Ir direto para menu de acessibilidade.

GTranslate

Portuguese English Spanish

Opções de acessibilidade

Página inicial > 2021 > 158 - março, abril e maio > Exclusivo Online > Bullying: a culpa é da vítima
Início do conteúdo da página

Bullying: a culpa é da vítima

Publicado: Quarta, 12 de Maio de 2021, 17h03 | Última atualização em Quarta, 12 de Maio de 2021, 18h20 | Acessos: 2976

Essa é a principal justificativa para a violência nas escolas

imagem sem descrição.

Por Matheus Luz Foto Alexandre de Moraes 

A escola é um dos principais espaços formadores na vida de crianças e adolescentes e deveria ser um ambiente educacional seguro para os jovens. No entanto é possível perceber como é frequente, neste ambiente, a prática do bullying. Insultos pessoais, apelidos pejorativos, expressões preconceituosas, ataques físicos são alguns exemplos de atos violentos que caracterizam a prática.

No Brasil, desde 2016, a Lei N° 13.185 instituiu o Programa de Combate à Intimidação Sistemática, ou seja, o bullying. Com o objetivo de compreender o papel dos mecanismos de desengajamento moral e de caracterizar a predominância da violência no contexto escolar entre os estudantes, a delegada Ariane Lilian Lima dos Santos Melo Rodrigues desenvolveu a pesquisa Desengajamento Moral e a Prática do Bullying, defendida no Programa de Pós-Graduação em Segurança Pública (PPGSP/UFPA), com a orientação da professora Maély Ferreira Holanda Ramos.

A pesquisa utilizou a abordagem exploratória e descritiva do problema. Em seguida, foram coletadas informações por meio de um questionário de caracterização e informações sobre bullying, construído pelo Laboratório de Sistema de Informação e Georreferenciamento (Lasig) da UFPA. A pesquisadora analisou uma amostragem composta por 430 alunos dos ensinos fundamental e médio, com idades entre 11 (onze) e 18 (dezoito) anos, estudantes de escolas públicas da cidade de Belém.

A fase final do estudo foi desenvolvida por meio de uma entrevista coletiva, com um roteiro de 12 perguntas abertas. Nesta fase, participaram 10 alunos dos ensinos fundamental e médio, com idade entre 12 e 18 anos, sendo seis do sexo masculino e quatro do sexo feminino. A entrevista foi gravada e foram discutidos temas ligados ao bullying e ao desengajamento moral.

Atos de agressividade X desengajamento moral

A pesquisadora Ariane Rodrigues explica que o desengajamento moral é, sob uma perspectiva sociocognitiva, um estudo do comportamento humano que desvia do padrão moral social. “Essa teoria analisa o comportamento do homem que, mesmo fazendo uma autorreflexão de seus atos, age contrariando os padrões morais e éticos existentes no seu contexto social, envolvendo-se em atos de agressividade”, esclarece a autora.

Ariane Rodrigues desenvolve sua discussão com base na conceituação proposta pelo psicólogo Albert Bandura, cuja teoria foca na questão central de que uma pessoa pode ir contra a moralidade da sociedade e envolver-se em atos de agressividade, sem sentir culpa, pois utiliza mecanismos para se desengajar de sentimentos de pena ou remorso.

A autora destaca os oito mecanismos idealizados por Albert Bandura, que seriam caracterizados como as “desculpas” para os atos de agressividade. O primeiro mecanismo é a “Justificativa Moral”, quando uma pessoa justifica seus atos com base em princípios sociais que considera mais importantes, como os atos cruéis cometidos sob justificativas religiosas. O segundo é “Linguagem Eufemística”, caracterizado pela utilização de uma linguagem que visa amenizar e justificar violências, a exemplo de agressões verbais defendidas como “brincadeiras”.

O “Deslocamento de Responsabilidade” é o terceiro mecanismo e surge quando uma pessoa comete um ato de crueldade e responsabiliza um indivíduo superior que haveria determinado tal ato. O quarto mecanismo seria a “Comparação Vantajosa”, momento em que o agressor compara seu ato com algo mais grave para minimizar os efeitos de sua atitude. Já a “Difusão da Responsabilidade” acontece quando o indivíduo alega que só realizou determinada violência em virtude do encorajamento de outras pessoas.

A “Distorção das Consequências” ou “Desprezo” ocorre quando o agressor acredita que sua conduta não é maléfica, sendo apenas um ato comum, que não causa sofrimento a ninguém. Já a “Desumanização” é o estágio em que o indivíduo retira as características humanas de sua vítima e por isso acredita que determinada pessoa merece ser agredida. Por fim, a “Atribuição da culpa” se refere àquele agressor que ampara sua conduta maléfica em algum ato da vítima e alega que a violência somente foi cometida em razão de provocações.

Em sua análise, Ariane Rodrigues destacou que mais de 70% dos estudantes da amostra justificam os atos de agressividade por meio dos mecanismos de desengajamento moral. Além disso, também verificou que os mecanismos utilizados com maior frequência foram a “Atribuição da Culpa” e a “Difusão da Responsabilidade”. A autora também identificou que 37% dos estudantes já haviam se envolvido em situações de bullying, seja como vítima, seja como agressor, seja como testemunha.

Um dos objetivos da pesquisadora seria investigar, dentro das unidades policiais especializadas, as ocorrências envolvendo o bullying, no entanto a autora constatou a completa ausência de controle nos registros de ocorrências policiais relacionadas a esse tipo de violência nas escolas de Belém, já que os casos são registrados como “violência” de forma abrangente e não há um campo para especificar que se trata de bullying. Por isso a autora também sugere a construção de um sistema de informática e outros mecanismos que possibilitem a coleta e sistematização desses dados.

Alguns resultados

Foram entrevistados 430 alunos dos ensinos fundamental e médio

Faixa etária: de 11 (onze) a 18 (dezoito) anos.

Local: escolas públicas de Belém do Pará.

Mecanismo de desengajamento moral: “Distorção das consequências” teve mais de 70% de incidência.

 

“Você mentiria para tirar um parceiro seu de confusão com a diretoria?”

Sim: 66,94%. Não: 26,75%. Nenhuma das opções: 6,31%

Justificativa Moral: A maioria dos estudantes colocaria o valor “amizade” acima das regras da escola.

 

“Você acha que bater em colegas CDFs/tímidos pode ser apenas uma brincadeira?”

Não: 93,61%. Sim: 5,19%. Nenhuma das opções: 1,20%

Linguagem Eufemística: Os estudantes mostraram estar engajados moralmente ao saber que o ato não é correto e não amenizando com palavras.

 

“O adolescente deve ser culpado por chamar palavrões, se todos os amigos também chamam?”

Não: 60,16%. Sim: 34,03%. Nenhuma das opções: 5,81%

Deslocamento de responsabilidade: A maioria dos estudantes não considera que são culpados ao cometer ou repetir um ato ruim.

 

“Você já conheceu alguém tão insuportável e desprezível que nem merecia ser chamada de ser humano?”

Sim: 58,52%. Não: 37,27%. Nenhuma das opções: 4,21%

Desumanização: A maioria dos entrevistados já considerou alguém como desprezível ou insuportável ao ponto de desumanizá-los.

 

Você já contou pequenas mentiras porque você não viu nenhum mal no seu ato?”

Sim: 71,24%. Não: 23,85%. Nenhuma das opções: 4,91%

Distorção das consequências: Os estudantes já acreditaram que sua conduta errada não faria mal algum, considerando-a normal.

Beira do Rio edição 158

Adicionar comentário

Todos os comentários estão sujeitos à aprovação prévia


Código de segurança
Atualizar

Fim do conteúdo da página