Pelo direito de serem ouvidas
Dissertação discute luta feminina por espaço nas arenas políticas
Por Gabriel Mansur Ilustração Walter Pinto
Historicamente, as mulheres têm sido excluídas das discussões na sociedade. Desde a Antiguidade, elas são silenciadas. Na Grécia Antiga, não eram consideradas cidadãs, por isso não faziam parte das discussões da polis, por exemplo. Quando lutavam contra o silenciamento, eram vistas como aberrações. Na Idade Média, as mulheres que tinham um modo de vida diferente do que lhes era imposto eram consideradas bruxas, perseguidas e, diversas vezes, assassinadas.
Desde o final do século 19, entretanto, as mulheres têm conseguido avanços cada vez maiores em relação a sua representação na politica e, como consequência, conquistado mais direitos. Na política formal, com a primeira onda feminista, adquiriram o direito ao voto e o direito de serem votadas. Em 1997, foi criada a cota eleitoral estipulando que 30% dos candidatos de qualquer partido político fossem do sexo feminino. Em 2010, Dilma Rousseff foi eleita a primeira presidente do Brasil.
Entretanto, apesar dos avanços, a representação feminina na política ainda é baixa. Em âmbito regional, nas eleições de 2016, foram eleitas apenas 13% como vereadoras, e são 12% do total de prefeitos. Como jornalista, por diversas vezes, a pesquisadora Nathália Lima Kahwage se deparou com reportagens a respeito da sub-representação feminina na política. Procurando entender o motivo para esse desequilíbrio, Nathália Kahwage apresentou a dissertação Representação Política, Gênero e Relações de Poder: análise de aspectos discursivos da atuação das vereadoras de Belém e de Manaus no Facebook.
Orientada pela professora Danila Gentil Rodriguez Cal Lage, a dissertação foi defendida no Programa de Pós-Graduação Comunicação, Política e Amazônia (PPGCOM/ILC). O estudo busca investigar como as relações de poder influenciam os discursos das vereadoras de Belém e de Manaus, com base nos vídeos postados nos seus perfis e na fanpages no Facebook, um ambiente em que elas dominam o próprio discurso, ressignificando, recorrendo ou negando estereótipos.
As consequências da sub-representação feminina
A jornalista chama atenção para três fatores que levam à sub-representação. A associação da mulher à vida doméstica, o que diminui a sua rede de contatos; a dupla jornada de trabalho feminina, o que diminui o seu tempo livre para outras atividades; e o padrão social imposto às mulheres, que não têm sua imagem associada à política, papel historicamente masculino. Além disso, as mulheres que chegam aos cargos eletivos sofrem com a exclusão da sua atuação para manutenção dos privilégios masculinos no campo.
As mulheres, então, buscam “outros tipos de política, que estão relacionados com a organização, a atividade e o engajamento, entre os quais se destacam os movimentos feministas e os grupos de mulheres. A política que exercemos no dia a dia para conquistar mais direitos”, pontua Nathália Kahwage. Apesar disso, a pesquisadora chama atenção para o fato de que, mesmo imprescindível para a democracia, limitar-se a fazer política fora das instituições não é suficiente.
Nathália encontrou, na figura das vereadoras Marinor Brito (PSOL), Simone Kahwage (PRB) e Blenda Quaresma (MDB), em Belém; e na figura de Glória Carratte (PRP), Joana D’arc (PR), Professora Jacqueline (PHS) e Professora Therezinha (Democratas), em Manaus, seu objeto de pesquisa para entender como as relações de poder e a utilização dos estereótipos pelas próprias representantes influenciam na comunicação fora dos muros institucionais. A pesquisa analisou 210 vídeos no período de agosto de 2015 até 8 de março de 2018, data em que se comemora o Dia Internacional da Mulher.
A jornalista buscou alguns conceitos para fundamentar sua pesquisa, como o de power over, power to e power with, e a associação de estereótipos de mãe, guerreira ou profissional. Power over são as relações de dominação; power to, as relações de empoderamento e∕ou resistência; e power with, de solidariedade. A figura de “mãe” está relacionada ao estereótipo de mulher carinhosa, atenciosa e sensível. A “profissional” é incansável, trabalhadora e multitarefa, e, por fim, a “guerreira” é a que toma iniciativa, rompe convenções sociais e, por conseguinte, se aproxima do “modelo masculino”.
Resistência e empoderamento no Facebook
Nathália Kahwage percebeu que as vereadoras de Manaus são mais engajadas nas suas páginas do que as de Belém. Entre elas, a vereadora Joana D’arc se destaca. Joana, por ser ativista da causa animal, usou o Facebook como uma plataforma para fazer sua campanha e, depois de eleita, não deixou de utilizá-lo.
Além disso, a pesquisa mostrou que as vereadoras de Manaus produzem mais conteúdo, com maior quantidade de tempo de vídeo. A jornalista salienta a necessidade de estabelecer continuidade e periodicidade nos vídeos para manter as pessoas engajadas e estabelecer um relacionamento. “Elas poderiam ter feito mais, investido mais. Pensando no custo e na rapidez, poderiam tentar ampliar esse público que não tem acesso às sessões da Câmara Municipal, em Belém ou Manaus”, pontua.
A jornalista destaca que, “normalmente, toda situação de dominação gera uma reação de resistência. Isso foi algo que me surpreendeu. Achei que as situações de dominação estariam mais explícitas, mas não. O que eu mais vi ali foram reações de resistência e empoderamento, ou seja, em segundo plano, está a dominação. São elas reagindo, de alguma forma, se empoderando e rompendo com a ideia de passividade e submissão ligada aos estereótipos femininos”.
Por fim, a pesquisadora percebeu que as vereadoras apresentaram nos vídeos do Facebook aspectos discursivos que indicaram a predominância do estereótipo de mãe, sendo Marinor Brito a única que divergiu, usando o estereótipo de guerreira. “Ele [estereótipo de mãe] tem essa ‘pegada’ de dominação, está muito ligado ao papel clássico da mulher, o que é esperado da mulher na sociedade, sob o olhar masculino”.
Apesar de, à primeira vista, parecer opressora, essa tipologia apresentou muita mobilidade, com a análise dos resultados. “Dentro do trabalho, foi o que mais chamou atenção. Cada uma delas apresentou um padrão diferente para o mesmo estereótipo de mãe. A “mãe” da Joana D’arc cuida do meio ambiente, dos animais e da floresta. A Blenda Quaresma está relacionada ao assistencialismo e à promoção de ações sociais a famílias carentes. A Simone Kahwage, por exemplo, apresenta o sentido clássico de mãe, com viés afetivo, carinhoso e de proximidade. Por várias vezes, utiliza a palavra ‘cuidar’ nos vídeos”, ressalta Nathália.
Isso significa que, mesmo ligado ao padrão social estabelecido pela sociedade para as mulheres, as vereadoras ressignificaram esses estereótipos, em especial o de “mãe”, nos vídeos postados nas suas páginas e nos perfis no Facebook, redefinindo-os de acordo com o contexto e com as diferentes relações de poder, isto é, ainda que enfrentem diversas situações de dominação no dia a dia, elas não foram passivas e mostraram resistência. Assim, ainda que o campo político seja historicamente masculino, as parlamentares buscaram alternativas – nas mídias digitais, por exemplo - para superar os obstáculos institucionais que as silenciavam e marginalizavam-nas.
Câmaras municipais em números
Belém (3 mulheres e 32 homens)
Marinor Brito: 60 anos, professora. Eleita pela primeira vez em 1996, atualmente no 5º mandato. Saiu em 2018 para a ALEPA.
Simone Kahwage: 39 anos, administradora. Primeiro mandato (2017-20). Vice-presidente da CMB.
Blenda Quaresma: 33 anos, empresária e estudante de Direito. Primeiro mandato (2017-20)
Manaus ( 4 mulheres e 37 homens)
Gloria Carrette: 57 anos. Eleita pela primeira vez em 2000.
Professora Jacqueline: 55 anos, professora. Eleita pela primeira vez em 2012.
Joana D’arc: 30 anos. Bacharel em Direito. Eleita pela primeira vez em 2016. Atualmente, na ALEAM.
Professora Therezinha: 66 anos, professora. Eleita pela primeira vez em 2006. Atualmente, na ALEAM.
Ed.153 - Fevereiro e Março de 2020
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