Opinião
Drag o quê? As ‘Themonhas’ da cena político-cultural de Belém
Por Emanuele Corrêa Foto Acervo pessoal
“Drag o quê? Sociabilidades, resistências e comunicação no Movimento das Themonhas no NoiteSuja, em Belém” foi o tema da minha dissertação de mestrado, defendida em junho de 2020, que, mais recentemente, foi indicada ao Prêmio Compós “Eduardo Peñuela”.
Refiro-me à cena Drag mais contemporânea de Belém, como Drag Themonhas, com essa grafia - ou com todas estas outras - e significado: Demonhas / Demonias / Demônias/ Themonhas / Themonias / Themônias: é como os / as integrantes do Movimento NoiteSuja das Demonhas se chamam, é como se reconhecem como seres performáticos. Drag Demonha faz parte da experiência de ser Drag na Amazônia, é um conceito específico, que vai além do estético, pois há diversas Demonhas, que são Drags: sereias, bruxas, vampiras, feitas de lixos, demoníacas e tantas outras afetações de corpos. Até para elas, esse conceito está aberto e em construção. Mas o que se pode destacar como característica principal é que elas são entidades performativas e uma construção coletiva. (CORRÊA, 2018)
O Movimento das Drags Themonhas e o Movimento NoiteSuja são compostos, predominantemente, por membros da comunidade LGBTQIA+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Travestis, Queers, Intersexos, Assexuados, não binários e outras identidades de gênero e sexualidades). Todos e todas os/as participantes são indivíduos diferentes, mas, em maior ou menor grau, sofrem o preconceito em comum a essa comunidade.
Lembre-se de que, só no ano de 2019, um total de 329 LGBT+ tiveram morte violenta no Brasil, vítimas da homotransfobia. Segundo o Grupo Gay da Bahia (GGB), foram 297 homicídios (90,3%) e 32 suicídios (9,7%). Os números são menores que os dos anos de 2018 e 2017, mas ainda são expressivos, pois indicam que, a cada 26 horas, um LGBTIA+ é assassinado ou suicida-se, vítima da LGBTfobia no país.
Esses dados reforçam o que agências internacionais de Direitos Humanos denunciam: o Brasil mata mais LGBTIA+ que os “13 países do Oriente e África, onde persiste a pena de morte contra tal segmento. Mais da metade dos LGBT assassinados no mundo ocorrem no Brasil (WAR’EHAM, 2020)”.
A LGBTIfobia, as opressões, os enfrentamentos e os desafios diários de sobrevivência que surgem desde o âmbito familiar até o institucional são o centro pelo qual festas Drag da cena político-cultural se transformam em articulações por direitos, em construções e fortalecimentos de laços, em afinidades que se associam e unem sujeitos em suas vivências de comunicação, militância, reinvenção e existência.
Hoje, o fazer Drag é realizado por pessoas que utilizam das performances masculinas ou femininas exageradas, para fazer arte. Não só isso, ainda há o conceito do Drag Queer, que deseja ser estranho e subverter a lógica da binaridade de gênero. É nesse conceito que as Demonhas se encaixam, mas elas mesmas já são uma categoria nova de Drag, uma categoria amazônica, que surgiu no contexto do NoiteSuja e que está sendo criada, reinventada e produzida no Norte do país, na região amazônica, com traços da cultura regional, seja nas músicas a serem performadas/dubladas, seja nas maquiagens, nos tecidos, nas narrativas construídas. Acontece uma retroalimentação, por meio das sociabilidades (SIMMEL, 2006).
As Demonhas articulam seus corpos numa tentativa de serem corpos não inteligíveis, de causar dúvida, estranhamento e incômodo à sociedade heteropatriarcal (BELIZÁRIO, 2016; PRECIADO, 2014). Para as Demonhas, muito mais que os marcadores sociais inscritos nos seus corpos, são suas entidades performativas que existem como matéria. Quando estão em Drag, não são homens nem mulheres, nem pessoas não binárias ou transexuais, são Demonhas, mas ainda carregam sua essência como indivíduos, esses marcadores sociais inteligíveis em seus corpos.
Demônia hoje pode ser uma categoria, um grupo, o movimento, uma estética, existem tantas formas de determinar quanto existirão de negar. O que não se pode negar é a relação da Demônia com as pessoas, com o afeto, com o método de perceber o mundo, seja politicamente, esteticamente, seja na forma de se relacionar com as pessoas. Demônia é sobre como tudo atravessa um corpo e sobre que filtros socialmente demonizantes vão ser responsáveis pelo resultado. É coletivo, é político, é afeto. (BENTES, 2019, p. 81)
O corpo das Demonhas é um território que se reinventa, produz novas configurações no espaço, em rizoma, territorializa-se e desterritorializa-se (GUATTARI; ROLNIK, 1996; HAESBAERT; BRUCE, 2002). São corpos-urbanos (BRITTO; JACQUES, 2009) ligados às experiências e performances. São corpos ciborgues (HARAWAY, 2009) não inteligíveis que causam incômodo nas regras determinadas pela sociedade heteropatriarcal.
Emanuele Corrêa – mestra em Comunicação, Cultura e Amazônia (PPGCom/UFPA), pesquisadora, atriz e produtora cultural. A dissertação teve orientação da profa. Manuela do Corral Vieira Vieira e este artigo foi revisado pela profa. Rosane Steinbrenner. E-mail: emanuele.correa.8@gmail.com
Beira do Rio edição 159
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