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Opinião

Publicado: Quarta, 12 de Maio de 2021, 18h54 | Última atualização em Quarta, 12 de Maio de 2021, 19h49 | Acessos: 1315

Tirando a máscara

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Por  Hilton P. Silva Ilustração CMP

O Brasil já é conhecido por ser um dos países mais desiguais do mundo. Em tempos de pandemia, com recordes diários de mortes e cerca de 100 milhões de pessoas vivendo em situação de miséria, caminhamos rapidamente para aumentar ainda mais as disparidades sociais.

Embora isso seja um processo de décadas, recentemente mais um passo emblemático foi dado. O congresso discutiu rapidamente e aprovou, apesar de todos os pedidos contrários e avisos da comunidade científica nacional, que empresas privadas possam correr ao mercado para comprar vacinas e distribuir aos seus membros, independentemente de aprovação pela Anvisa e pelo Plano Nacional de Imunizações, que caminha a passos lentos por falta de insumos.

Caso possam ser encontrados, de qualquer fonte, por qualquer preço, esses imunizantes não irão para quem mais precisa, mas para quem pode pagar. Nesse caso, quem mais precisa, por uma coincidência à brasileira, é a população mais pobre e, em particular, os pretos, pardos, indígenas e quilombolas, que têm taxas de infecção mais altas pelo SARS-CoV-2, menos acesso à internação, maior taxa de mortalidade, mesmo quando conseguem um leito de UTI.

Esses grupos já recebem proporcionalmente 50% menos vacinas que os brancos de classe média e alta. Tais populações, ainda, em grande parte, desconhecidas ou propositalmente ignoradas pelas autoridades do país, deverão ser os beneficiários do auxílio emergencial, embora este seja apenas cerca de ¼ do valor do ano anterior e deva chegar a um número ainda menor de beneficiados, famílias que dependem integralmente do SUS para todas as suas necessidades de saúde e tenham uma chance de lutar pela vida.

Parte do quadro atual se deve aos esforços econômicos empreendidos para garantir o cumprimento da Emenda Constitucional 95, que limita o teto de gastos sociais por 20 anos.

Outra parte se deve a decisões políticas do governo federal, como cortar do Plano Plurianual de 2020-2023 todos os recursos específicos para as populações quilombolas e as ações afirmativas, promover o enfraquecimento da Funai e aprovar o orçamento federal de 2021, que reduz recursos para a saúde, a educação e o meio ambiente, em troca do aumento de emendas parlamentares e de gastos militares.

Grande parte da população mais pobre do país vive em áreas rurais e nas periferias das cidades. Esta é também a maioria da população negra, que historicamente apresenta maiores taxas de morbidade e mortalidade por doenças crônicas e infecciosas, que depende de programas de transferência de renda, como Bolsa Família, e que tem menor escolaridade e maiores taxas de subemprego.

Esse é o grupo que mais sofre com o aumento da inflação e por isso é obrigado a voltar a usar fogão a lenha ou cozinhar com álcool. E por falar em lenha, uma das escolhas políticas da atual gestão federal, apesar do contraditório discurso recente do presidente, é pelo afastamento das questões ambientais globais e locais, desde os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU até a demarcação de terras indígenas e quilombolas, alvos frequentes de grilagem e garimpo ilegal, que expulsam as pessoas do campo e somam-nas às massas crescentes de miseráveis a se infectar nas cidades.

A pandemia não é democrática. Embora estejamos no mesmo rio da doença, não estamos todos na mesma canoa. Os grupos economicamente dominantes já tiraram a máscara. Seu objetivo é sobreviver a qualquer custo, mantendo intactos os seus privilégios. Para a maioria da população, sobram a Covid-19 e um novo modelo de apartheid fomentado pelo racismo estrutural e por políticas equivocadas.

 Hilton P. Silva - Mestre em Saúde Pública, doutor em Antropologia, IFCH/UFPA, CEAM/UNB. Membro do GT Racismo e Saúde da Abrasco. E-mail: hdasilva@ufpa.br

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