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Opinião: Jean Hébette, o mestre se foi ...

Publicado: Terça, 13 de Dezembro de 2016, 14h56 | Última atualização em Quarta, 14 de Dezembro de 2016, 16h47 | Acessos: 2655

Professora Jane Beltrão escreve artigo-despedida

imagem sem descrição.

Foto Alexandre Moraes

Conheci o Jean nos anos 80 do século passado, quando fui expulsa da Fundação Nacional do Índio (Funai) “por justa causa”, ao denunciar os militares que dirigiam o órgão. Aqui, fui generosamente acolhida por ele para dirigir um Programa de Educação Popular no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (Naea) e assim começou meu longo aprendizado com o mestre de muitos de nós que temos a Universidade Federal do Pará como lócus de trabalho.

Pela mão de Jean Hébette, conheci os caminhos da pesquisa por dentro das veredas que nem todos alcançam. Descobri, muito cedo, que o conhecimento do mestre foi sempre associado a uma militância exemplar, especialmente junto aos camponeses do sudeste do Pará.

Tinha Belém por endereço e Marabá como campo de combate às injustiças, estas praticadas contra os camponeses e seus apoiadores no universo do Araguaia Tocantins, em plenos Anos de Chumbo. Por lá, muitos  conhecem-no como Padre João, pois pertencia à Ordem dos Oblatos de Maria Imaculada.

Pesquisador rigoroso que muito escreveu sobre a Amazônia, era economista e, como acadêmico “de boa cepa”, possuía “notório saber”, reconhecido pelo Conselho Universitário da Instituição em um tempo “sem Sucupira e Lattes”, quando o aplauso vinha da construção de espaços acadêmicos preciosos. Com ele, orientei Gutemberg Armando Diniz Guerra, meu primeiro orientando. E, acompanhando a audácia do mestre, Gutemberg defendeu sua dissertação em Marabá, a primeira fora do auditório do Naea, que contou com uma plateia singular, composta pelos sindicalistas que, como interlocutores, ajudaram o então mestrando a preparar o trabalho acadêmico.

Entretanto o mundo de Jean não se restringia aos muros da UFPA. Para fora dos muros e com o apoio de muitos, seu trabalho acadêmico vinculava-se a uma práxis de envergadura e, assim, construiu a utopia chamada Centro Agroambiental do Tocantins (CAT), que deu muitos filhos: o Laboratório Socioagroambiental do Tocantins (LASAT), em Marabá; o Laboratório Agroecológico da Transamazônica (LAET), em Altamira; o Centro de Ciências Agrárias, que se transformou em Núcleo de Ciências Agrárias e Desenvolvimento Rural, mais conhecido como NEAF, que, antes,  foi o Centro Agropecuário e Ciências Agrárias da UFPA; e os inúmeros cursos de Especialização em Agricultura Familiar e Sociologia Rural.

A utopia realizada produziu uma universidade articulada com os segmentos camponeses. Um projeto de desenvolvimento alternativo que contrariava a maré de “desenvolvimentismo” dos grandes projetos que pouco se importam com a vida de quem luta pela terra e faz dela seu lugar no mundo.

Os sindicatos rurais do sudeste do Pará, fonte de inspiração e interlocução de Jean, tornaram-se empoderados e donos de sua produção, que, antes da “movimentação Hebettiana”, era “vendida na folha” (sem o conhecimento dos resultados da safra). Associados, os camponeses esperavam o melhor preço. As ações eram dialogicamente planejadas, foram anos de expectativa e trabalho.

Jean Hébette constituiu muitas das unidades acadêmicas da UFPA. Em Belém, o Naea foi a que mais usufruiu dos trabalhos do mestre, mas ele não se negava a colaborar com as demais unidades e, na verdade, muito fez não apenas em Belém, mas também nos campi da UFPA. Contou sempre com parcerias importantes na história da Instituição, tanto por sua capacidade produtiva, como pesquisador, como pela ação como docente, mas sobretudo pelo imenso potencial de formação de novos quadros. Creio que, em cada unidade acadêmica da UFPA, temos profissionais formados ou influenciados por Jean. Poucos, como ele, romperam tantas fronteiras na Amazônia e articularam áreas de conhecimento conforme as necessidades exigiam. Jean ia da Arquitetura à Agronomia.

O mestre se vai e nos deixa corroídos pela saudade e pela impossibilidade de tê-lo por perto. Saudade que se avolumou desde a sua aposentadoria e cresceu com o retorno à Bélgica.

Padre João, Jean Hébette, mestre e amigo, recebe a saudação de despedida de muitos. Espero que os sinos da felicidade dobrem à tua partida e que a música extraída do bronze do campanário console cada um dos amigos que deixaste. Somos gratos pelo muito que fizeste e seremos eternamente agradecidos pelo que construíste pela Amazônia. Você foi o belga mais engajado que a Amazônia conquistou.

Jane Felipe Beltrão é antropóloga, docente dos programas PPGA e PPGD. Vice-Presidente da Associação Brasileira de Antropologia (ABA).

Ed.134 - Dezembro e Janeiro de 2016/2017

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