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É Delinquentes na veia!

Publicado: Terça, 25 de Outubro de 2016, 17h54 | Última atualização em Quarta, 26 de Outubro de 2016, 15h18 | Acessos: 3123

30 anos em atividade, banda de rock paraense é tema de pesquisa

imagem sem descrição.

Por Hojo Rodrigues Ilustração Walter Pinto

No melhor do estilo underground, a banda de rock Delinquentes completou trinta anos de carreira. Criado em 1985, o grupo já percorreu diversos Estados brasileiros tocando o gênero hardcore crossover com uma pitada da cultura musical paraense. E foi justamente para entender o porquê de a banda estar há tanto tempo em atividade que o músico Lucas Padilha elaborou a dissertação Eu amo tudo o que não presta. Punk e poética em trinta anos de Delinquentes, orientada pela professora Valzeli Figueira Sampaio, no Programa de Pós-Graduação em Artes (ICA/UFPA).

O autônomo Moisés Leite de Souza, 38 anos, conta que conheceu os Delinquentes no ano de 1998, por meio de alguns amigos roqueiros da escola e foi a vários shows da banda. “Era a banda do momento e o som deles chamou a minha atenção. Um grupo paraense tocando punk de qualidade é algo extraordinário”, diz. Fã declarado, Moisés relembra suas músicas preferidas, como “Planeta dos Macacos”. “Para mim, é a melhor banda representante de punk rock do Pará”, conclui.

De acordo com Lucas Padilha, Delinquentes continua sendo a banda mais antiga em cena. “O fato de a banda estar, há muito tempo, produzindo e tocando em uma região inóspita, para o gênero hardcore, era o que mais me chamava atenção”, revela o pesquisador, que também buscou entender como a banda se tornou referência para muitas pessoas. “A banda Delinquentes é uma das maiores referências do cenário, se não for a maior, tanto para quem viu a banda nascer quanto para as pessoas mais jovens que estão formando uma banda hoje”, conta.

Lucas produziu um documentário com o intuito de adaptar a pesquisa a uma linguagem poética. “A partir das entrevistas que utilizei para o filme, eu desenvolvi a dissertação”, explica. O pesquisador selecionou personagens interessantes para as entrevistas, como integrantes atuais da banda, ex--integrantes, artistas de bandas contemporâneas e bandas mais recentes, produtores musicais, jornalistas e, obviamente, fãs.

“Fui surpreendido com o relato de um fã. Um homem  que conheceu a banda ainda garoto, quando jogava videogame na casa de um amigo e ouvia os ensaios da banda na casa ao lado. Ele cresceu sendo um grande admirador e, hoje, os filhos dele curtem a banda. No depoimento, ele falou que, enquanto muitas pessoas têm Metallica ou Motörhead como referências do gênero, para ele, é a banda Delinquentes. Isso me marcou muito”, revela Lucas Padilha.

Modelo de pesquisa da Etnomusicologia

Com base nas entrevistas, Lucas Padilha organizou a elaboração do roteiro. Ele utilizou um modelo de pesquisa da Etnomusicologia conhecido como Modelo Tripartite de Alan Merriam, o qual é dividido em conceito, contexto e som. “Eu adaptei para a linguagem de documentário e trabalhei com contexto, comportamento e audiovisual”, afirma. Lucas explica que o “contexto” é a análise do período em que a banda surgiu; “comportamento” são os fatores que levaram a banda a produzir os sons e a relação estabelecida com outros participantes da cena musical na qual estão inseridos e “audiovisual” é a ferramenta de análise da produção da pesquisa.

Lucas explica que não fez uma análise sobre um som ou um disco específico dos Delinquentes, mas sim a análise de um contexto antropológico e social da banda, o que vai muito além de uma obra. “Também fiz uma análise do produto audiovisual, ou seja, a análise do roteiro, para saber como se deu o desenvolvimento do roteiro e como criei a própria estética do filme, baseada nos fanzines e na cultura punk”, explica.

Como parte integrante da pesquisa, o documentário intitulado “Eu amo tudo o que não presta” tem trinta minutos e acabou servindo para a divulgação da pesquisa. “É um trabalho de pesquisa que extrapola as barreiras da Academia e terá um alcance maior ao ser veiculado na internet, por exemplo”, avalia o pesquisador, que pretende exibir o documentário, seguido de uma apresentação da banda Delinquentes, no teatro do prédio do PPGArtes.

Jayme Katarro, vocalista da Delinquentes, conta que a ideia da banda surgiu em uma madrugada de outubro de 1985, em meio a uma conversa com um amigo, em um ponto de ônibus. “Era Recírio. Tínhamos acabado de sair de uma festa e fomos aguardar o ônibus. Um amigo, baixista da banda Insolência Públika, deu a ideia de montarmos uma banda e eu sugeri o nome ‘Delinquentes’. Automaticamente, passei do público para o palco”, relembra.

Por conta do visual e das atitudes, na época, os punks eram vistos como marginais. “Na verdade, éramos marginalizados, não marginais. Não cometíamos crimes. Nós saíamos para nos divertir. Mas nosso visual era muito agressivo e isso remetia ao marginal jovem, que é o delinquente. Daí o nome da banda”, explica o cantor.

Fiel ao estilo, banda já transformou carimbó em hardcore

Durante esses 30 anos, a banda já passou por várias mudanças na formação, o que garantiu a circulação de novas ideias e musicalidade no grupo, que moldou o som ao contexto atual. Jayme Katarro conta que “os trinta anos da banda passaram brincando. Sabíamos que não ficaríamos ricos e famosos com o estilo do som que a gente produzia, mas era o que nós gostávamos de fazer, como é até hoje”, afirma.

A agressividade da música, em comparação com as bandas de rock da região, e as atitudes no palco são os diferenciais da banda, que deixou sua marca registrada em várias fases da história do rock local. “Aqui, na região, existem muitas bandas de hardcore punk com um estilo bem mais agressivo que o nosso. Mas o nosso diferencial está na musicalidade dos integrantes da atual formação, pois são pessoas que trazem outras influências musicais e acabamos dialogando com outros estilos”, explica o vocalista.

A interatividade com o público contribuiu para o longo percurso da banda, avalia Jayme Katarro. Para o músico, o público é uma extensão do show. “A gravação do nosso DVD foi sem palco, no anfiteatro da Praça da República, e o contato com o público foi bem direto. O resultado foi bastante diferente, pois se tivesse um palco, seria apenas mais um show, como outros”, conta ele, que foi surpreendido quando soube que sua banda seria tema de uma dissertação.

Os Delinquentes já fizeram shows em várias regiões do Brasil e criaram laços de amizades por onde passaram. “Fizemos muitos shows no Nordeste. Já fomos três vezes a Brasília e, no primeiro show que fizemos lá, havia pessoas na beira do palco cantando nossas músicas e falando que tinham esperado mais de vinte anos para nos ver. Isso foi bem legal”, relembra o cantor. O vocalista também conta o quanto foi significativo tocar em Manaus. “Existe uma rivalidade histórica entre Belém e Manaus e sentíamos isso em certos lugares da capital do Amazonas. No entanto essa rivalidade não existe entre o público da cultura underground. Nesse circuito, as pessoas nos trataram como irmãos”, afirma.

O estilo hardcore do Delinquentes agregou traços das raízes nortistas, como podemos perceber na palavra “Indiocídio”, neologismo que deu nome ao segundo CD da banda, o qual aborda a perda da identidade cultural indígena. “Mas, independentemente da música que dá origem ao título, os nossos temas são bem variados. Há letras que falam de guerras, por exemplo, e até mesmo sobre as baixadas de Belém”, explica o cantor, que também já transformou um carimbó em ritmo hardcore.

Ed.133 - Outubro e Novembro de 2016

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