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Sabor, imagem e discurso

Publicado: Terça, 15 de Julho de 2025, 19h30 | Última atualização em Terça, 15 de Julho de 2025, 19h30 | Acessos: 40

A experiência do chocolate Filha do Combu 

imagem sem descrição.

Por Luan Cardoso | Fotos: Acervo pessoal

Quem experimenta os chocolates Filha do Combu dificilmente esquece. O sabor denso do cacau nativo, colhido às margens do rio Guamá, vem acompanhado de histórias de vida, ancestralidade e resistência. Foi esse conjunto de sensações e sentidos que inspirou a pesquisadora Giselle do Carmo Souza Moraes a desenvolver sua pesquisa de mestrado, defendida no Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Cultura e Amazônia (PPGCom/UFPA). Orientado pela professora Manuela do Corral Vieira, o estudo investiga como o consumo da marca Filha do Combu se torna mediador de experiências comunicacionais e identitárias das populações ribeirinhas da Amazônia.

“Em 2010, comecei a trabalhar em um restaurante na Ilha do Combu e, com esse convívio, entendi que aquele território era mais do que moradia ou renda: era uma forma de vida. O chocolate da Dona Nena despertou meu interesse pela potência de comunicação que ele carrega – uma experiência amazônica no sabor, na imagem e no discurso”, conta Giselle Moraes.

Criada por Izete Costa, a Dona Nena, a marca Filha do Combu surgiu da vontade de compartilhar um chocolate feito de modo artesanal, saudável e com ingredientes locais. “Ela sempre acreditou no produto, mesmo quando a família achava que não daria certo. Ela dizia: ‘As pessoas vão gostar’. E gostaram”, relata a pesquisadora. Ao longo dos anos, a marca expandiu e se tornou símbolo da produção sustentável e criativa da Ilha do Combu, reunindo o que há de mais autêntico na cultura amazônica.

Mas o diferencial vai além da receita: a marca comunica. Desde os rótulos até as experiências presenciais no local de produção, tudo é pensado para provocar os sentidos, despertar as emoções e criar vínculos com a floresta. De acordo com a autora, Dona Nena possui uma consciência ambiental que advém de saberes ancestrais e da sua relação com a ilha. “Ela é uma fonte inesgotável de conhecimento sobre a floresta e sobre como viver em harmonia com ela”, destaca Giselle.

Marca usa marketing de experiência como estratégia

A pesquisa utilizou métodos como observação participante, entrevistas, netnografia e análise de materiais digitais da marca para mapear como o chocolate do Combu comunica mais do que o sabor. “Durante a pesquisa, uma imagem me marcou: uma turista segurando o chocolate, com um ‘paredão’ verde ao fundo, tirando uma foto, como quem diz: ‘Eu também sou parte disso aqui’. Aquele chocolate vira status, vira símbolo de uma Amazônia desejada, que se consome com todos os sentidos”, afirma Giselle Moraes.

Esse desejo também é construído com estratégias de marketing de experiência que encantam pelo sensorial. Desde a travessia do porto – já filmada e compartilhada pela marca – até o contato com o cacau, as espécies nativas e o bioma local, tudo é pensado para criar uma vivência de consumo imaterial. Segundo a pesquisadora, por disputar espaço em um mercado bastante competitivo, a Filha do Combu aposta em diferenciais que moldam uma Amazônia que encanta e seduz o consumidor.

Se, no início, o chocolate parecia apenas um elo entre produtor e consumidor, a pesquisa mostra que ele vai além. Ele ativa sensações, desperta o afeto e a memória, e carrega a identidade ribeirinha. Ao longo das experiências proporcionadas pela marca, o visitante é envolvido por um recorte da vida da Dona Nena e de seus familiares. “É impossível sair de lá sem comprar ao menos um bombom”, brinca a pesquisadora ao relatar as experiências observadas em campo. O consumo deixa de ser apenas comercial e passa a carregar sentimento e pertencimento.

Região precisa se desprender da validação externa

Ao contar a história da marca e da mulher que a criou, a dissertação também traz à tona a necessidade de reconhecimento da potência dos povos e dos saberes tradicionais. Em tempos de discursos sobre a Amazônia, pensados de fora para dentro, Giselle do Carmo Souza Moraes defende a urgência de se desprender da validação externa: “Nós somos potentes e autênticos, temos uma floresta exuberante, além de tecnologia, cidade e movimento”.

A pesquisa mostra como a marca soube capitalizar essa força simbólica sem se desconectar de sua raiz ribeirinha, seja ao empregar moradores locais, ao associar os produtos à cultura da ilha, seja ao resgatar receitas da infância de Dona Nena. A empresa construiu uma narrativa poderosa, que gera valor emocional e social. O ponto de venda, mais do que um espaço comercial, tornou-se um território de “ambientabilidade”, onde pulsa uma Amazônia viva e coletiva.

Além de um estudo sobre uma marca, a dissertação de Giselle Moraes é uma afirmação política e afetiva sobre o poder de comunicar tendo por base a Amazônia. A autora reforça que os produtos da região podem – e devem – carregar identidade e história. “As pessoas estão cansadas das mesmas coisas. Elas querem autenticidade. E nós temos isso de sobra”, conclui.

Sobre a pesquisa: A dissertação As experiências comunicacionais e identitárias ribeirinhas amazônicas por meio do consumo do chocolate da marca Filha do Combu foi defendida por Giselle do Carmo Souza Moraes, em 2023, no Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Cultura e Amazônia (PPGCom/ILC), da Universidade Federal do Pará, sob orientação da professora Manuela do Corral Vieira.

Beira do Rio edição 175 - Junho, Julho e Agosto 

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