Ir direto para menu de acessibilidade.

GTranslate

Portuguese English Spanish

Opções de acessibilidade

Início do conteúdo da página

“Payxão” em movimento

Publicado: Terça, 15 de Julho de 2025, 19h23 | Última atualização em Terça, 15 de Julho de 2025, 19h27 | Acessos: 16

Gestos, expressões e performances entre torcedores do Paysandu

imagem sem descrição.

Por Victoria Rodrigues | Foto: Alexandre de Moraes

O árbitro apita para iniciar a partida de futebol no Estádio Leônidas Sodré de Castro, os olhos do público estão todos voltados para dentro do campo, os jogadores começam a se movimentar pelo gramado, a torcida vibra, clama e canta junto o trecho mais conhecido do hino popular do time: “Uma listra branca, outra listra azul, essas são as cores do Papão da Curuzu”. De repente, a cantoria termina e a concentração ganha espaço. Já se passaram 45 minutos desde o segundo tempo, os torcedores voltam a atenção para o jogador camisa 10 da equipe, próximo da área adversária. É a chance do tudo ou nada. A glória de mais um título se aproxima. A bola toca na rede, o público vai à loucura e é gol do Paysandu!

Em Belém (PA), é comum cenários como esse acontecerem com frequência entre os torcedores fanáticos pelo Paysandu Sport Club, aqueles que vivem intensamente suas emoções dentro do campo. Com vistas a esse olhar futebolístico, a pesquisadora Lucienne Ellem Martins Coutinho desenvolveu um estudo com o propósito de analisar os corpos, os gestos e os movimentos da torcida bicolor nos jogos de futebol. A tese intitulada Corpos Alterados: gesto, performance e paixão entre torcedores do Paysandu teve como objetivo compreender o que move os bicolores com base em dois conceitos: o de “Comportamento Restaurado”, do professor de Estudos da Performance Richard Schechner; e o de “Torcida como Comunidade”, do antropólogo Roberto da Matta.

“Os gestos são figuras de ação e compõem a esfera simbólica das culturas transmitindo significado. É aquele movimento que vai ser impulsionado pelas sensações, pelo que o torcedor está sentindo e quer passar para o jogador. Na verdade, eu sempre digo que é uma troca. Não é à toa que, quando o time joga com a sua torcida, há um diferencial. Os gestos vão impulsionar dando a força, o estímulo e a confiança que o jogador precisa para fazer o gol”, explica Lucienne Coutinho.

Tratar futebol como arte é ideia pioneira no PPGArtes

O estudo sobre torcedores do Paysandu é pioneiro por trazer ao Programa de Pós-Graduação em Artes (PPGArtes/UFPA) uma pesquisadora mulher para tratar sobre futebol como arte. “A minha tese ajudou a abrir um universo que ainda não tinha sido discutido e que é tão salutar! Espero que esse olhar diferenciado e essa nova perspectiva artística alimente o interesse das pessoas por outros campos não explorados, mas tão ricos e presentes na nossa vida”, afirma a pesquisadora.

Lucienne Coutinho utilizou como referência o antropólogo Roberto da Matta para descrever o sentimento de torcida como uma comunidade que compartilha as emoções, seja a alegria da vitória, seja a tristeza após uma derrota. O diretor e pesquisador Renato Cohen também está presente na pesquisa para destacar que a reação dos torcedores é um movimento não ensaiado pelo público, mas, sim, improvisado com liberdade de criação. “Esse performer não ensaia a ação de praticá-la, ele age com base em suas emoções e em seus sentimentos”, relata a autora.

Estudante de Graduação em História, Luciana Silva é assídua nos jogos do Paysandu e detalha seu comportamento durante as partidas de futebol do seu time. “Eu costumo ficar em dúvida entre beber, criticar todos os bagres do elenco, chorar – no caso de um jogo muito importante ou uma vitória inesperada – ou cantar as músicas das torcidas organizadas. Além do jogo, cantar as músicas é a minha parte favorita. Sempre me arrepio e fico com a sensação de que o Paysandu é ‘a torcida’ quando cantamos: ‘Explode coração, na maior felicidade, é lindo o meu papão, contagiando e sacudindo essa cidade’ ou ‘Vamos pra cima papão, quero gritar campeão’. São músicas que o estádio todo canta e arrepia qualquer um”, explica a estudante.

RexPa: emoção fica à flor da pele em dia de clássico

Um dos maiores clássicos do futebol paraense ocorre com a disputa entre as equipes dos Clubes Remo e Paysandu. O famoso RexPa costuma movimentar milhares de pessoas na capital e permite que os torcedores experimentem emoções diferentes, já que o Clube do Remo é conhecido por ser o maior rival do time bicolor. “Nós sempre vamos querer ganhar. Não dá para comparar um RexPa com qualquer outro jogo. Esse clássico é uma paixão que colore a cidade em diferentes tons de azul”, conta Luciana.

Segundo a pesquisadora, apesar de trazer momentos felizes para dentro do campo, o RexPa também é um espaço em que “os fanáticos irracionais” manifestam gestos e performances violentas nas arquibancadas. “É como se fosse uma guerra entre as duas maiores torcidas de Belém. Elas se manifestam de qualquer forma, usam xingamentos com palavrões, expressões homofóbicas, além de gestos depreciativos contra as mulheres”, lamenta Lucienne Coutinho.

Como resultados do estudo, a pesquisadora observou que os torcedores apaixonados criam e recriam, a cada jogo, um novo corpo: um corpo alterado por novos sentimentos que possibilitam o surgimento de novos gestos e performances nos estádios e na vida cotidiana. Na arquibancada, esses corpos são vistos como iguais.  Independentemente de raça ou religião, eles se movimentam pela alegria, tristeza ou raiva durante a partida, sempre unidos pela vontade de vencer.

“Sou muito grata por ser Paysandu, por viver o clube na derrota, na vitória e no empate. Há alguns anos, assistir aos jogos do Paysandu era uma das poucas coisas que me deixavam feliz. ‘Dia de jogo, dia de lobo’, sempre vai ser um dia diferente. É mais do que um hobbie, é amor. Levo a sério a música ‘As cores do meu clube, defendo com vigor, na luta estamos juntos, com raça e amor’”, finaliza a torcedora Luciana Silva.

Sobre a pesquisa: A tese Corpos Alterados: gesto, performance e paixão entre torcedores do Paysandu foi defendida por Lucienne Ellem Martins Coutinho, em 2023, no Programa de Pós-Graduação em Artes (PPGArtes/ICA), da Universidade Federal do Pará, sob orientação da professora Giselle Guilhon Antunes Camargo.

Beira do Rio edição 175 - Junho, Julho e Agosto 

Fim do conteúdo da página