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“Torcida, substantivo feminino”

Escrito por Beira do Rio | Publicado: Terça, 29 de Setembro de 2020, 22h30 | Última atualização em Quarta, 30 de Setembro de 2020, 20h48 | Acessos: 2580

Gênero e performance no clássico mais disputado do mundo

No Pará, ainda não existem torcidas declaradamente feministas, mas torcedoras de Remo e Paysandu já protagonizaram manifestações em defesa das mulheres e contra o assédio sexual.
imagem sem descrição.

Por Adrielly Araújo Fotos Acervo da Pesquisa

O Clube do Remo e o Paysandu Sport Club, principais times da capital paraense, protagonizam uma rivalidade histórica. Um fenômeno sociocultural que mobiliza paixões, promove sociabilidade e já faz parte do imaginário paraense. As duas torcidas, juntas, somam mais de um milhão de torcedores, de acordo com pesquisa realizada pela Pluri Consultoria, em 2018. O RexPa, como é conhecido o jogo entre os dois times, é o clássico mais disputado do mundo. Até fevereiro de 2020, foram 752 jogos.

No Brasil, a história das mulheres no futebol e nas arquibancadas é marcada por invisibilidade e opressão. No que se refere à cultura de torcida, por muito tempo, a ida ao estádio não era aconselhável para mulheres, principalmente se elas estivessem desacompanhadas. Hoje, as mulheres formam grande parte do público que frequenta os estádios de futebol.

Atualmente existem torcidas e coletivos formados exclusivamente por mulheres, assim como departamentos femininos dentro das torcidas tradicionais. Diferentemente de outros estados, no Pará, ainda não existem torcidas feministas, mas as torcedoras de Remo e Paysandu já protagonizaram diversas manifestações em defesa das mulheres, entre elas, o fim do assédio e da violência de gênero e a afirmação daquele espaço como um lugar que também é delas.

Esses são alguns dos resultados apresentados na dissertação Torcida, substantivo feminino: interações e relações de gênero nas torcidas do clássico Remo x Paysandu, defendida pela jornalista Mayra Leal do Nascimento no Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia (PPGCom/ILC).

A pesquisa, orientada pela professora Rosaly de Seixas Brito, analisou de que forma as relações de gênero estão presentes nas interações construídas por torcedoras dos times Remo e Paysandu e como essas relações se manifestam nas práticas do torcer e nas performances das torcidas durante o clássico paraense, o RexPa.

Para o estudo, foram utilizadas como métodos a observação participante nas duas torcidas durante todos os RexPa realizados em 2018 e 2019 e a realização de entrevistas qualitativas com oito torcedoras, quatro do Remo e quatro do Paysandu, frequentadoras assíduas do estádio.

Hegemonia masculina está dentro e fora de campo

De acordo com a pesquisa, o futebol brasileiro tem sua construção social atrelada à hegemonia masculina, que instituiu padrões culturais e relações de gênero tanto no campo como nas arquibancadas. Esses padrões que marcam a história do futebol estão presentes na sociedade de forma geral.

Assim, para Mayra Leal do Nascimento, refletir sobre a condição e o lugar das mulheres no futebol é refletir sobre a luta das mulheres por igualdade de gênero em diversos setores. “Atualmente estamos acompanhando no Brasil manifestações a favor da democracia, e encabeçando esses protestos estão as torcidas de futebol. Esse é um exemplo da força que esse esporte e as relações sociais construídas por meio dele têm no nosso país”, observa.

Além da análise das relações de gênero nas arquibancadas, a pesquisa faz um levantamento da história do clássico RexPa, evento tão importante no estado e na região, analisando rituais e outros aspectos culturais das torcidas.

Segundo a dissertação, as questões de gênero estão presentes nas mais diversas interações construídas na prática do torcer. Faz parte das trajetórias individuais das torcedoras a necessidade de se adequarem a uma performatividade (comportamento) masculina dominante, ao mesmo tempo em que constroem estratégias para demarcar seu lugar como mulher torcedora de futebol.

As relações entre gêneros normativos se manifestam por meio de silenciamentos e pela necessidade constante de afirmação do lugar da mulher naquele espaço, de expressões de masculinidades e da homofobia. “É preciso ressaltar aqui que nem todos os rituais de torcida são pautados por questões de gênero, mas os que são trazem consigo essas opressões que categorizam e diminuem o gênero feminino e tornam abjetas as identidades que fogem de um padrão dominante”, explica a pesquisadora.

Os exemplos de opressão que diminuem o gênero feminino mais percebidos pela autora estão nas relações entre torcidas rivais, em que as questões mais evidentes são a homofobia e o sexismo. O rival torna-se aquilo que o padrão hegemônico de gênero e sexualidade impõe como inferior ou errado, não sendo à toa que os xingamentos que mais se ouvem nas arquibancadas entre rivais são “viadinho”, “bicha”, “mocinha” e outros termos ligados ao feminino e à homossexualidade.

Estádios: estrutura não atende a todos os públicos 

Além dos problemas de interação de gênero, suas normas e seus comportamentos, as mulheres ainda enfrentam situações estruturais complicadas no estádio de futebol, que parece não ter sido pensado para acolher todos os públicos.

A torcedora do Remo Débora Silva faz parte da torcida organizada Pavilhão 6, mora em Marituba e tem interesse por futebol desde criança, quando jogava na escola. “É inadmissível que um estádio com a história do Mangueirão tenha apenas um banheiro feminino funcionando em cada lado do estádio e não tenha um fraldário. Não podemos falar de um futebol para todos se não conseguem criar o mínimo de estrutura para agregar todas as pessoas”, desabafa a torcedora.

A segurança pessoal das mulheres que frequentam o estádio também é problemática. Victoria de Oliveira é animadora de torcida e faz parte da torcida organizada Lobos do Esquadrão, do time do Paysandu. Ela conta já ter sido assediada no estádio por um técnico de um time de base do interior do estado. “Quando aconteceu essa situação, outras meninas estavam comigo e também foram assediadas por ele”, revela.

Outra questão levantada é sobre a roupa com que as mulheres se sentem mais à vontade para ir ao estádio e se isso é uma preocupação. “Apesar de já ter passado por assédio, vou com a roupa que acho melhor. Nós não podemos nos limitar porque o outro, além de não respeitar nosso espaço, não respeita nosso corpo. Quem tem que mudar são eles, não nós”, finaliza.

Apesar dos relatos, Victoria de Oliveira e Débora Silva sentem-se seguras no estádio. “A mulher estar conquistando mais espaço faz me sentir à vontade para falar sobre futebol com qualquer pessoa, dos meus amigos até um desconhecido que esteja ao meu lado no estádio. Tem alguns engraçadinhos às vezes, mas é um em 1.000”, afirma Victoria.

Entre as soluções sugeridas pelas entrevistadas para melhorar o convívio entre homens e mulheres nos estádios de futebol, está a implantação de uma Delegacia da Mulher em dia de jogos e a criação de uma estrutura para todos os públicos que já frequentam esse espaço.

Ed.156 - Set/Out/Nov de 2020

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