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Música, identidade e globalização

Publicado: Quarta, 20 de Julho de 2022, 17h13 | Última atualização em Quinta, 28 de Julho de 2022, 19h33 | Acessos: 992

Tese discute a reinvenção da canção popular paraense

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Por João Freitas Arte: CMP Ascom

“Ao pôr do sol, eu vou te dizer, que o nosso amor, não pode morrer…” Esse é um trecho da canção que faz sucesso na voz do cantor Teddy Max desde 1980. A música está presente na vivência e na memória de muitos paraenses e faz parte da lista de bregas ‘marcantes’ de uma época. Além do brega, o estado do Pará produz uma diversidade de ritmos que são característicos da região e representam séculos de história. Mas como a tradição musical é inventada e reinventada na canção popular paraense contemporânea? E como é formado o mundo artístico da canção paraense, em suas dimensões local, translocal e de experiências internacionais? Como esse mundo se comporta diante dos processos de interação desencadeados pela globalização?

Essas são algumas questões discutidas na tese intitulada Urbi et Orbi: Localização e globalização no mundo da canção popular paraense, de autoria de Nélio Ribeiro Moreira. O trabalho foi desenvolvido e defendido no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Pará (PPGSA/UFPA), sob a orientação do professor Antonio Maurício Dias da Costa. O título, Urbi et Orbi, é uma expressão advinda do latim que significa algo como “à cidade e ao mundo”, também foi utilizada pelo guitarrista paraense Delcley Machado para dar nome ao seu show e CD ao falar de uma música que parte do contexto local para o global.

 Como observa Nélio Ribeiro Moreira, a tese procurou tratar da música popular paraense contemporânea em um contexto específico: a globalização como processo de interação em escala mundial. Dessa forma, o que interessa na abordagem são os elementos acionados pelo discurso dos atores sociais sobre temas como a identidade local e regional, os circuitos musicais nacionais, as memórias e a trajetória de músicos, as interações entre músicos paraenses e artistas nacionais e internacionais, os festivais como processo ritual de marcação de lugar no mundo artístico. Agora, o “local” e o “global”, como cultura, estão juntos, conforme atestam as redes sociais e as tecnologias de comunicação.

“Meu interesse foi mostrar que as relações de interação social entre os agentes que compõem o que eu chamo de ‘mundo da canção popular paraense’ é algo relativamente estável, convergente, marcado por conflitos e por solidariedades. É, ao mesmo tempo, uma performance e uma ação natural, haja vista que se manifesta em momentos precisos, como uma forma de afirmação de posição social”, explica o autor.

Pesquisador utilizou a etnografia multissituada

Mas como lidar com uma situação em que os dados da pesquisa estão dispersos, tanto fisicamente como virtualmente? A saída foi utilizar uma perspectiva antropológica contemporânea: a etnografia multissituada, ou seja, o autor pesquisou em jornais, blogs e festivais virtuais e conversou, por videochamada, com artistas paraenses que estavam em outras cidades na época da pesquisa.

A noção de “cultura musical” remete à ideia de que há uma convergência entre os projetos dos artistas que compõem a cena musical. Embora a tese trate de um gênero específico chamado de Música Popular Paraense (MPP), rótulo que é questionado pelo pesquisador, é preciso considerar que a cultura musical paraense convencionou a diversidade como sua espinha dorsal. Para Nélio Ribeiro Moreira, o acionamento dos referenciais identitários pelos artistas e mediadores culturais no processo de globalização se colocou tal qual mote fundamental para a utilização instrumental no mercado musical brasileiro como circuito cultural.

Contemporâneo – “Na pesquisa, trato de dois gêneros que passaram a compor o que chamo de ‘mundo da canção paraense’: o carimbó e a guitarrada. Esses gêneros, que historicamente foram tomados como ‘marginais’, ‘da periferia’, ‘sem complexidade harmônica’, se tornaram eixos para a música paraense contemporânea e ditaram uma estética. Mas o que procuro discutir não é a questão musical em si, e sim as redes de interação entre os músicos e outros atores, ou seja, quais agentes atuaram para que isso acontecesse? Como ocorreu esse processo?” explica.

De acordo com Nélio Moreira, o Festival Terruá Pará teve um papel fundamental nesse processo de “invenção” de uma música paraense contemporânea. Como política cultural de Estado, o festival desempenhou um papel importante na medida em que uniu ‘inovação’ na tradição e ‘manutenção’ na modernidade, o que se nota na música paraense até hoje. Mas também gerou conflitos, questionamentos e mudanças de posições: artistas que questionaram as primeiras edições do evento participaram de outras. Isso mostra a dinâmica do processo. Por isso o Terruá Pará teria consolidado a ideia de uma música paraense-amazônica como cultura e tradição musical para atender ao mercado nacional. No entanto essa situação acabou dando outros rumos a projetos de artistas locais que se viram impelidos a acionar esse “tradicional modernizado” em seus trabalhos.

Uma “nova invenção” ou a “paulistanização” da MPP

Nos últimos anos, o fato de a indústria da música popular ter se voltado para a cena paraense é uma questão interessante. Observando os artistas paraenses, é possível dizer que a interação deles com o circuito da MPB no eixo Rio-São Paulo fez com que eles atuassem em prol da retomada da música paraense como uma “nova invenção”, uma “paulistanização” da música paraense, para usar o termo de um interlocutor da pesquisa.

Já os artistas paraenses que atuaram em outros países foram reconhecidos por serem músicos brasileiros da Amazônia, o que dilui o aspecto regional desses artistas e de seus trabalhos. Assim, enquanto no Brasil se trabalha para que artistas regionais tenham espaço no cenário musical nacional, na dimensão internacional e seus fluxos, os artistas paraenses são world music, pois não fazem música do mainstream, mas sim dotada de exotismo. E isso é acatado e problematizado pelos artistas, haja vista que o que interessa é confrontar o local com o global, promovendo diálogos, sincretismos e hibridizações.

Mesmo tendo sido atingida pela pandemia da covid-19, quando o afastamento social impediu entrevistas presenciais, viagens e participação em shows, a pesquisa apresenta elementos que procuram mostrar um mundo artístico em um contexto preciso, a sua realidade observada e descrita em discursos e ações dos atores que o compõem.

A tese apresenta o processo musical paraense em sua relação dialética com outros estratos sociogeográficos e socioculturais. Dessa forma, a noção de metamorfose utilizada pelo autor bem define as características dessa música paraense em sua localização e sua globalização: as certezas e as particularidades que marcam a música paraense se alteram à medida que se misturam com outras culturas musicais, outros objetos artísticos e com as experiências e trajetórias dos artistas.

Beira do Rio edição 163

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