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Luta e resistência no quilombo de Santa Rita de Barreira

Publicado: Quinta, 28 de Janeiro de 2021, 15h53 | Última atualização em Quinta, 28 de Janeiro de 2021, 19h00 | Acessos: 4305

Mulheres estão à frente do trabalho doméstico e agrícola, da pesca e da medicina tradicional

imagem sem descrição.

Por Gabriel Mansur, com edição de Rosyane Rodrigues Fotos Acervo da pesquisa

A identidade cultural brasileira é formada por grupos que coexistiam no território brasileiro desde antes da Colonização. Inúmeras relações de dominação, cooperação e resistência se deram durante séculos. Os quilombos estão entre os exemplos de resistência. Nos dias de hoje, diversas comunidades remanescentes de quilombo reivindicam o direito a sua ancestralidade. A luta pela propriedade da terra é uma das batalhas que enfrentam.

Algumas comunidades quilombolas adotam o modo de vida do campesinato, com mulheres desempenhando diversas atividades, como pontua Ana Célia Barbosa Guedes, “desde crianças, elas desempenham papéis importantes para o seu grupo social: trabalho doméstico, atividades agrícolas (plantio, capina e colheita da roça, mais o preparo da farinha), extrativismo de frutas, pesca artesanal, além de cuidar da saúde de seus familiares”.

“A mulher negra ocupou e ocupa espaços e funções, na sociedade brasileira, que lhe foram atribuídos desde o período escravocrata. Essa estrutura hierárquica, patriarcal e racista que marcou o Período Colonial ainda está presente no cotidiano das mulheres do Quilombo de Santa Rita de Barreira”, avalia a pesquisadora.

Com o objetivo de pesquisar a vida e a história de mulheres negras que vivem no e do campo, a historiadora Ana Célia Guedes conta a história das mulheres que vivem na comunidade de Santa Rita de Barreira, localizada no município de São Miguel do Guamá.

A pesquisa resultou na dissertação “Mulheres quilombolas e uso de plantas medicinais: Práticas de cura em Santa Rita de Barreira/PA”, orientada pelo professor Hisakhana Corbin e defendida no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido (PPDSTU/NAEA).

A formação do Quilombo de Santa Rita de Barreira

Na pesquisa, Ana Célia Guedes conta como se deu a formação do Quilombo de Santa Rita de Barreira desde a ocupação da região pelos portugueses, no século XVII.  Os africanos escravizados e indígenas compunham a mão de obra nos engenhos. Produtos da agricultura local, como a mandioca, eram comercializados; e o rio Guamá era a principal rota de locomoção, até o final do século XIX. Porém, em 1880, foi construída a Estrada de Ferro de Bragança, que mudou a dinâmica da região, inclusive em seu cenário econômico, social e ambiental.

Muitos imigrantes, principalmente nordestinos, chegaram, e o município de São Miguel do Guamá teve sua população triplicada no ano de 1920. Durante várias décadas, o território passou por diversas transformações, como a construção da Estrada BR-010, que tinha como objetivo atrair investidores para a região.

Fazendeiros, entre outros grupos, passaram a adquirir terras que eram de propriedade de outros povos, como os quilombolas de Santa Rita de Barreira, que perderam parte de sua terra para um ceramista que atua na produção de argila.

A partir da década de 1960, o território próximo ao povoado da Barreira Antiga, onde se encontrava parte do quilombo, chamou atenção de imigrantes, em especial fazendeiros, que entraram em conflito com os moradores locais, que venderam parte de suas terras.

A organização desses grupos de moradores ajudou no compartilhamento de saberes, na formação de relações culturais e nos trabalhos coletivos. Esses grupos tiveram sua história reconstruída, baseada na memória dos mais velhos e nas pesquisas realizadas no povoado pelo governo do estado. No dia 22 de setembro de 2002, a comunidade quilombola de Santa Rita de Barreira obteve seu título de reconhecimento de domínio coletivo. Em 2017, 80 famílias viviam no local.

As mulheres de Santa Rita de Barreira

O modo de vida da comunidade de Santa Rita de Barreira é diferente do padrão hegemônico. Suas relações se dão, principalmente, pela coletividade e pela cooperação. “O modo de vida é bastante simples e, ao mesmo tempo, detentor de uma qualidade de vida que, nos centros urbanos, é impossível ter. Os conhecimentos tradicionais garantiram e garantem a sobrevivência das famílias no território. Estamos falando da luta para assegurar a identidade, a ancestralidade e o território; do orgulho das mulheres de serem quilombolas; da transmissão dos saberes relacionados ao uso e à manipulação de plantas medicinais”, revela Ana Celia Guedes.

As mulheres dentro da comunidade executam diferentes papéis, como o trabalho doméstico, agrícola, de pesca e da medicina. A medicina popular, bastante praticada na comunidade, foi o alvo da pesquisa. “Os povos do Quilombo de Santa Rita de Barreira usam e confiam na medicina popular. Essas práticas se difundiram profundamente na construção cultural desses povos. Desse modo, os saberes relacionados ao cultivo e ao uso de plantas fazem parte da vida cultural desse quilombo”, explica a historiadora.

Como não há posto de saúde na comunidade, os moradores do quilombo utilizam o conhecimento empírico, passado entre gerações de mulheres, para tratar as enfermidades. “Quando as pessoas estão doentes, recorrem à curandeira ou se deslocam à sede do município, onde são atendidos nos postos de saúde ou no hospital municipal”, afirma Ana Celia Guedes.

“Os povos que se estabeleceram no Quilombo de Santa Rita de Barreira enfrentaram vários conflitos, problemas sociais e cultuais, mas resistiram e construíram seu modo de vida, que, em muitos aspectos, se contrapõe ao modelo hegemônico ao retirar da natureza apenas o necessário para a subsistência e ao ressignificar os saberes relacionados ao uso terapêutico de plantas medicinais”, finaliza a historiadora.

 Beira do Rio edição 157

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