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Publicado: Terça, 24 de Janeiro de 2023, 15h33 | Última atualização em Terça, 24 de Janeiro de 2023, 15h33 | Acessos: 520

Pesquisa propõe debate sobre aborto com adolescentes, em Belém (PA)

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Por Edmê Gomes Foto pexels-tima-miroshnichenko

Segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS), entre 2010 e 2014, aconteceram no mundo cerca de 55 milhões de abortos, quase metade deles de forma insegura. No Brasil, onde a prática é considerada legal somente quando a gravidez é resultado de abuso sexual, em caso de anencefalia ou quando põe em risco a saúde da mulher, os dados oficiais acabam por serem incompletos, afinal, a ilegalidade não impede a prática. O aborto permanece como um problema de saúde pública e de ordem global.

Envolto por uma neblina de desconhecimento, insegurança e medo, o tema atravessa o tempo como tabu e dividindo opiniões. “De início, escolhi trabalhar a temática do aborto legal motivada por uma inquietação:  o tratamento que alguns profissionais de saúde dispensavam às mulheres que buscavam o serviço, como, por exemplo, o julgamento de valores éticos e morais”, lembra a psicóloga Larissa Sales Pereira, referindo-se ao trabalho realizado durante a residência profissional que antecedeu a pesquisa de mestrado desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGP/IFCH/UFPA). 

“No mestrado dei sequência aos estudos sobre aborto, baseada em uma perspectiva feminista. Esse novo prisma trouxe elementos que aguçaram meu interesse pelo outro lado envolvido na questão inicial: as mulheres”, detalha Larissa Pereira, autora da dissertação Ter ou Não Ter? O aborto em rodas de conversa com adolescentes em uma periferia de Belém do Pará. O estudo contou com orientação da professora Maria Lúcia Chaves Lima e coorientação da professora Hevelliyn Ciely da Silva Corrêa.

Nos dois anos da pesquisa, Larissa Pereira buscou investigar as práticas discursivas sobre o aborto, produzidas por adolescentes entre 13 e 17 anos, residentes na comunidade Porto do Sal, área periférica localizada no bairro Cidade Velha, em Belém.  Partindo da linguagem como produtora de realidades, a psicóloga buscou identificar em que condições os discursos sobre o aborto eram produzidos no contexto daquela comunidade. Onze adolescentes participaram da pesquisa.

Assunto envolve questões éticas, religiosas e jurídicas  

A pesquisa foi desenvolvida em rodas de conversa que debatiam temas indicados pelas próprias adolescentes. “Buscamos deixá-las à vontade para que, naturalmente, surgissem temas de interesse e, assim, vieram à tona assuntos como gravidez, infecções sexualmente transmissíveis, violências, casamento, assédio sexual e aborto”, conta Larissa Sales Pereira . Entre as onze adolescentes participantes, uma relatou já ter praticado aborto. “Durante o estudo, fui procurada por uma jovem que não fazia parte do grupo. Ela havia feito aborto e, quando a comunidade descobriu, foi obrigada a sair de lá. Seu relato foi também ponto da pesquisa”, explica a autora do estudo.

A psicóloga concluiu que as constantes discussões sobre a temática incluem dimensões éticas, religiosas, psicossociais, jurídicas, entre outras. Nos diálogos com as participantes, três temáticas se destacaram em relação ao aborto: a influência da religião, a relação com os serviços de saúde e a ausência de uma educação sexual efetiva. “Constatamos que as adolescentes, de modo geral, repudiam o aborto. As duas que abortaram, o fizeram em virtude de suas limitações - econômica, social, psicológica, educacional - e influenciadas pela família ou pelo namorado - ou seja, o aborto funciona também como um dispositivo de controle sobre os corpos das mulheres”, avalia.

Mesmo com uma clara divisão entre jovens favoráveis e contra a prática do aborto, o estudo revelou uma sobreposição de princípios cristãos. O termo “pecado” foi o mais mencionado pelo grupo, com a maioria das adolescentes atribuindo a responsabilidade total à mulher, desconsiderando segundo Larissa, por exemplo, os múltiplos fatores que podem ter levado uma jovem a engravidar. “A pesquisa mostra que as políticas voltadas para a sexualidade não dão conta das necessidades em saúde das adolescentes, sobretudo na periferia de Belém. Os retrocessos políticos na saúde pública vivenciados no Brasil, assim como a defesa exacerbada da criminalização do aborto, são fatores preocupantes para a saúde física e psicológica de adolescentes, o que demanda novos e continuados esforços coletivos para a transformação desse cenário social”, avalia Larissa Pereira.

Saiba mais

Segundo a Organização Mundial da Saúde, define-se aborto como um procedimento que implica o término de uma gestação. Ele pode ser espontâneo, quando a interrupção ocorre sem nenhuma intervenção externa, ou provocado, quando a interrupção da gravidez é causada por uma intervenção externa e intencional. No Brasil, o aborto é permitido por lei apenas em três casos:

  • Se a gravidez é decorrente de estupro;
  • Se a gravidez representar risco de morte à mulher;
  • Se for caso de anencefalia fetal, ou seja, quando não há desenvolvimento cerebral do feto.

Fonte: OMS, Código Penal, Supremo Tribunal Federal.

Beira do Rio edição 165

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