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Água contaminada em Barcarena

Publicado: Terça, 13 de Dezembro de 2016, 15h07 | Última atualização em Quarta, 14 de Dezembro de 2016, 16h46 | Acessos: 5639

Estudo comprova contaminação de poços por elementos tóxicos

imagem sem descrição.

Por Walter Pinto Foto Acervo da Pesquisa

Desde que, por decisão política, a União implantou em Barcarena um dos maiores polos industriais do Estado do Pará, a população local convive, sobressaltada, com frequentes desastres ambientais. São acidentes que ocorrem quase anualmente, na maioria das vezes decorrentes de vazamentos de rejeitos das indústrias lá instaladas, todas de atividades efetivamente poluidoras.

Mais recentemente, um estudo realizado pelo Laboratório de Química Analítica e Ambiental (Laquanam), da UFPA, constatou outro grave problema ambiental, talvez mais alarmante em consequência da amplitude: a contaminação das águas de consumo, as que atendem à população local, com  elementos tóxicos, como chumbo, alumínio, cádmio e bário, em médias acima do permitido pela legislação do Ministério da Saúde.

“Trata-se de algo muito grave, porque não é pontual. O chumbo foi encontrado em 90% das comunidades pesquisadas. A contaminação do meio ambiente é um problema que vem ocorrendo há mais de três décadas em Barcarena”, informa Simone de Fátima Pinheiro Pereira, coordenadora do Laquanam e do estudo realizado por solicitação do Ministério Público Federal.

O laboratório realizou análises de metais e físico-químicas em 118 amostras de água coletadas em poços de 26 comunidades continentais e insulares de Barcarena, a saber: Vila do Conde (Distrito Industrial, Maricá, Canaã, Ilha São João, Curuperé, Acuí, Dom Manuel e Pra Major Peteca); Vila dos Cabanos (Fazendinha, Burajuba, bairro Murucupi, bairro Laranjal, Vila Nova e Vila itupanema); Cafezal, Furo do Arrozal, Vila Arapiranga, Fleixeira, Prainha; Ilha das Onças (Ponta de Cima e Furo das Laranjeiras); Ilha São Mateus (Vista Alegre); Ilha Trambioca (Porto da Balsa) e Vicaraí (Rio Aicaraú).

Diante da impossibilidade de o estudo abarcar todas as comunidades, os pesquisadores selecionaram as que lhes pareceram em situação de risco mais iminente, após ouvirem a população. Das 26 comunidades que tiveram água de poços analisada, somente duas não apresentaram contaminação por chumbo.

Mutações genéticas podem atingir descendentes

Em humanos, a acumulação de chumbo no organismo pode afetar severamente as funções cerebrais, o sangue, os rins, os sistemas digestivo e reprodutor, inclusive com possibilidade de produzir mutações genéticas em descendentes e causar câncer. Os sintomas clássicos são irritabilidade, cefaleia, tremor muscular, alucinações, perda da memória e da capacidade de concentração. Esses sintomas podem progredir até o delírio, convulsões, paralisias e coma. A cronicidade da exposição ao chumbo pode gerar distúrbios gastrointestinais, neuromusculares e sobre o Sistema Nervoso Central, além de alterar a pressão arterial, afetar o fígado e o sistema renal. Além disso, o chumbo pode atravessar a membrana placentária provocando efeitos teratogênicos em fetos. O saturnismo é o termo conferido à patologia resultante da intoxicação por chumbo.

“Os moradores de Barcarena, tanto do continente como das ilhas, estão tomando água contaminada há bastante tempo, desde que as indústrias se implantaram na região. A tendência a contraírem doenças associadas à ingestão de chumbo é muito grande”, alerta Simone Pereira.

O estudo registrou diferença, embora não significativa, nos níveis de contaminação entre a água de consumo das ilhas e a dos locais próximos ao polo industrial. No continente, as amostras apresentaram maior concentração de chumbo. A explicação está na proximidade das comunidades avaliadas às bacias das indústrias. São os casos, por exemplo, das comunidades Vila Nova e Burajuba, na Vila dos Cabanos, e Distrito Industrial e Curuperé, na Vila do Conde, com índices de chumbo variando entre 10 e 13 vezes acima do limite permitido. “É muito provável que a proximidade das indústrias, como Alunorte e Imerys RCC,  favoreça a maior contaminação das águas de consumo no continente. Não há outro motivo para que isso aconteça”, ressalta a coordenadora da pesquisa.

Essa contaminação das águas subterrâneas seria tão grande que se estenderia às comunidades insulares. Para Simone Pereira, o alto índice de chumbo no continente e, em menor escala, na região insular, embora não tão menor assim, pode significar algo bastante preocupante: o aporte de efluentes que se espalham do continente às ilhas pode também, na pior das hipóteses, chegar a Belém.

Água do rio está menos sujeita a contaminação

Em Barcarena, as comunidades que se abastecem da água do rio estão menos sujeitas a contaminação do que as que se abastecem de água subterrânea. Isso se explica porque a água subterrânea tem influência da geoquímica local por estar confinada, enquanto as superficiais sofrem influência de emissões atmosféricas. Quando as indústrias realizam queima do petcoke, combustível sólido resultante da destilação do petróleo, ocorrem emissões atmosféricas. As chuvas, no entanto,  encarregam-se de trazer de volta o chumbo e o cádmio presentes no petcoke, que, assim, penetram no solo poroso, contaminando as águas subterrâneas.

“O laboratório não pode bater o martelo e dizer, neste momento, de onde está vindo o chumbo. Há vários aspectos que devem ser considerados”, explica a pesquisadora. “Ele pode estar ligado às rochas do solo, assim como pode resultar de componentes industriais antrópicos depositados pelas indústrias, haja vista que algumas bacias não possuem impermeabilização”.

Enquanto isso, o Laquanam, com a ajuda do Laboratório Central da Secretaria de Estado de Saúde do Pará (SESPA), está realizando uma pesquisa exploratória com o cabelo dos moradores, para estudar a presença de 28 elementos químicos. Segundo a pesquisadora, o cabelo é um excelente bioindicador, que sempre mostra uma contaminação passada. “O cabelo cresce à medida que as impurezas vão sendo excretadas. É o mesmo processo que ocorre no suor, nas fezes e na urina. Mas o cabelo tem a vantagem de ser uma matriz melhor de ser conservada”, informa.

Contaminação - Em Barcarena, a qualidade da água piora à medida que os poços vão se aprofundando. Enquanto nos poços mais rasos são encontrados alumínio, chumbo, fósforo e selênio, nos mais profundos, o estudo encontrou, além desses, outros elementos tóxicos, como o cádmio e o bário. Alumínio e ferro são elementos naturais na Amazônia, diferentemente do cádmio e do bário.

“O bário não existe naturalmente na Amazônia. Em Barcarena, no entanto, ele chega até a 125 vezes acima do nível máximo permitido na água de rio, na época de vazamentos de rejeito do processamento do caulim. O ácido sulfúrico, usado no branqueamento do caulim, além de tornar disponíveis os metais ligados ao minério, também aumenta a acidez da água dos rios da região, o que pode alterar as condições de vida aquática”, alerta Simone Pereira.

Segundo Simone Pereira, o estudo é só um passo dado no sentido de melhorar a situação da população local. “Estamos trabalhando com a água de Barcarena desde 2012, mas a Delegacia do Meio Ambiente atua ali há mais de treze anos, já produziu 12 inquéritos sobre vazamentos na área e nenhum desses processos chegou, sequer, a ser julgado”, explica.

Em Barcarena, as indústrias não melhoram seus processos e não cumprem a legislação que as obriga a tratar seus efluentes, retirando os elementos tóxicos que provocam doenças graves. “É uma tragédia ambiental que se arrasta por mais de 30 anos”, constata a pesquisadora da UFPA.

Ed.134 - Dezembro e Janeiro de 2016/2017

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