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Audiovisual e sensibilidade

Publicado: Sexta, 29 de Janeiro de 2021, 22h25 | Última atualização em Sexta, 29 de Janeiro de 2021, 22h49 | Acessos: 1423

Representação e reconhecimento da periferia em minidocumentário

imagem sem descrição.

Por Matheus Luz Foto Arquivo Tela Firme

Em 2014, o bairro Terra Firme, periferia de Belém, vivenciou um terrível episódio de violência: uma chacina que resultou na morte de quatro pessoas. Na mesma noite, a violência se estendeu para outras regiões da cidade, totalizando 11 vítimas do crime que ocorreu em seis diferentes bairros na Região Metropolitana de Belém.

Após o ocorrido, um grupo de jovens moradores do bairro criou o Coletivo Tela Firme, com o objetivo de propor narrativas audiovisuais que pudessem denunciar a violência cometida no local. Buscando apresentar uma contranarrativa do episódio da chacina, o coletivo produziu o minidocumentário Poderia ter sido você, no qual os moradores do bairro apresentam sua própria versão dos fatos, contrapondo à maneira hegemônica como a chacina foi retratada pela mídia local. O vídeo ainda busca apresentar a vida do bairro de uma maneira diferente da imagem estigmatizada com que é vista pela população belenense, contribuindo para elevar a autoestima de seus moradores e transformar, de maneira positiva, a sua autoimagem.

Nesse contexto, o comunicólogo Jetur Lima de Castro decidiu estudar a dimensão sensível da chacina baseado no minidocumentário do Coletivo Tela Firme, resultando na dissertação Poderia ter sido você: Autorrepresentação, dimensão sensível e intersubjetiva da violência no bairro da Terra Firme, em Belém. A pesquisa foi orientada pela professora Rosaly Seixas de Brito e defendida no Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia (PPGCOM/UFPA).

O pesquisador partiu da “autoetnografia” como metodologia, utilizando seu próprio olhar como morador do bairro para refletir sobre o vídeo em questão. Além de analisar o minidocumentário, foram realizadas entrevistas com moradores, mães de vítimas e com integrantes do Coletivo Tela Firme e do Cine Clube TF. O estudo também utiliza a análise documental de jornais, imagens antigas do bairro e de atuais manifestações culturais.

A pesquisa de campo foi feita com um grupo focal de moradores que havia participado da exibição do vídeo, seguida da realização de um debate. Vale ressaltar que as entrevistas ocorreram durante a pandemia, um dos desafios da pesquisa. Após o contato inicial, realizado em fevereiro de 2020, a quarentena impossibilitou a realização de encontros presenciais e a coleta de dados foi realizada por meio do aplicativo de troca de mensagens WhatsApp.

Produção traz moradores como protagonistas da narrativa

O posicionamento discursivo apresentado no vídeo Poderia ter sido você possibilitou o reconhecimento dos protagonistas da narrativa na produção, ou seja, a própria população do bairro. O pesquisador relata que, durante as entrevistas, vários moradores disseram não se reconhecer no discurso unicamente criminoso apresentado nos jornais da época. Por outro lado, em depoimentos, as mães das vítimas afirmaram se reconhecer na narrativa do minidocumentário, pois a produção reafirmava o valor da vida de seus filhos assassinados.

Assim, Jetur Castro aponta que o principal foco da narrativa do minidocumentário é representar a realidade do bairro e ir além, criando novas representações. A proposta do coletivo é mostrar a vida de maneira a romper com as noções gerais que se tem da periferia e de seus moradores, para elevar a autoestima de quem vive no bairro periférico e, assim, transformar, de maneira positiva, a imagem que tem de si.

O vídeo combate os estereótipos, inclusive do não reconhecimento de práticas representacionais, comunicativas e interpretativas que são produzidas nas periferias de Belém, conforme explica Jetur Castro: “Cada jovem morador que aparece no vídeo representa uma das vítimas, conta a sua história e descreve o acontecimento. Portanto as intenções políticas deste vídeo são expressas em uma estratégia discursiva voltada para fortalecer as identidades no interior do lugar. Dessa maneira, faz resistência aos discursos que estigmatizam os jovens do bairro e permite maior inserção das vozes de moradores sobre sua realidade, as quais são levadas ao mundo por meio das redes sociais, conferindo-lhes outra condição de visibilidade”, explica o pesquisador.

Assim Jetur Castro discute que o documentário busca romper com a ordem das sensações que prevalece na dinâmica midiática, que apresentou a chacina com superficialidade e ausência de reflexão. Portanto a produção se propõe a devolver a sensibilidade e refletir sobre os aspectos da violência e das mortes que foram tragicamente causadas no bairro.

Insignificância da vida de jovens, pobres e negros

O comunicólogo ressalta como o vídeo denuncia, por meio de uma narrativa sensível, a insignificância das vidas dos sujeitos moradores de um bairro periférico. Em geral, são jovens pobres e negros, em uma ordem social profundamente desigual e injusta. “O minidocumentário Poderia ter sido você surge em um momento extremo de naturalização da humilhação, da violência e da negação de direitos e, no limite, da negação do próprio direito à vida na Terra Firme e em outros bairros da periferia de Belém”, comenta Jetur Castro.

“A narrativa do vídeo permitiu que os atores do bairro lutassem contra as forças hegemônicas que atuam no seu território, como as milícias e o aparato policial do estado. Percebemos, por exemplo, como as mães se investem de um poder de autoridade para falar de seus filhos, insurgindo-se totalmente contra o rótulo de bandidos que se tentou atribuir a eles. Afirmam e reafirmam isso categoricamente, ganham credibilidade, acabam sendo ouvidas de algum modo”, pontua o pesquisador.

Desse modo, a pesquisa empreendida por Jetur Castro visualiza a atuação do “sensível” na prática, ao perceber como a narrativa da produção audiovisual se aproxima da realidade daqueles que foram vítimas da chacina, demonstrando a perspectiva da autorrepresentação e a dimensão política de enfrentamento dos jovens da Terra Firme, que, assim como vários movimentos existentes no bairro, buscam combater os estereótipos atribuídos nas representações midiáticas em geral.

Sobre o Coletivo Tela Firme

O Tela Firme é um coletivo de comunicação criado em 2014, no bairro Terra Firme, em Belém, com o objetivo de apresentar, por meio do audiovisual, a beleza, a diversidade e a complexidade da periferia. A iniciativa também realiza ações de cobrança de políticas públicas que garantam serviços essenciais e uma vida digna aos moradores.

Beira do Rio edição 157

Comentários  

0 #1 eduasdonio 27-02-2021 18:28
Como assistir ao documentário?
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