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Cor e hierarquia

Escrito por Beira do Rio | Publicado: Quarta, 04 de Outubro de 2017, 17h37 | Última atualização em Quarta, 04 de Outubro de 2017, 18h17 | Acessos: 4505

Conteúdos não diminuem discriminação e racismo

imagem sem descrição.

Por Renan Monteiro Ilustração Walter Pinto

Estudar as relações de sociabilidades de jovens no âmbito escolar e entender como surgem questões como a discriminação e o preconceito é um tema de relevância no meio acadêmico, pois essas questões estão muito presentes atualmente. O Projeto de Pesquisa Sociabilidades e Adolescentes: cor e hierarquias no ambiente escolar, da professora Wilma de Nazaré Baía, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH/UFPA), faz uma análise das relações interpessoais entre estudantes e como surgem as hierarquias de raça/cor.

O ponto de partida da pesquisa foi compreender que as crianças e os adolescentes têm um nível de sociabilidade muito intenso, não apenas na dimensão presencial, mas também na virtual. A professora explica que a ideia do trabalho surgiu da necessidade de “aprofundar os estudos sobre as relações entre estudantes, pois essas relações se constituem como chaves para a compreensão da leitura que eles fazem da hierarquia da cor e da forma como se percebem nela”.

A pesquisa em profundidade teve início em 2010 e foi concluída em 2017. Participaram do trabalho mais de 600 alunos matriculados, do nono ano do ensino fundamental ao terceiro ano do ensino médio. Os alunos eram crianças e adolescentes de quatro escolas públicas de Belém. Outros entrevistados foram professores e coordenadores pedagógicos.

O projeto também explorou assuntos referentes à interdependência entre sociedade-escola e escola-sociedade, com o intuito de identificar o modo pelo qual as sociabilidades estabelecidas entre os adolescentes se articulam com os conteúdos de natureza axiológica abordados na escola.

Como base para a pesquisa, foram utilizados documentos escolares, por exemplo, projetos políticos pedagógicos e livros didáticos de disciplinas como História, Língua Portuguesa e Arte. A escolha desses componentes curriculares justifica-se em virtude da inclusão de conteúdos que abordam a história e a cultura afro-brasileira. “A ideia era entender como os conteúdos dessas disciplinas eram trabalhados pedagogicamente no âmbito escolar e perceber o impacto desse trabalho nas ações cotidianas dos estudantes”, afirma Wilma Baía.

Músicas e filmes fomentaram as discussões

A coleta de dados foi realizada em quatro momentos: a aplicação de questionários, a observação do ambiente escolar, as entrevistas com os professores e os grupos de discussão com os adolescentes. Foram oito grupos compostos por alunos de idades, orientação sexual e cor/raça distintas. Para fomentar a discussão, foram utilizados filmes, peças publicitárias e músicas. Essa técnica foi aplicada para entender como eles se relacionavam com aqueles conteúdos e, assim sendo, como estabeleciam relações pautadas em hierarquia e diferenças.

“As relações que observamos no percurso dessa pesquisa compõem questões estruturais, no âmbito da formação inicial, que nos parecem relevantes para entender a educação básica e compreender, academicamente, o aluno que receberemos na educação superior’’, argumenta Wilma.

Como o estudo abordou um assunto muito amplo, a sociabilidade entre crianças e adolescentes e as suas nuances, os resultados foram abrangentes, porém conexos. Observou-se a presença de grupos no interior das escolas pesquisadas, como nerds, populares, gamers, sertanejos, filhinhos de papai, fofoqueiros, malacos, funkeiros e patricinhas, conforme a denominação dada pelos próprios adolescentes.

Esses grupos constroem, de forma particular e simbólica, espaços que são delimitados no ambiente escolar. “As ´patricinhas´, os ´filhinhos de papai´ e ´populares´ têm uma comunicação próxima com os professores e com a escola, diferentemente dos identificados como ´malacos´ e ´indisciplinados´. Contudo essas delimitações simbólicas estão demarcadamente constituídas entre os estudantes, mas nem sempre percebidas pelos agentes escolares com clareza absoluta”, revela a professora.

Likes nas redes sociais significam capital social

Além desse fator, foi percebida a profunda intimidade que os jovens têm com as redes sociais e como isso contribui com posições hierárquicas. Com a relação cada vez maior entre o mundo virtual e o real, aquilo que se delibera e discute-se on-line tem desdobramentos no campo da realidade. Um exemplo disso é demonstrado pela pesquisadora: “o número de likes, o número de participantes nas interlocuções desses estudantes nas redes sociais significam um capital social virtual para que esses definam situações próprias de seu estatuto no interior da escola e isso se constitui em um nível de hierarquia no ambiente escolar, para além da sala de aula”.

Outra questão resultante do estudo incidiu na percepção de que os estudantes utilizam os conteúdos estudados nas disciplinas, nas quais são trabalhadas questões relacionadas à discriminação e ao racismo, por exemplo, para estabelecer uma relação de respeito com o outro, já que as ações discriminatórias, por vezes, são naturalizadas por parte da comunidade escolar. “O investimento contrário a esta ação parece urgente e necessário na escola, pois se entende que ela é a instituição formativa privilegiada na desconstrução de práticas discriminatórias e compreensões de cunho racista, pelos discentes’’, defende a professora.

A professora aponta para a relevância desse tipo de pesquisa, pois, segundo ela, todos devem envidar esforços para que a geração atual possa fazer a diferença não somente no conhecimento tecnológico, mas também no reconhecimento das diferenças como um direito para a construção de uma sociedade efetivamente inclusiva. “Para compreender os adolescentes, sobretudo no enfrentamento do preconceito e da discriminação, urge problematizar, no âmbito escolar, um saber sensível e consubstanciar a formação inicial e continuada, que comporte as experiências concretas dos estudantes – no ambiente virtual, e a relação com o presencial – para a ação efetiva na sala de aula e fora dela”, conclui Wilma Baía.

Ed.139 - Outubro e Novembro de 2017

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