquisador.

Ed. 131 - Junho e Julho de 2016

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