Identidade, cultura e resistência
Dissertação analisa impactos dos cordões juninos em Abaetetuba
Por Antonia Ribeiro Foto Acervo da Pesquisa
As festas juninas carregam um conjunto de tradições que encantam e divertem quem delas participa. Seja pelas cores, seja pelas brincadeiras, seja pelas comidas típicas do período, os arraiais marcam a memória de gerações, principalmente em áreas interioranas. Contudo essas festas também podem tratar de assuntos de cunho social, informando e conscientizando seus participantes, como mostra a dissertação de Marléa de Nazaré Sobrinho Costa, intitulada Os Cordões Juninos como prática de intervenção social dos Centros de Referência da Assistência Social -CRAS nos Territórios de Abaetetuba.
O estudo, orientado pelo professor Augusto Nascimento Sarmento-Pantoja, foi apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Cidades: Territórios e Identidades, pertencente à Universidade Federal do Pará (PPGCITI/ UFPA), no Campus universitário de Abaetetuba.
A dissertação, escrita com uma abordagem qualitativa, teve o objetivo de analisar o Festival de Cordões Juninos realizado no município de Abaetetuba e compreender os impactos socioformativos nos usuários da Política de Assistência Social, destacando não só a realização do evento, mas também os seus resultados. Para o estudo, foram analisados três cordões durante a última versão do festival, em 2016.
Segundo a pesquisadora, o levantamento de dados foi realizado por meio de pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e entrevistas semiestruturadas. “É importante observar que, embora na pesquisa de campo o objeto de interesse tenha sido abordado em seu meio ambiente, para a dissertação, o objeto foi analisado fora do contexto de realização do festival”, destaca a autora.
Em comum, a carência dos bairros de origem
O primeiro cordão junino a ser analisado foi o Cordão Boi Pingo de Ouro, pertencente ao Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) São Sebastião. Após a crescente migração de indivíduos, a ocupação indevida de loteamentos e a precariedade de serviços públicos no bairro São Sebastião, surgiram muitos problemas sociais. Um dos principais foi o alto índice de violência, diagnosticado por diversos levantamentos da Secretaria Municipal de Assistência Social.
O segundo cordão foi o do Boi Pai do Campo Ribeirinho, pertencente ao CRAS Angélica, localizado no bairro São Domingos da Angélica. A escolha desse cordão ocorreu por ele ser realizado pelos moradores da região das ilhas. Essa população possui uma diversidade identitária e uma relação muito próxima com rios e matas, além de residir em áreas de difícil acesso e quase nenhuma estrutura de serviços públicos. Uma das características desse cordão é a personificação do boi, que morre e depois é ressuscitado, representando a resistência diante de uma sociedade acostumada a reproduzir hierarquias de mandos.
O terceiro analisado foi o Cordão da Arraia, pertencente ao CRAS Beja, localizado na Vila de Beja. Esta vila, após se destacar como atração turística da região, passou a sofrer com muitos problemas sociais, o que levou à instalação de um CRAS no território. O Cordão da Arraia se caracteriza por trazer em sua composição a personificação do boto, lenda amazônica de um rapaz que seduz e engravida as moças nas festas.
Segundo a pesquisadora, “nos territórios das águas, como é chamada a região das ilhas de Abaetetuba, ainda se utiliza a lenda do boto para justificar a gravidez na adolescência, o adultério, o estupro, a pedofilia e o incesto, cenas cotidianas de subjugação da mulher ribeirinha às mais diversas formas de violência”.
O Festival de Cordões Juninos possui uma dimensão socioeconômica ao criar possibilidades de autonomia financeira aos usuários dos CRAS. Além disso, o festival contribuiu para o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários intergeracionais, para a reconstrução da memória coletiva, para a reafirmação da identidade e para o enfrentamento das violações de direitos nos territórios de Abaetetuba. “Utilizar uma manifestação cultural, que se encontrava esquecida, como prática motivadora de intervenção social foi um desafio. Esse pode ser um caminho fecundo de se trabalhar cultura, imaginário e consciência”, avalia Marléa Sobrinho.
Beira do Rio edição 163
Redes Sociais