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A universidade é um lugar de mulheres

Publicado: Quinta, 11 de Fevereiro de 2021, 14h27 | Última atualização em Quinta, 11 de Fevereiro de 2021, 14h27 | Acessos: 2846

A cada geração, mais barreiras são transpostas e obstáculos são superados

imagem sem descrição.

Por Rosyane Rodrigues e Suzana Lopes Ilustração CMP

Em 2015, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e a Organização das Nações Unidas (ONU) criaram o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência (11 de fevereiro) como forma de inspirar e engajar meninas e mulheres. Para as duas organizações internacionais, ciência e igualdade de gênero são fundamentais para que a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável se torne realidade. Desde então, diversas iniciativas pessoais, coletivas e institucionais buscam atrair, manter e apoiar as carreiras de jovens cientistas em diferentes áreas do conhecimento.

Mas, antes de citar as iniciativas que já apresentam bons resultados, vamos mostrar o tamanho do desafio quando falamos de visibilidade e representatividade feminina na Ciência. Em artigo publicado em março de 2020, Fernanda De Negri, pesquisadora do Centro de Pesquisa em Ciência, Tecnologia e Sociedade do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), apresentou alguns números interessantes: as mulheres eram cerca de 54% dos estudantes de doutorado no Brasil (mesmo número que países como EUA), elas eram a maioria nas ciências da vida e da saúde (mais de 60%). Mas, apesar de terem produtividade igual à dos colegas homens, elas não ocupam os cargos mais altos da carreira.

Na Universidade Federal do Pará, atuam no ensino, na pesquisa e na extensão 1.192 pesquisadoras, que representam 45% do quadro de professoras(es) da Instituição. Nos cargos de direção das unidades acadêmicas, as mulheres ocupam seis de quinze direções de institutos e três de nove núcleos. Já na coordenação de programas de pós-graduação, estão 39 mulheres (aproximadamente 40% do total).

Quando observamos as novas gerações em formação na UFPA, porém, a balança se inverte. As mulheres já são maioria, hoje, entre as(os) estudantes de pós-graduação: dos 4.778 estudantes matriculadas(os) em cursos de mestrado e doutorado em 2020, 2.532 (53%) são mulheres. A mesma tendência se observa entre as jovens pesquisadoras da Iniciação Científica na graduação e no ensino médio. Das 1.325 estudantes que recebem bolsas de Programas de Iniciação Científica da graduação, 764 (58%) são mulheres. Entre as(os) estudantes que participam voluntariamente da Iniciação Científica, 109 (62%) são mulheres. E, no ensino médio, são 18 (62%) estudantes mulheres que recebem bolsa de Iniciação Científica.

Em algumas áreas, elas ainda são minoria

A participação das mulheres na academia, contudo, não se dá da mesma forma em todas as áreas. Na dissertação Exclusão de gênero em ciência e tecnologia na perspectiva da Ciência da Informação, Ester Ferreira da Silva investigou as desigualdades de gênero em C&T, nos cursos da área da STEM (do acrônimo em inglês Science, Technology, Engineering and Mathematics) da UFPA, reunidos no Instituto de Tecnologia (ITEC) e no Instituto de Ciências Exatas e Naturais (ICEN).

A pesquisa reuniu estatísticas do período de 2011 a 2019, incluindo 11 mil estudantes aprovados/as nos vestibulares para área STEM. 30% eram mulheres e a maioria delas estava “em cursos mais relacionados com o chamado ‘papel social feminino’”, segundo a autora. “São aqueles voltados para “o conforto e a saúde das pessoas e a proteção à natureza: Arquitetura e Urbanismo (63%), Engenharia da Alimentação (65%) e Engenharia Sanitária e Ambiental (58%). Em contrapartida, na área da computação, na qual demandam fortes competências digitais, os índices de mulheres foram os piores: 12% em Ciência da Computação, 15% em Engenharia da Computação e 11% em Sistemas de Informação”, afirma.

“Na pós-graduação, das 5.877 matrículas em mestrado e em doutorado, apenas 30,8% foram de mulheres, e na passagem entre mestrado e doutorado, 59% das mulheres desistiram. Posteriormente, essa alta desistência feminina na pós-graduação mantém a baixa presença feminina nos quadros de docentes pesquisadores em STEM da UFPA, nos quais os homens são 4,7 vezes mais do que as mulheres”, declara Ester Ferreira da Silva.

Essa “desvantagem” também pode ser percebida ao consultarmos as bases do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e encontrarmos apenas 46 pesquisadoras da UFPA com bolsa de produtividade (PQ), o que representa menos de 30% das(os) pesquisadoras(es). Quanto maior o nível da bolsa (concedida a pesquisadores com reconhecida produção e liderança em suas respectivas áreas), menor o número de mulheres. Para a professora Denise Cardoso, ainda é difícil chegar ao “topo da carreira”. “São muitos os desafios para as mulheres nas ciências em geral, pois, assim como ocorre em outras áreas profissionais consideradas masculinas, há certas resistências que dificultam o acesso aos cargos e às funções de liderança. Em se tratando de bolsa produtividade, muitas de nós sequer tentamos submeter proposta, pois sabemos que não atendemos a todos os critérios de seleção”, revela a antropóloga.

Para a professora Iracilda Sampaio, pró-reitora de Pesquisa e Pós-Graduação da UFPA, as mulheres sempre enfrentaram mais dificuldades para seguir a carreira científica do que os homens: "A mulher é mais demandada de afazeres pela família e pela sociedade. Dificilmente pode optar pela dedicação exclusiva à ciência. O homem pesquisador, por sua vez, acaba tendo mais tempo, mais estrutura e maior cobertura no lar. Em muitos casos, a família e outras demandas sociais das mulheres competem com a sua carreira científica", afirma.

Questões de raça e idade também marcam as desigualdades

Se incluirmos aqui marcadores sociais, como raça e idade, esse quadro pode ficar ainda mais complexo. “Quando analisamos a participação numérica de mulheres negras (pretas e pardas) nas universidades e nos institutos de pesquisa, notamos que praticamente elas inexistem nos quadros de profissionais. Isso ocorre em todas as áreas, pois o percentual é baixíssimo em relação às pessoas não negras. O quesito ‘idade’ talvez não seja um problema como ocorre em relação à questão da cor/raça na medida em que há categorias que são reconhecidas pela produção e expertise. Assim, mulheres jovens ou mais velhas assumem coordenação de projetos, laboratórios, faculdades e programas de pós-graduação, tanto quanto os homens (jovens ou seniores). No entanto cabe destacar que os altos cargos da administração superior destas instituições ainda são ocupados majoritariamente por homens”, afirma Denise Cardoso.

De acordo com a professora, a sociedade em que vivemos ainda considera que o lugar das mulheres é restrito ao ambiente doméstico. “Embora tenhamos avanços significativos nos direitos das mulheres, ainda vivenciamos determinadas situações que revelam a visão dualista da casa/rua, masculino/feminino, razão/emoção, ciência/arte, entre outros binarismos. Embora não se explique tudo por esse viés, há que se considerar que existe um processo excludente sustentado nessa lógica do ‘isso ou aquilo’. Inúmeros casos de assédios, silenciamentos, discriminação de mulheres nos cursos de graduação e de pós-graduação são reflexos da maneira como as pessoas lidam com a presença de mulheres nos espaços da produção científica. Certamente as políticas de ações afirmativas e as alterações no modo como lidamos com a diversidade poderão contribuir para o aumento do número de mulheres nas instituições de ensino e pesquisa científica”, argumenta.

Emília e Heloisa: os desafios e o legado das que vieram antes de nós

Ainda que muitas não saibam, todas nós usufruímos do legado deixado por Emília Snethlage e Heloisa Alberto Torres. Quem são elas? Emília Snethlage (1868-1929),  alemã,  foi a primeira mulher contratada para trabalhar no Museu Paraense (hoje Museu Paraense Emílio Goeldi), em agosto de 1905, e Heloísa Alberto Torres (1895-1977), brasileira, nascida no Rio de Janeiro, a primeira mulher a formar os primeiros antropólogos brasileiros. Investigar a trajetória dessas duas cientistas tem sido o trabalho da professora da Faculdade de Turismo/ICSA Diana Priscila Sá Alberto em seu doutoramento no Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia da UFPA.

Como é possível imaginar, desafios não faltaram. “Emília Snethlage queria ser cientista da natureza e sonhava em conhecer os trópicos. O primeiro desafio foi conquistar um lugar na universidade. Na virada do século XIX para o XX, poucas mulheres eram aceitas nas universidades na Alemanha. Emília foi lá, formou-se e tornou-se doutora em Zoologia. O segundo desafio foi trabalhar e pesquisar na Amazônia. Imagine uma mulher na floresta apenas com uma pequena espingarda para coleta de aves para suas pesquisas ornitológicas. Mais ainda, viajando dias em plena mata, com seus companheiros indígenas. A imagem é desafiadora, mas as fontes mostram o quanto Emília parecia familiarizada e gostava de seu trabalho. O maior desafio foi o preconceito, por ser uma mulher que ia sozinha para uma floresta e geriu uma grande instituição de pesquisa durante a Belle Époque. Mas, Emília Snethlage ultrapassou todas essas dificuldades”, conta Diana Sá Alberto.

Já Heloisa Alberto Torres queria ser cientista das ciências humanas. Em 1925, ela foi a primeira professora aprovada em concurso pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro. “Seu sonho era de construir, no âmbito antropológico, um ensino amplo no Brasil, e ela conseguiu abrir esse caminho. Formou importantes antropólogos, como Eduardo Galvão (1921-1976)”, afirma Diana. Viajar sozinha para o Marajó, onde pesquisava cerâmica indígenas, e manter uma posição firme dentro da sua instituição de pesquisa em pleno Estado Novo, quando a ciência era vista como um espaço masculino, foram alguns dos desafios enfrentados por D. Heloisa, como era conhecida.

“Acredito que a ‘herança’ deixada por essas duas mulheres é de que nós podemos alcançar nossos objetivos, independentemente do que a sociedade dite como ‘regra’. Penso que Emília e Heloísa deixaram elementos sociais, culturais e até políticos para que nós, mulheres, pudéssemos confirmar a nossa capacidade de estar em qualquer campo da Ciência. Se hoje estamos nas universidades, nos laboratórios, nas salas de aulas e em tantas outras áreas, foi porque essas mulheres acreditaram no que estavam fazendo e construíram seus espaços. Nós estamos colhendo e vamos colher muitos mais frutos para as futuras gerações”, aposta Diana Priscila Sá Alberto.

Nova geração está pronta para ocupar novos espaços e ir além

 

As gerações mais experientes de pesquisadoras, ao transporem algumas barreiras e legitimarem-se na academia, semearam novos espaços e maior abertura para as gerações seguintes. Vimos recentemente o destaque de jovens pesquisadoras da Iniciação Científica e da pós-graduação da UFPA em espaços nacionais e internacionais. Em dezembro de 2020, a estudante Raqueline Monteiro, do Programa de Pós-Graduação em Ecologia Aquática e Pesca, do Núcleo de Ecologia Aquática e Pesca da Amazônia (NEAP/UFPA), foi nomeada Jovem Embaixadora do Oceano Atlântico para promover o desenvolvimento sustentável do Atlântico (Leia mais aqui).

Já a estudante de ensino médio Ana Carolina Lucena, da Escola de Aplicação da UFPA, foi congratulada com menção honrosa no Prêmio "Carolina Bori Ciência & Mulher", promovido pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (Leia mais aqui).

EngenhocasAtrair um número maior de meninas para as carreiras no campo das Ciências Exatas, Engenharias e Computação é o objetivo do Projeto Mulheres na Ciência e Engenharia: Conquistando espaço na área tecnológica, do Programa de Extensão Laboratório de Engenhocas, sob a coordenação do professor Wellington da Silva Fonseca. O Laboratório de Engenhocas iniciou no Campus Tucuruí (2011), tendo o Projeto Mulheres na Ciência e Engenharia iniciado em 2013. O projeto já passou pelo Campus de Ananindeua (2014 - 2016) e hoje está abrigado no Instituto de Tecnologia da UFPA, em Belém. Ao longo dos anos, novas parcerias foram firmadas dentro e fora da UFPA, mantendo a agenda de atividades do projeto sempre ativa, mesmo em tempo de ensino remoto. 

“Não temos registro de quantas meninas foram atingidas pelo projeto, mas temos muitos resultados positivos: artigos publicados em congressos, alunas com as quais tivemos contato no ensino médio e hoje estão em cursos de graduação na UFPA (Hanna Ferreira, Engenharia Elétrica/ITEC) e no IFPA (Paola Silva e Marielly Rodrigues, Física/Belém). As três citadas participaram de Evento da Febrace, em São Paulo”, comemora o professor. 

Apesar de concentrar suas ações no ITEC, o projeto recebe meninas e mulheres de todos os campi. Se você ficou interessada, entre com contato com o grupo:

e-mail: fonseca@ufpa.br 

Instagram @labengenhocasufpa

Facebook: Laboratório-de-Engenhocas-UFPA

Beira do Rio edição 157

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