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Resenha

Publicado: Quarta, 14 de Setembro de 2022, 13h16 | Última atualização em Quinta, 20 de Outubro de 2022, 19h27 | Acessos: 1518

Cláudio Barradas: contos e memórias

Por Walter Pinto Foto Alexandre de Moraes

Tema recorrente em discussões acadêmicas e literárias, a relação entre ficção e realidade, há muito, superou a antiga visão de uma criação ficcional desconexa da realidade, como fosse possível a criação de universos sem amparo em qualquer experiência factual. Em recente entrevista, o escritor Mario Vargas Llosa, Nobel de Literatura, disse que a ficção, por mais inventada que seja, precisa de elementos inspirados na realidade para se tornar reconhecida pelo leitor. Esses elementos presentes na narrativa ficcional revelam contextos, costumes e sentimentos de diferentes épocas, o que torna a ficção uma fonte documental de interesse para o estudo da história.

Contículos, primeiro livro de contos do ator, diretor e teatrólogo Cláudio Barradas, é um bom exemplo de como a ficção pode estar à disposição da história. Composto de pequenos contos, alguns com duas linhas, outros com até três páginas, o livro revela um universo complexo de sonhos, crenças, costumes, modos de agir de uma enorme gama de personagens anônimos, extraídos do “baú de memórias do autor, em que cuidadosamente guardou tudo que lhe era dado viver, para não perder, levado pelo tempo”, como nos diz a capa do livro.

Na fase madura de uma vida consagrada ao ensino, à religiosidade e, principalmente, aos palcos, o artista/escritor tirou do baú fragmentos de vida, pequenos causos, relatos breves e ofereceu- -os ao leitor em 161 dropes, que abordam temas como a morte, as obsessões, a velhice, a resignação, a inveja, os sonhos desfeitos e a vaidade humana. Contículos é título que se mostra inadequado ao livro, uma vez que alude apenas ao tamanho das histórias narradas, sem nada dizer sobre a qualidade do contista e a multiplicidade de informações que as 228 páginas contêm.

Apesar de alguns temas sombrios, o humor está presente nos relatos, de forma velada ou nem tanto, como na história do homem que, qual um Marco Polo, se lança a viagens oníricas ou livrescas, guiado pela fantasia, até que, ao retornar ao real, não percebe a motocicleta que lhe abrevia os sonhos. Ou no relato sobre um vaidoso homem que, querendo-se generoso, ordena à família jogar seu corpo morto ao mar para ser devorado pelos peixes. Vontade feita, os peixes se recusam a comê-lo.

Há um tanto de realismo fantástico, o gênero literário ficcional que marcou parte da literatura latino-americana, em alguns contos de Cláudio Barradas, como na história do crente tirado da cama por um tremor de terra e saiu à rua anunciando a hora do arrebatamento e conclamando todos para irem à igreja, pois o Senhor, em pessoa, esperava-os para fazê-los subirem ao céu. Primeiro a entrar, não conseguiu evitar o imenso buraco que se formou no chão do templo, por onde, em vez do céu, mergulhou nas profundezas do inferno.

Na abertura do livro, o organizador da obra, Denis Bezerra, destaca nos contos de Barradas, entre vários fios, a “constância da velhice colocada como um estado de impotência diante da vida”. Ele observa a “urgência e a velocidade com que o autor vem escrevendo suas narrativas, principalmente nos últimos anos, e mais ainda na pandemia de covid-19 que o isolou, mas fez com que seu pulso criativo vibrasse e se constituísse em histórias”. Denis Bezerra afirma que, para Barradas, os “contículos” revelam a necessidade de estar vivo e presente.

Nascido em janeiro de 1930, em Belém (PA), Cláudio de Souza Barradas recebeu o título de Professor Emérito da Universidade Federal do Pará em 2021, por sua trajetória docente, pelos esforços que resultaram na criação da Escola de Teatro e Dança da UFPA, e em reconhecimento à contribuição à cultura amazônica, como homem de teatro. Em 1992, Barradas aposentou-se pela UFPA, mesmo ano em que retomou uma vocação interrompida na juventude: a vida sacerdotal. Os “contículos” vêm sendo escritos desde 2007 e remontam à memória de um intelectual que, há 92 anos, produz Cultura com letra maiúscula, no meio literário e dramatúrgico paraense.

Serviço: Contículos. Cláudio Barradas. Org. Denis Bezerra. Editora: Mezanino Editorial. 2022. 228 páginas. Vendas no site da editora.

Beira do Rio edição 164

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