Diálogo entre tradição e inovação
Lenda da Matinta é utilizada para discutir Educação ambiental
Por Gabriela Bastos Fotos Acervo da Pesquisa
Hoje, as crianças têm uma noção mínima do que representa o meio ambiente e a importância em preservá-lo, pois a educação ambiental é esquecida em prol de assuntos considerados mais relevantes. Diante disso, a professora da Universidade do Estado do Pará e pesquisadora do Núcleo de Estudos em Educação Científica, Ambiental e Práticas Sociais (NECAPS), da UEPA, Maírna Costa Dias, escreveu a dissertação A Matinta tem a Cor da Chuva: Ludicidade como estratégia de Ensino-Aprendizagem para Educação Ambiental. A pesquisa foi apresentada em agosto passado, no Programa de Pós-Graduação em Educação/ICED/UFPA.
Realizada na Ecoescola Rita Nery, localizada no bairro Tenoné, em Belém, a pesquisa discute cultura amazônica por meio da ludicidade aliada à questão ambiental, utilizando como personagem principal de conscientização a matintaperera. “A pesquisa apresentou uma problemática instigante e demonstrou comprometimento com a construção de saberes e práticas pedagógicas ambientais que reverberem uma educação e um currículo crítico voltado para a diversidade cultural, a valorização do imaginário popular e cultural amazônico e da literatura infantil no contexto escolar”, ressalta a professora.
Segundo a lenda, a Matinta é uma idosa que pode aparecer em forma de ave e nunca se sabe de onde vem seu assobio. O curioso título A Matinta tem a Cor da Chuva foi uma construção espontânea de uma das crianças, lembra Maírna Dias. “Uma criança chegou e disse: ‘tia, a Matinta tem a cor da chuva’. Acredito que tal criação se justifique por atividades anteriores que envolviam temas como o lixo e chuva”, lembra a professora.
A escolha da lenda da Matinta foi outro ponto interessante da pesquisa. “Foram trabalhadas várias lendas e, ao tratar do mito matintaperera, percebi um interesse maior das crianças, que demonstraram um verdadeiro fascínio pela personagem. Por se tratar de uma bruxa e ter o recurso sonoro como o assobio, percebi que tal personagem seria vigoroso para trabalhar o imaginário e a fantasia. Nas falas das crianças, você percebe a reconstrução e ressignificação do elemento mítico”, afirma a professora.
De acordo com a pesquisadora, o mito da Matinta permitiria a expansão das formas de ver e pensar a educação ambiental contextualizada às realidades das crianças. Além disso, permitiria a inauguração de hipóteses inovadoras acerca da ‘negociação’ entre a tradição e a inovação infantil.
Oficinas foram utilizadas para envolver os alunos
Segundo Maírna Dias, a proposta inicial era desenvolver atividades com os professores, porém as crianças demonstraram interesse pelo trabalho, surpreendendo a pesquisadora. A estrutura e o projeto político-pedagógico da escola também foram diferenciais e determinantes para a troca de público.
“Eles foram se apresentando, me envolvendo e, quando me deparei, estava imersa no ‘território infantil’ e exercitando a ‘escuta sensível’. A escola me acolheu de forma carinhosa, abrindo seus ‘armários’, apresentando todo o material que pedi e que achava interessante para a pesquisa. Assim, pude realizar um excelente trabalho de campo, situando os passos da construção da oficina e lócus da pesquisa, trazendo para o cenário os bastidores teórico-metodológicos que tornaram possível tal construção, juntamente com o apoio da equipe técnica da escola, dos alunos, dos pais e da comunidade em geral, e a liberdade dos alunos em seus atos de criação”, detalha a professora.
Por meio de oficinas e dramatizações, Maírna conseguiu chamar atenção dos alunos, que associaram os comportamentos apresentados com os que eram praticados por suas famílias. O objetivo final era que fosse construída uma peça com o aprendizado e, por sugestão das crianças, a temática escolhida foi o lixo.
Depois de um mês e meio, a atividade final contou com uma encenação na qual as crianças foram produtoras e partícipes. A Matinta foi o fio condutor e não o personagem principal da prática pedagógica batizada de “a Matinta e o lixo nosso de cada dia”, título escolhido pelos pequenos, tornando bastante rica e lúdica a participação deles.
Pais relataram mudança de comportamento
A questão ambiental foi além e levou o trabalho para outros direcionamentos. Maírna Dias diz que se surpreendeu com as construções nas histórias dos alunos, principalmente com a que deu título a sua dissertação. “Uma criança me disse: ‘a Matinta tem a cor da chuva. Ela vem de noite e leva o lixo. A gente já tá dormindo, por isso que a gente não vê’. Todas as histórias eram fantásticas. Acredito que tal originalidade e ousadia foram essenciais para o êxito da pesquisa”, revela a professora.
O projeto de pesquisa culminou com a apresentação da peça e teve como espectadores alunos, professores e pais/responsáveis. Esses últimos relataram à pesquisadora que estavam impressionados com a mudança de postura das crianças em relação ao tema “meio ambiente”.
Os resultados da dissertação foram além do esperado, principalmente no que diz respeito à sustentabilidade na escola. “Trata-se de uma pesquisa muito relevante, sobretudo no contexto contemporâneo, quando pensamos programas governamentais de escolas sustentáveis. Nesse sentido, penso que a pesquisa trouxe este tema à tona evidenciando como a investigação pode envolver a educação ambiental e a mitopoética amazônica, conjugando as nossas maiores riquezas e a sociobiodiversidade brasileira. Meu trabalho foi capaz de testemunhar isso, além de apontar para as imensas possibilidades de ampliar os horizontes da escola”, conclui a pesquisadora.
Ed.135 - Fevereiro e Março de 2017
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