Ir direto para menu de acessibilidade.

GTranslate

Portuguese English Spanish

Opções de acessibilidade

Página inicial > 2016 > 132 - Agosto e Setembro > Opinião: Histórias Tembé: Sobre narrativas e autoidentificação
Início do conteúdo da página

Opinião: Histórias Tembé: Sobre narrativas e autoidentificação

Publicado: Sexta, 12 de Agosto de 2016, 16h54 | Última atualização em Terça, 25 de Outubro de 2016, 18h05 | Acessos: 1489

Artigo: Histórias Tembé: Sobre narrativas e autoidentificação

imagem sem descrição.

Fotos Acervo Pessoal

Ao desenvolver minha tese de doutorado em Antropologia com os indígenas Tembé de Santa Maria do Pará, percebi que eles me ensinaram, com suas narrativas, que se faz imprescindível percebê-las como ferramenta, política e identitária, de educação, de troca de conhecimentos e de perpetuação da cultura e das tradições indígenas.

Uma de suas mais importantes reivindicações atuais diz respeito à demarcação de terras e esta luta aparece narrada também em suas histórias. Dentro das narrativas, é possível perceber delimitações de terras, rios, igarapés que fazem o ouvinte perceber a área geográfica correspondente às suas terras tradicionais, deixando explícito que as narrativas possuem poder político e fazem parte de sua história, suas crenças e sua cultura, não são meros contos literários para entreter os ouvintes. É preciso uma escuta atenta e receptiva ao conhecimento oral, conhecimento este distinto daquele conhecimento acadêmico de nossas escolas e universidades. É preciso estar aberto para o novo e para o diferente, disposto a compreender dois mundos que tanto ensinam e aprendem dentro de suas diversidades.

Ana Pizarro, em Amazônia – As vozes do rio (2012: 194), fala a respeito de narrativas que abordam o cotidiano dos povos tradicionais da Amazônia, dizendo que esta é uma região conhecida, quase exclusivamente, por seu componente indígena. Nela existe uma construção diária de imaginários de povos que são de cultura essencialmente oral e tem a ver com a forma como suas vidas se desenvolveram e se desenvolvem ainda hoje. A história, os temores e as expectativas da comunidade em questão se juntam num imaginário que incorpora as vidas individuais e o destino do povo. Cada comunidade compartilha um imaginário, que é responsável pela coesão do grupo e também pelo seu passado e presente.

Esta literatura indígena, fundamentalmente oral, tem um perfil diversificado, pois fala de cosmogonias e de formas de estar no mundo. Faz parte do acervo de cada grupo e, nos processos interculturais, vai adquirindo uma construção híbrida. É uma literatura conhecida por “oraliteraturas” (Pizarro 2012: 223), a qual se preocupa em enfrentar o problema da disseminação do material, da pluralidade das línguas, assim como se preocupa, também, com a ruptura de preconceitos a respeito do literário sendo comumente regido pela noção das “belas letras”. De acordo com a autora, as “oraliteraturas” são relatos de uma oralidade que persiste na memória dos povos tradicionais e reúnem numerosas histórias com diferenças e similaridades, presentes em histórias de outros povos no País e no mundo.

Fato importante que cabe ressaltar é que uma mudança fundamental vem ocorrendo a partir do momento em que os indígenas começaram a escrever e publicar seus próprios textos para conhecimento do grande público, ou seja, eles não precisam de intermediários, não precisam do escritor que interpreta e traduz suas palavras, não há necessidade de o antropólogo ou intelectual “autorizar” a palavra indígena. Esses povos se autorizam por si próprios a produzir, literariamente, seu conhecimento, o que representa uma mudança de grande importância para sua visibilidade e conhecimento por outros povos e pela sociedade não indígena.

Concluo a tese de doutorado com o desejo de que não só eu, ao seguir meus estudos, mas também os que ainda vão se debruçar sobre as histórias indígenas não nos esqueçamos de que a beleza de estudar os discursos desta região reside em conhecer as tensões originárias da cultura de um povo e de um continente, em reconhecer a diversidade que a Amazônia abriga (bem como sua multiplicidade cultural, o espaço do inacabado e do deslocamento), reside em enxergar um cenário de construções repleto de negociações e deslizamentos no campo do imaginário e, fundamentalmente, reside em ter certeza, para além de qualquer interpretação, de que o dossiê nunca está completo.

Mônica Vieira é doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFPA, no qual defendeu a Tese Histórias Tembé: sobre narrativas e autoidentificação.

Ed.132 - Agosto e Setembro de 2016

Adicionar comentário

Todos os comentários estão sujeitos à aprovação prévia


Código de segurança
Atualizar

registrado em: ,
Fim do conteúdo da página