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Publicado: Quinta, 01 de Setembro de 2022, 15h44 | Última atualização em Quarta, 05 de Outubro de 2022, 15h42 | Acessos: 796

Como a arte pode modificar nossa percepção estética 

Por Luis Carlos Pereira Monteiro Foto Caê Assunção

A simetria está presente na natureza há muito tempo. A maioria dos animais e objetos presentes no dia a dia são, em algum nível, simétricos. O cérebro humano utiliza a simetria para identificar esses objetos e diferenciá-los do plano de fundo assimétrico em que eles estão. Objetos simétricos são facilmente processados pelo cérebro e essa facilidade de processamento é uma das explicações para gostarmos tanto de coisas simétricas. De fato, seres humanos tendem a achar objetos simétricos mais belos do que suas versões correspondentes assimétricas e, por muito tempo, a simetria foi considerada uma lei universal de beleza.

Curiosamente, obras de arte costumam desviar com maior frequência da simetria perfeita, especialmente aquelas produzidas por artistas experientes. Pesquisas recentes têm mostrado que esses artistas com maior tempo de estudo e prática tendem a desconsiderar a assimetria ao avaliar a beleza em figuras abstratas. Isso quer dizer que a simetria não é um critério de beleza contundente para artistas experientes ao avaliar esse tipo de figura. Será que esse padrão se estenderia para figuras concretas como as faces humanas que vemos no nosso dia a dia? A maioria da população, frequentemente, considera pessoas simétricas mais bonitas, especialmente em relação à face. Será que isso também vale para artistas experientes?

Para responder a essa pergunta, convidamos 116 pessoas com diferentes níveis de experiências artísticas para avaliar imagens com diferentes níveis de assimetria facial. Fizemos duas perguntas, uma sobre o quão bonito e outra sobre o quão atraente o rosto era para o participante. Este respondia dando uma nota em escala numérica de 1 a 7. Além de avaliar as imagens, cada pessoa respondeu a um questionário por meio do qual medimos sua experiência artística em três modalidades: artes visuais, dança e música. Com isso em mãos, em uma abordagem quantitativa, pudemos verificar se a experiência artística do participante influenciava a forma como ele avaliava a assimetria facial, tanto em relação à beleza quanto em relação à atratividade.

Mediante as nossas análises, verificamos que a experiência em artes visuais e dança influenciou a forma como as faces eram avaliadas. Pessoas com maior experiência nessas áreas parecem não levar em conta a assimetria da face para dar suas notas de beleza, isto é, a assimetria da face é ignorada pelos artistas visuais e dançarinos experientes quando estão avaliando quão belo um rosto é, assim como quando avaliam figuras abstratas. Por outro lado, a experiência em música não afetou as avaliações. É possível que a flexibilidade em relação à beleza visual surja com maior facilidade em modalidades artísticas cuja predominância seja justamente a visual, como as artes visuais e a dança. Já para modalidades com menor predominância visual, como é o caso da música, isso pode não acontecer da mesma forma.

Encontramos esses resultados apenas para as avaliações de beleza das faces e não para as avaliações de atratividade. Enquanto a beleza se refere ao prazer estético experimentado ao ver a face, a atratividade vai um pouco além: tem a ver com o quanto nos sentimos atraídos por outra pessoa. Isso quer dizer que, provavelmente, a assimetria da face continua sendo importante quando o indivíduo está escolhendo um possível parceiro amoroso, mesmo que o avaliador seja um artista visual ou dançarino experiente.

Esta pesquisa é apenas um passo para entender como a arte pode mudar nossa percepção do mundo. Sabemos que a forma como seres humanos avaliam a estética do mundo está imersa em muitos estereótipos. Um exemplo comum é o estereótipo “o que é belo é bom”, em que pessoas consideradas bonitas são julgadas como moralmente boas e pessoas consideradas feias são julgadas como moralmente más, mesmo que não haja evidência para isso. Se a experiência artística pode mudar a forma como avaliamos esteticamente outras pessoas, será então possível que a arte pode nos ajudar a quebrar os estereótipos que nos impedem de ver a beleza das coisas e das pessoas? Embora não possamos afirmar que a experiência artística modifica os critérios visuais de beleza, é razoável dizer que a experiência em artes tem papel importante na quebra de estereótipos.

Saiba mais: Este artigo foi originalmente publicado na Revista Symmetry (MDPI) e está disponível neste link

O projeto de pesquisa teve orientação e supervisão dos professores Rachel Ripardo, do Núcleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento (NTPC), e Givago Souza, do Núcleo de Medicina Tropical (NMT). Colaboraram com a execução das atividades de pesquisa Victória Ferreira e Amanda Carvalho. A análise estatística e a visualização de dados foram supervisionadas pela professora Ana Catarina Miranda. O projeto teve apoio da Capes e está vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Neurociências e Biologia Celular (PNBC) da UFPA. 

Luis Carlos Monteiro - Graduado em Ciências Biológicas e mestre em Neurociências e Biologia Celular pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Atualmente integra o Laboratório de Neurologia Tropical (NMT, UFPA) e é estudante de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Neurociências e Biologia Celular (PNBC, UFPA). Desempenha atividades de pesquisa em Neurociência e Psicologia Experimental e tem interesse em Estética Empírica. E-mail: luis.monteiro@icb.ufpa.br

Beira do Rio edição 163

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