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Da pedra para a mesa

Publicado: Sexta, 12 de Agosto de 2016, 17h31 | Última atualização em Terça, 16 de Agosto de 2016, 17h54 | Acessos: 2190

A circulação do pescado em Belém do Pará

 

Por Daniel Sasaki Fotos Alexandre Moraes

A culinária paraense é uma das mais singulares de todo o Brasil. O pescado tornou-se um símbolo da gastronomia local e também um dos mais importantes alimentos que movimentam a economia do Estado. Apesar de ser um alimento apreciado por grande parte da população, muitos desconhecem o caminho percorrido pelo pescado até chegar à sua mesa, ou seja, como se dá a circulação do pescado em Belém.

Foi com esse objetivo que o professor Luiz de Jesus Dias da Silva, professor adjunto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), ITEC/UFPA, elaborou a Tese intitulada Pedras, Redes e Malha na circulação do pescado do Ver-o-Peso ao meio urbano de Belém do Pará. A pesquisa foi realizada pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da UFPA e orientada pela professora Carmem Isabel Rodrigues

De acordo com o professor, o seu interesse pelo assunto surgiu graças a uma disciplina que leciona na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. “Ministro uma disciplina chamada Ecologia Urbana. Nela, há um exercício de observação de segmentos da cidade. Desde a década de 1990, faço esse exercício com os meus alunos, quando é feita a observação de vários locais sugeridos por eles”, conta.
Um dos locais mais sugeridos pelos alunos da disciplina era o Ver-o-Peso. Dentro da maior feira a céu aberto da América Latina, o local mais sugerido era a Pedra do Peixe, localizada na calçada lateral da doca das embarcações, no fim da Avenida Portugal e em frente ao Mercado de Peixe. O local é bastante movimentado durante a madrugada, horário em que ocorre a comercialização do pescado.

Para Jesus Dias, entender a dinâmica do local e o impacto da circulação do pescado na cidade de Belém era  o principal objetivo da pesquisa. “O peixe lá é comprado pelo peixeiro do Mercado de Ferro do Ver-o-Peso, pelos mercados da cidade, pelos supermercados, pelos feirantes e também pelos diversos restaurantes da capital. Todos os que compram em quantidade compram lá e fazem isso formando uma rede social, que mexe com a cidade inteira. É uma microeconomia que se reflete em Belém”, explica o professor.

Trabalhadores dos barcos e da terra firme

Por se tratar de uma pesquisa etnográfica, o professor Jesus Dias esteve, muitas vezes, no local para observar e participar das atividades que são realizadas na Pedra. A rotina de trabalho é intensa e começa antes mesmo de o peixe chegar à Pedra para a comercialização. “Começa com a organização para a pescaria, pois a tripulação se organiza comprando os mantimentos que vão ser utilizados na sua atividade de pesca. Tudo isso já faz parte do processo que vai culminar com a comercialização desse pescado”, relata.

Em relação às categorias de profissionais que atuam na cadeia do pescado, Jesus Dias distinguiu-os em duas categorias: os que trabalham nos barcos e os que trabalham em terra firme. Dentro das embarcações, os principais profissionais são: os pescadores, o geleiro ou barqueiro, que também é dono do barco, o gelador, o cozinheiro e o maquinista. O gelador é um ator social que trabalha no porão do barco recebendo o peixe que é capturado e acondicionado nas urnas com gelo, de acordo com o tamanho e a espécie.
Ao chegar à Pedra, estão os trabalhadores de terra. Os peixes são retirados de acordo com as solicitações do balanceiro, que é o encarregado das vendas em terra firme. Ele, por sua vez, tem a ajuda de mais um profissional, o virador, que tem a função de pegar os peixes, que estão retidos em basquetas, da ponta da prancha da embarcação e colocar na caixa do carregador, que já está em cima da balança. “Aí, ocorre uma ajuda de várias pessoas para auxiliar o carregador a carregar essa caixa com pescado, que pesa em torno de 100 kg. Ele carrega cerca de 100 kg na cabeça e anda em torno de 100 metros até a Praça do Relógio, onde está o veículo que transporta a mercadoria até o destino, isso acompanhado do seu comprador, que é um peixeiro da cidade ou outro comprador que contratou esse profissional”, explica Jesus Dias.

As atividades, normalmente, iniciam-se à meia-noite e terminam somente às 6h da manhã, porém nunca chegam a cessar totalmente. “Quando acaba o estoque de peixe no porão, imediatamente, o barco sai para o preparo da pesca. É um ciclo. Mas, quando se comercializou aqui na pedra e passou para a cidade, continua outro fluxo. O pescado vai para a feira e para o mercado. O fluxo só termina na mesa do consumidor final, quando ele está degustando o pescado”, esclarece o pesquisador.

Na Pedra, as relações vão além da compra e venda

Para o professor Jesus Dias, o principal diferencial da Pedra são as questões de sociabilidade existentes no local e as redes sociais que se formam para fazer circular o pescado. “Ali, há questões que vão além da simples compra e venda. Além da comercialização, existe a amizade, a confiança, a aliança. O que a minha tese vem trazer é, justamente, a hipótese de que tudo isso é feito por meio de redes sociais. Isso é o diferencial do estudo. As redes sociais são as interconexões entre pessoas para realizar algo. Esse algo pode ser comércio, pode ser transporte, pode ser a comunicação”, afirma.

O pesquisador complementa: “essa grande rede social sai da abstração para se materializar na circulação do pescado em Belém, em pleno século XXI, marcando e reproduzindo história, cultura e sociabilidade em rede, envolvendo toda a cidade. Ao longo do tempo, isso cresce proporcionalmente e a gente observa que se mantém com vivacidade desde o Período Colonial, ainda no século XVII, e terá longevidade, até que a sociedade belenense o garanta vivaz no seu meio urbano”.

A valorização do pescado como forma de alimento também foi um dos pontos que mais marcaram o pesquisador.  “Algo que marcou em mim foi valorizar, culturalmente, essa questão do prato de peixe e observar que o peixe é mais que um alimento, é algo que vem desde a fundação de Belém. Também pude observar o valor cultural daquele local. Ali, a atividade é passada de geração a geração. Todo mundo é família. Quando não é parente, é amizade”, conta o professor.

O pesquisador acredita que a Pedra do Peixe também representa uma resistência dos pescadores em relação à sociedade e ao Poder Público. “Essa tese pode servir de embasamento para o Poder Público em uma possível tomada de decisão. Para observar que ali existe cultura, existe um fator histórico-cultural que vem desde a fundação de Belém.  A Pedra pode ser vista como uma amostra de resistência  diária”, conclui Jesus Dias.

Ed.132 - Agosto e Setembro de 2016

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