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Estudo analisa arquitetura do sistema penitenciário

Publicado: Segunda, 28 de Maio de 2018, 18h33 | Última atualização em Terça, 29 de Maio de 2018, 15h12 | Acessos: 2721

Maioria dos projetos não visa à humanização e à ressocialização  

Por Nicole França Fotos Acervo da Pesquisa

Os problemas enfrentados pelo sistema penitenciário brasileiro não são uma novidade. Apesar da existência de recursos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, as Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros e até mesmo a Lei de Execução Penal, em muitos estabelecimentos penais, as necessidades básicas dos presidiários não são atendidas, sendo preciso lidar com obstáculos relacionados à precariedade do ambiente penitenciário (disseminação de doenças, falta de higiene e superlotação).

Tal temática foi abordada por Ari Tomaz da Silva Filho, em sua dissertação Projeto de Arquitetura: estudo do Sistema Penitenciário Brasileiro Público e de Cogestão (público e organização sem fins lucrativos), defendida no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU/ITEC), sob orientação da professora Ana Kláudia de Almeida Viana Perdigão. Com um olhar voltado para a arquitetura, o pesquisador quis conhecer mais o sistema penitenciário e a realidade dos detentos, estudando a forma como eles visualizam o espaço de encarceramento e as modificações feitas por eles nesse espaço. Além disso, a pesquisa buscou caracterizar os tipos de presídios com base em um contexto histórico, analisando como eles surgiram e de que maneira isso reflete em sua tipologia ao longo do tempo.

Para a realização da pesquisa, Ari Tomaz Filho visitou 14 estabelecimentos penitenciários pertencentes ao sistema público e de cogestão, sendo 12 em Belém e dois em Minas Gerais. No entanto apenas cinco foram selecionados para um estudo mais completo. Os estabelecimentos analisados que constituem o sistema penal público foram: Central de Triagem da Marambaia (CTMAB), Centro de Recuperação do Coqueiro (CRC) e Centro de Recuperação Penitenciário do Pará 01 (CRPP1). Todos localizados em Belém. Pelo método de cogestão, foram analisados: Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (APAC) de Itaúna e APAC de Santa Luzia, ambos em Minas Gerais.

“As visitas aos estabelecimentos serviram como base para a minha pesquisa. Nessas visitas, eu busquei caracterizar toda a tipologia da arquitetura desses presídios, coletei dados sobre a implantação, observei os aspectos arquitetônicos, como o espaçamento dos muros, a disposição de cada pavilhão, os dados das celas, entre outros. Também coletei dados sobre a população carcerária, com a aplicação de questionários”, explica Ari Tomaz Filho.

Sistema de cogestão tem estrutura mais humanizada

Na dissertação, o pesquisador também buscou descrever as principais diferenças entre gestão pública, gestão privada e cogestão, sendo o método Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (APAC) analisado como de cogestão. Fundada em 1972, pelo advogado Mário Ottoboni, a APAC é uma organização não governamental, que, com  o apoio do Estado, gerencia alguns estabelecimentos penais, tendo como principal objetivo a recuperação e a ressocialização do presidiário, baseado em uma maior valorização do ser humano.

“Dentro da associação, existem algumas diferenças, o detento tem que realmente querer ir para lá. Na APAC, eles não são chamados de presos, e sim, de recuperandos. Não possuem um número, como é possível se observar no sistema comum. Os recuperandos são chamados pelo seu nome. Na associação, os recuperandos têm obrigações, como manter suas celas limpas e respeitar o seu horário de trabalho. Então, em minhas visitas, pude constatar que a APAC possui uma estrutura para humanizar e reestabelecer a ligação com o exterior para que ele saia socializado”, analisa Ari Tomaz Filho.

No entanto, apesar de a APAC apresentar uma boa metodologia e bons resultados, o pesquisador verificou que, assim como no sistema penitenciário público, o método possui suas deficiências. A pesquisa desmistificou o método APAC como uma fórmula mágica a ser implantada, mesmo porque esse modelo adota um processo de triagem e nem todos os presos são aceitos nesses estabelecimentos.

Presidiários são expostos a distâncias íntimas com desconhecidos 

Para Ari Tomaz Filho, um espaço humanizado é essencial para a ressocialização do preso. Esse espaço seria um local adaptado para o ser humano exercer suas atividades, apresentando condições dignas para o cumprimento de sua pena. “Na dissertação, faço uma discussão sobre alguns critérios de humanização, como o conforto, a iluminação, além da distância natural que uma pessoa mantém da outra. Dependendo do nível de interação entre as pessoas, essas distâncias podem ser divididas entre pública, social, pessoal e íntima. Então, em muitos casos, os presidiários são expostos a distâncias íntimas com pessoas desconhecidas. Dessa forma, é imprescindível que a arquitetura leve em consideração tais critérios para criação de um espaço humanizado, no qual o direito de cada detento seja respeitado”, afirma o arquiteto.

Para a criação de espaços dignos, existe o suporte de legislações, como as Diretrizes Básicas para Construção e Reforma de Estabelecimentos Penais. De acordo com Ari Tomaz Filho, essa legislação leva em conta inúmeros critérios, entre eles a área e as três dimensões da cela, a segurança, os acessos, a infraestrutura e a quantidade de presos em cada cela. Essa legislação conta com um programa de necessidades já pré-estabelecido.

“Em relação ao projeto arquitetônico, as Diretrizes Básicas para Construção e Reforma de Estabelecimentos Penais é uma cartilha completa e a principal para quem quer fazer um projeto de arquitetura penal. Se o sistema penitenciário respeitasse a legislação existente, ele não se encontraria no estado em que está. Algumas penitenciárias chegam bem próximo de obter um espaço mais humano, como a APAC, mas a grande maioria não”, explica o pesquisador. 

O pesquisador ainda relata que, durante a elaboração do trabalho, chegou a visitar estabelecimentos em Belém que não tinham sequer sanitário, apenas um buraco, no qual era necessário colocar uma garrafa PET para evitar a entrada de animais indesejáveis. Além do caso das centrais de triagem (estabelecimentos em que os presos são alocados de forma provisória), que sofrem com uma superlotação, sem a garantia de privacidade. Uma cela pequena chega a comportar entre 12 e 16 pessoas.

Em sua pesquisa, Ari Tomaz Filho constata que, apesar da arquitetura contribuir para a criação de um espaço penitenciário habitável, ela não é suficiente para solucionar os problemas existentes no espaço penal, pois é necessário um esforço conjunto de profissionais de diversas áreas do conhecimento e dos órgãos encarregados de gerir e fiscalizar a estrutura do sistema penitenciário.

 Ed.143 - Junho e Julho de 2018

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Projeto de Arquitetura: estudo do Sistema Penitenciário Brasileiro Público e de Cogestão (público e organização sem fins lucrativos)

Autor: Ari Tomaz da Silva Filho

Orientadora: Ana Kláudia de Almeida Viana Perdigão

Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU/ITEC)

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