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A quem interessa a crise?

Publicado: Quinta, 16 de Agosto de 2018, 13h33 | Última atualização em Quinta, 16 de Agosto de 2018, 18h53 | Acessos: 4136

Ao longo de sua história, a previdência sempre teve seus detratores

imagem sem descrição.

Por Renan Monteiro Foto Alexandre de Moraes

Lá nos anos 1920, Período Pós-Primeira Guerra Mundial, surgia no Brasil a Lei Elói Chaves. Destinada aos ferroviários, a lei é considerada o marco histórico da previdência social. Governos e décadas depois, foram surgindo diferentes leis e decretos, e outras categorias de trabalhadores foram enquadradas no sistema previdenciário, até a Constituição de 1988, que universalizou o sistema. O desenvolvimento dos direitos previdenciários, em síntese, ocorreu lentamente.

Na dissertação Trajetória da Previdência Social no Brasil: Construção e bloqueio da seguridade social a partir de 1988, Mariana Nascimento Oliveira faz uma análise histórica da trajetória da previdência e dos projetos de obstrução desse benefício, pois, apesar dos avanços gerados pelas políticas de cunho social, sobretudo a Previdência, a tese de inviabilidade econômica sempre acompanhou o desenvolvimento dessas políticas. A pesquisa de mestrado foi defendida no Programa de Pós-Graduação em Economia (PPGE/ICSA), orientada pelo professor José Raimundo Barreto Trindade.

“Meu principal objetivo com a pesquisa foi colocar em debate um lado que não é muito discutido: o lado heterodoxo do contexto da previdência social, pois vou contra essa ideia de que a crise previdenciária é urgente. Não nego a necessidade da reforma, mas esse alarde é falso e polêmico. Há uma tentativa de se aproveitar do Estado de exceção que estamos vivendo, para elaborar reformas antissociais com pouco debate e esclarecimento”, defende Mariana Oliveira.

A partir de 1950, na Europa e nos Estados Unidos, ocorreu o que alguns autores chamam de “Estado de Bem-Estar Social” (Welfare State) ou “anos dourados do capitalismo”. Após a Segunda Guerra Mundial, ocorreu um grande descontentamento popular com as condições sociais e de trabalho, estimulando a organização de sindicatos e manifestações e aumentando a pressão sobre os governos.

“Essa pressão social, associada às mudanças na ideologia econômica (Keynesiana), nos processos de produção (fordismo) e nas relações de trabalho (assalariada), caracteriza o período Pós-Guerra como um período de grande intervenção estatal, em que o Estado passa a se responsabilizar pela oferta de saúde, educação, previdência e assistência, ao mesmo tempo em que o novo modelo de produção acelerava os ganhos de capital e ampliava o nível de emprego e renda na economia”, destaca Mariana Oliveira.

De acordo com a pesquisa, nos Estados periféricos, inclusive o Brasil, o Bem-Estar Social chegou de forma atrasada. Em 1930, no Governo Vargas, algumas políticas foram desenvolvidas, porém com muitas limitações. Apenas com a promulgação de uma nova Constituição em 1988, conhecida como Constituição Cidadã, o país passa a experimentar um relativo Estado de Bem-Estar Social, por meio da criação do Sistema de Seguridade Social, abarcando a saúde pública, a previdência social e a assistência social como propostas de acesso universal e integral, que, em última instância, expressou a tentativa de corrigir a desigualdade social herdada da ditadura militar.

Garantia de redução da pobreza e inclusão social

A Seguridade Social (aposentadorias, pensões, seguros desemprego e acidente, e outros benefícios) foi tomando corpo nas últimas décadas não somente pela benevolência do Estado mas também pela forte resistência e insistência da classe trabalhadora, assim como de organizações sindicais e acadêmicas.

Um efeito muito importante da previdência social foi o seu funcionamento como um mecanismo de redução significativa da pobreza, de inclusão social e até de financiamento na produção de pequenas propriedades rurais. Conforme o Ministério do Desenvolvimento Agrícola (MDA), a agricultura familiar é responsável por mais de 70% dos alimentos consumidos no País, e a previdência, segundo a pesquisa, atua significativamente como um seguro agrícola, isto é, a agricultura familiar tem como fundo de financiamento a Previdência Social.

“A redistribuição de renda via Previdência Social não somente atende ao direito de um trabalhador incapacitado, seja por velhice, seja por problemas de saúde, de garantir sua reprodução social, mas também opera como um multiplicador de renda na economia, pois as aposentadorias e as pensões são gastas com consumo, fomentando a atividade econômica local”, acrescenta a pesquisadora.

De modo geral, desde a construção do Sistema de Seguridade Social, em 1988, existem manifestações de fragmentação e bloqueio da Seguridade Social. Para Mariana Oliveira, um exemplo atual é o recente projeto de reforma previdenciária (PEC 287/2016), que, em última instância, pressupõe o aumento da desigualdade social e da pobreza e um modelo de trabalho precário, caracterizado pelo aumento da exploração da força de trabalho.

Para Mariana de Oliveira, reduzir as políticas sociais no Brasil significa, de certo modo, ampliar o papel da iniciativa privada nas áreas da educação, saúde e previdência, criando novos mercados e ampliando o território de expansão do capital. Nesse sentido, a pesquisadora parte da concepção da previdência pública como um sistema baseado na solidariedade. “Se a existência de um sistema de previdência social é negada, o que resta é a previdência privada, desconsiderando todas as fragilidades e as desigualdades sociais de uma economia periférica. Quem não tem condições de contribuir está sujeito à miséria e ao abandono. Abre-se mão do Estado Solidário em prol de uma economia individualista”, avalia.

Pesquisadora aponta o “falso discurso” do deficit

O saldo previdenciário é contabilizado pela diferença do que é arrecadado com as contribuições e o que é gasto com benefícios e, de modo geral, esse resultado tem gerado saldos negativos, indicando um “rombo” nas contas da Previdência Social. Na verdade, segundo a pesquisadora, o deficit se baseia em cálculos parciais, que não cumprem os ditames da Constituição Federal de 1988.

Conforme apresenta o art.195 da Constituição Federal de 1988, além das contribuições previdenciárias, existem outros recursos na formação do orçamento da Seguridade, como a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), a Contribuição Provisória sobre Movimentação (CPMF), a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), além das receitas de concursos e prognósticos.

Na pesquisa, foi destacado que, por meio de cálculos que seguem essas recomendações da Constituição, constatou-se que o Sistema de Previdência e de Seguridade foram superavitários até o ano de 2015, contrariando o insistente discurso de deficit. Os cálculos indicando o superavit são da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP), divulgados em 2015.

Outro elemento que funciona como fragmentador do sistema de seguridade brasileiro é a Desvinculação de Recursos da União (DRU). Iniciada no governo de Fernando Henrique Cardoso, essa norma permitiu a retirada de 20% na época (30% no governo atual) do orçamento da Seguridade Social. No ano de 2014, por exemplo, foram desvinculados R$ 63,2 bilhões da seguridade por meio da DRU. Além disso, a isenção fiscal e a sonegação também são elementos que contribuem para a redução do orçamento social.

Um ponto conclusivo na pesquisa foi observar que o fato de a Seguridade Social ter um grande orçamento desperta o interesse dos setores financeiros privados, justificando as inúmeras tentativas de reformas na Seguridade Social para reduzir a importância das políticas públicas no plano econômico brasileiro.
Para a autora da pesquisa, em contramão a esse processo, há espaço para trabalhar com medidas que “aumentem a produtividade e valorizem a formalização do trabalho, visto que o crescimento do emprego formal implica o consequente aumento do número de contribuintes para o financiamento da Previdência Social, e os custos previdenciários se reduzem conforme a economia cresce e se desenvolve”.

Ed.144 - Agosto e Setembro de 2018

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Trajetória da Previdência Social no Brasil: Construção e bloqueio da seguridade social a partir de 1988

Autora: Mariana Nascimento Oliveira

Orientador: José Raimundo Barreto Trindade.

Programa de Pós-Graduação em Economia (PPGE/ICSA)

Comentários  

0 #1 Ivanilde 07-09-2018 18:22
Parabéns
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