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Cerveja com estilo amazônico

Publicado: Sexta, 11 de Agosto de 2017, 16h38 | Última atualização em Sexta, 11 de Agosto de 2017, 17h21 | Acessos: 5975

Estudantes pesquisam levedura para eliminar exportação

A pesquisa atual é desdobramento do estudo sobre a levedura do cacau.
imagem sem descrição.

Por Walter Pinto Fotos Alexandre de Moraes

Nada menos brasileiro do que uma cerveja brasileira. Parece incrível, mas a bebida alcoólica mais consumida no Brasil é quase toda produzida com matéria-prima importada. O malte, o lúpulo e o fermento, os ingredientes fundamentais, são todos importados de grandes escolas cervejeiras, como a Alemanha. De nosso, só a água que nos enferruja todos os dias, como diria um cervejeiro de boa cepa.

É claro que isso não tira o prazer de tomarmos uma “gelada”, aquela chamada de “véu de noiva”. Os lugares-comuns abundam quando o assunto é a breja, uma das últimas denominações criadas para a nossa velha conhecida “loura gelada”. Na verdade, não parece ser um problema o fato de a matéria-prima ser toda importada, a não ser na hora de pagar a conta.  Já imaginou a economia que faríamos se essa matéria-prima fosse nacional?

Se depender dos estudantes Letícia Ribeiro Carvalho Silva e Felipe de Andrade Maia, da Faculdade de Engenharia de Alimentos, da UFPA, isso está próximo de acontecer. Pelo menos com um dos componentes importados, o fermento, utilizado numa das principais etapas do processo de fabricação da cerveja, a fermentação, que resulta na transformação dos carboidratos em álcool, ácidos e gás carbônico.

No Laboratório de Processos Biotecnológico (Labiotec), sob a orientação da professora  Alessandra Santos Lopes, Letícia e Felipe pesquisam a Saccharomyces cerevisae, a levedura fermentadora da cerveja, com objetivo de encontrar uma levedura nacional, especialmente amazônica, capaz de produzir uma cerveja tão boa quanto as leveduras importadas. “Pensamos atuar nas grandes indústrias produzindo uma levedura nossa, com qualidade para substituir as leveduras importadas”, diz Letícia Ribeiro.

A descoberta de uma levedura nacional poderá baratear o custo da produção, ao eliminar a despesa com importação. Segundo Letícia, “a fermentação é a parte mais cara do processo de fabricação da cerveja. Estamos na Amazônia, possuímos a maior biodiversidade do mundo, mas ainda não possuímos uma levedura que produza cerveja. Então, estamos empenhados em pesquisar essa levedura, que tenha a qualidade das importadas e conceda à cerveja um toque amazônico”.

Estudo é desdobramento da pesquisa realizada com cacau de Tomé-Açu

A ideia de estudar a Saccharomyces cerevisae partiu da tese de doutorado de Gilson Chagas Júnior sobre leveduras do cacau. Ele encontrou, no cacau de Tomé-Açu, município da região nordeste do Pará, um tipo de Saccharomyces que produz, entre outras coisas, uma elevada quantidade de álcool e de compostos aromáticos, que conferem aroma e acidez característicos ao chocolate. “Observamos que, se aquelas leveduras fazem uma gama enorme de atividades que melhoram a qualidade do cacau, então por que não uma Saccharomyces específica pode fazer o mesmo em relação à cerveja? É essa pesquisa que a Letícia e o Felipe estão desenvolvendo na Iniciação Científica”, diz Gilson.

É possível que uma determinada levedura não produza tanto álcool, porém pode produzir alguns componentes aromáticos e de sabor, capazes de conferir à cerveja um sabor mais doce ou mais amargo. Enquanto vão testando tipos diferentes de Saccharomyces, Letícia e Felipe fazem, também, a análise sensorial das cervejas já produzidas. Comparam o gosto da cerveja fermentada por uma levedura com o gosto de outra, fermentada por levedura diferente. Eles já testaram várias leveduras e selecionaram aquelas que apresentaram melhor desempenho de fermentação. Mas ainda há muitas leveduras para ser testadas, afinal, a pesquisa começou há apenas um ano.

De acordo com Felipe de Andrade Maia, a expectativa é agregar valor por estar sendo utilizada uma levedura da região, assim como reduzir os custos da indústria, que não precisará mais importar fermento do exterior. Os consumidores, na outra ponta, torcem pelo pleno sucesso da pesquisa, afinal, além de um produto com acento amazônico, o barateamento dos custos de produção pode também baratear o preço da “loura” na mesa de cada um.

Um processo biotecnológico muito antigo

De acordo com o historiador inglês Max Nelson, da Universidade Windsor, Canadá, autor de “A história da cerveja na Europa”, a cerveja é, atualmente, a terceira bebida mais popular do mundo, só perdendo para a água e para o chá, mas lidera, com folga, no item “bebidas alcoólicas”. Historicamente, a cerveja já era conhecida pelos antigos sumérios, egípcios, mesopotâmios e ibéricos, remontando, pelo menos, a 6.000 a.C.

Uma das histórias sobre a sua origem remonta ao período neolítico, quando homens teriam esquecido a cevada na chuva e isso gerou uma beberagem diferente. Logo, todo o clã estava provando e rindo muito. No século XVI, foi criada uma lei que regularizou a produção de cerveja. Para ser reconhecida como tal, a cerveja deveria ser feita com malte de cevada, lúpulo e água. Em 1906, a lei foi alterada para se acrescentarem produtos como o trigo e o fermento. Mesmo depois da revogação dessa lei, o processo não mudou mais, prova do sucesso da fórmula.

Segundo Felipe de Andrade Maia, a produção de cerveja, em virtude do seu extenso histórico, pode ser considerado como um dos mais antigos processos biotecnológicos. “Atualmente, existem diversos tipos de formulações, dependendo o tipo de cerveja, porém o processo produtivo e os componentes principais para elaboração do produto são basicamente os mesmos”, afirma.

Receita – Os ingredientes são: malte, lúpulo, fermento e água. “O malte, produzido da cevada, o lúpulo e o fermento não são produtos característicos da nossa região. Não temos como produzir malte e lúpulo, mas temos como processar o fermento. Mas a levedura desse fermento, a Saccharomyces cerevisiae, pode apresentar comportamentos diferentes na fermentação”, explica Felipe.

As leveduras são aplicadas na fase de fermentação. A produção da cerveja começa pela preparação do mosto, que é uma espécie de caldo feito do malte. Em seguida, o mosto passa pelo processo de fermentação em biorreatores, grandes tanques em que ocorre o controle de temperatura, da quantidade de voltas da hélice no interior do tanque, da quantidade de oxigênio, do pH e da injeção de ácidos.

Conforme o relatório da pesquisa produzido, em janeiro deste ano, por Felipe de Andrade, “um dos fatores essenciais para a obtenção de uma cerveja de boa qualidade é a correta condução da etapa de fermentação do mosto. A literatura acadêmica afirma que o crescimento do microrganismo envolvido na fermentação confere mudanças no aroma, no sabor e na textura da matéria-prima. As leveduras excretam, durante o processo de fermentação, compostos como álcoois superiores, éteres, aldeídos, cetonas, compostos de enxofre e ácidos orgânicos, entre outros.”.

Ainda de acordo com o relatório, “os vários tipos de cerveja encontrados no mercado decorrem da maneira como são processadas as matérias-primas, da proporção em que elas são utilizadas, da duração das etapas de produção e do processo tecnológico empregado”.

Depois de envazada, cerveja passa por vinte dias de maturação

A preparação das leveduras é uma das etapas mais importantes do processo de produção da cerveja. No Laboratório de Processos Biotecnológicos, da Faculdade de Engenharia de Alimentos, da UFPA, os pesquisadores produzem e identificam todas as leveduras.  Esses microrganismos são preservados em baixa temperatura até que sejam reativados. As leveduras são colocadas em temperatura adequada e imersas num meio de cultura para serem cultivadas, até crescerem e atingir em uma quantidade indicada para a produção de cerveja. Em seguida, são centrifugadas para que ocorra a separação da biomassa do meio de cultura em que estão imersas. Essa biomassa é usada para fermentar a cerveja.

O processo de produção da cerveja no Labiotec ainda é bem simples, porque a orientadora da pesquisa, professora Alessandra Santos Lopes, compra o malte líquido, o que agiliza o processo ao eliminar a fase de fervura do malte.

“Só precisamos ajustar a proporção de água, ferver e passar para o balde, em que o mosto vai se transformar em cerveja. É nesse balde que colocamos a biomassa de levedura já reativada. Em seguida, a cerveja é envasada em garrafas e submetida ao processo de maturação por vinte dias. Encerradas todas essas etapas, a cerveja estará pronta para o consumo”, conta Letícia Ribeiro. Ela acrescenta que a pesquisa não está preocupada em enquadrar a cerveja produzida em laboratório a um estilo. O mais importante, afirma, é produzir uma cerveja com características amazônicas, feita com leveduras da região.

Ed.138 - Agosto e Setembro de 2017

Comentários  

0 #2 David Lucas 04-09-2017 21:54
Maravilhosa pesquisa! Isso dará mais visão a nossa região e também demonstra que aqui há várias mentes prodígios que podem e devem fazer a diferença. Parabéns aos alunos e aos orientadores.
Sucesso na pesquisa de vocês.
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+1 #1 Luis Felipe Mesquita 15-08-2017 17:52
:lol: Maravilha. Aguardo os resultados para utilizar em minhas cervejas!
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