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O ensino da Matemática no meio rural

Publicado: Quarta, 05 de Setembro de 2018, 17h07 | Última atualização em Quarta, 05 de Setembro de 2018, 17h11 | Acessos: 4009

Pesquisador propõe conexão entre os saberes locais e o oficial

imagem sem descrição.

Por Nicole França Foto Acervo do Pesquisador

Nos assentamentos rurais, os trabalhadores recebem lotes e responsabilizam-se pela exploração da terra para o seu próprio sustento, valendo-se apenas da mão de obra familiar. Segundo dados levantados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra/2014), existem 9.256 assentamentos em todo o país. Baseado nesses dados, o pesquisador Filardes de Jesus Freitas da Silva elaborou a tese Do campo para sala de aula: experiências matemáticas em um assentamento rural no oeste maranhense, orientada pelo professor Iran Abreu Mendes e defendida no Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática (PPGECM/IEMCI).

Em sua pesquisa, Filardes de Jesus Freitas da Silva teve como objetivo verificar de que forma as práticas socioculturais são desenvolvidas em um assentamento rural e analisar os tipos de matematizações apresentadas pelas ações individuais e coletivas que possibilitam conexões com o saber escolar de modo a viabilizar uma educação matemática do campo. Além disso, o pesquisador buscou identificar práticas matemáticas decorrentes do cotidiano do assentamento, originadas da procura de soluções para problemas de sobrevivência da comunidade, bem como analisar esses problemas e as práticas identificados para a geração dos conteúdos de Matemática a serem tratados pedagógica, didática e conceitualmente no ensino fundamental.

A metodologia utilizada buscou significados associados às experiências matemáticas desenvolvidas pelos assentados, ou seja, compreender a sua forma de “matematizar” nas mais variadas situações que constituem o contexto do grupo. Para isso, foram coletados depoimentos, realizadas entrevistas e observações durante a pesquisa de campo.

Filardes Freitas destaca que três princípios foram essenciais para a construção da base da pesquisa. “O primeiro princípio foi o da Etnomatemática analisada sob o viés da conexão entre os saberes das práticas socioculturais (experiências matemáticas) dos trabalhadores do assentamento e o saber escolar. O segundo princípio está relacionado à fundamentação teórica que possibilitou o diálogo entre esses saberes. O terceiro princípio foi a ação pedagógica alicerçada nas experiências matemáticas dos assentados, tendo desdobramento uma proposta pedagógica para o ensino de Matemática na escola do assentamento, por meio de temas geradores e problematizações”, explica  o autor.

Matematização implica sistematizar, calcular, conceituar e esquematizar

De acordo com Filardes Freitas, a expressão “matematização” refere-se ao ato de sistematizar, calcular, computar, conceituar e esquematizar, ao qual os trabalhadores e trabalhadoras do assentamento recorrem para representar a sua realidade e as suas práticas socioculturais com significados matemáticos. Já o termo “práticas socioculturais” representa as ações coletivas e individuais dos assentados, conectadas a diferentes tipos de atividades mobilizadoras de valores, competência, habilidades e memória emergidas pela forma de ler, interpretar, calcular e explicar fatos de sua realidade.

 Com essa fundamentação, o estudo buscou integrar os conhecimentos já existentes entre os trabalhadores e os conhecimentos matemáticos desenvolvidos no sistema oficial de ensino em uma escola do campo, de ensino fundamental.

Para realizar a análise, Filardes Freitas fez convites individualizados para a participação na pesquisa, com elementos pré-definidos, como ser residente desde o início do assentamento, ser produtor rural e possuir posição de liderança no assentamento. Em relação aos professores, os elementos foram: ser residente na comunidade, ser concursado, ter sua identidade relacionada ao meio rural.

 Além disso, o princípio da etnomatemática foi uma das principais bases utilizadas para o desenvolvimento da pesquisa. Baseado nas ideias de Ubiratan D’Ambrosio, Filardes Freitas explica que a etnomatemática é um programa que visa explicar os processos de geração, organização e transmissão de conhecimento em diversos sistemas culturais e as forças interativas que agem entre os três processos. “Nessa perspectiva, a etnomatemática possibilitou ao estudo uma investigação pautada nas experiências matemáticas produzidas por meio das técnicas de explicar, conhecer e entender a realidade do campo”, declara.

Dessa forma, a etnomatemática busca compreender as formas de “matematizar” que sobrevivem ao tempo, em diversas comunidades. Essas “matematizações”, em muitos casos, apresentam diálogos com a matemática escolar e ocorrem na maioria dos assentamentos rurais. Sendo assim, este princípio matemático é visto como um campo de pesquisa potencializador para o reconhecimento das racionalizações resultantes das práticas socioculturais. Sua importância perpassa o surgimento de um campo investigativo capaz de compreender as diversas formas de “matematizar” dos diferentes povos e nações.

Os novos horizontes gerados pela educação do campo

Filardes Freitas explica que a educação do campo tem-se caracterizado por apresentar novos horizontes para as populações do campo, com um novo modelo que busca valorizar os sujeitos nas suas práticas e saberes. “Ela busca uma educação dos sujeitos, com uma pedagogia delineada na valorização da identidade e da autoestima do camponês, ao fortalecer seus valores, sua memória e suas práticas. A educação do campo tem avançado e materializado algumas práticas, por meio das mobilizações dos sujeitos camponeses e dos movimentos sociais que defendem a causa. Entre os princípios defendidos, podemos destacar o da educação como direito e o da vinculação dos conteúdos à realidade dos educandos”, esclareceu o pesquisador.

Para Filardes Freitas, a realidade ambiental que impera no sistema educacional é um sistema muito mais preocupado em cumprir um currículo fragmentado e desconectado do contexto, e quanto mais distante dos grandes centros urbanos é a escola, mais desconfigurado se torna o processo de diálogo entre os saberes.

“Descortinar o atual processo de ensino em escolas do campo, de modo a atender às necessidades, aos anseios e aos sonhos dos sujeitos que vivem no campo, tem sido um dos grandes desafios do processo educacional. Em relação às populações radicadas no campo, observa-se que os processos de ensino e de aprendizagem têm-se caracterizado por elementos urbanizados, ou seja, toda a sistemática aplicada em uma escola urbana é reproduzida nas escolas do campo, desconsiderando os elementos históricos, sociais e culturais emergidos no campo”, acrescentou.

Com base nisso, a pesquisa buscou elaborar uma proposta pedagógica para o ensino da Matemática em escolas de assentamento rural. A proposta foi elaborada com a participação da comunidade, incluindo professores e trabalhadores.

“Na tese, destaco que é possível conectar os saberes “matematizantes” da comunidade aos conteúdos de matemática escolar, uma vez que a pesquisa possibilita importantes elementos para o professor formador e também para os professores em formação inicial que atuarão em comunidades rurais”, concluiu Filardes Freitas.

Ed.144 - Agosto e Setembro de 2018

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