“Do cacau ao chocolate”
Agroturismo pode ser opção de desenvolvimento para produtores
Por Aila Beatriz Inete Foto Mácio Ferreira / Agência Pará
A Rodovia Transamazônica foi construída ainda no período da ditadura militar, com o objetivo de integrar a Amazônia às outras regiões do Brasil. No Pará, a Transamazônica é marcada por obras inacabadas, desmatamento, conflitos e pouco desenvolvimento econômico e social. Apesar desses problemas, a área produz o melhor cacau do Brasil e faz do Pará o maior produtor do país. O município de Medicilândia, localizado às margens da rodovia, é conhecido como “capital nacional do cacau”.
Esse fruto nativo da Amazônia pode ser encontrado em outras regiões do Brasil. A Bahia já foi o estado com maior volume de produção e ainda é o maior exportador no Brasil. “Nós observamos que a história contada dizia que o fruto tinha origem na Bahia, mas o cacau chegou à Bahia por um francês que transportou uma amêndoa daqui do Pará”, conta a pesquisadora Hyngra Suellen de Jesus Nunes, autora da dissertação Do Cacau ao Chocolate: Contribuição do Agroturismo ao Desenvolvimento Territorial na Região Transamazônica(PA), orientada pelo professor Aquiles Simões e defendida no Programa de Pós-Graduação em Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia (PPGEDAM/Numa).
De acordo com Hyngra Nunes, a pesquisa teve como objetivos fazer um resgate histórico do que era o chocolate dentro da nossa região, saber como isso influenciou no desenvolvimento territorial e, principalmente, analisar as potencialidades de contribuição do turismo para o desenvolvimento territorial da região Transamazônica, por meio da valorização da cadeia produtiva do cacau. Para realizar a pesquisa, foram colhidas informações em Secretarias do estado, como a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia (Sedeme) e a Secretaria de Turismo (Setur), com uma abordagem qualitativa e com caráter descritivo e exploratório.
De acordo com a pesquisa, por mais de um século (1730 e 1840), o cacau foi o principal produto de exportação de Belém. Em virtude de uma epidemia de varíola e do início do Ciclo da Borracha, a produção foi deixada de lado. De maior produtora no final do século XIX, a região passou a representar apenas 1% da produção nacional em 1970. Nesse mesmo período, a Bahia deteve uma produção de 95%. Mas, em 2017, a produção de cacau no Pará foi de 116.419 toneladas. Em 2018, esse número chegou a 132 mil toneladas.
Excesso de informalidade prejudica cadeia produtiva
Hyngra Nunes conta que, com a pesquisa em campo, ela pôde perceber a importância do cacau para a região. “Fiquei sete dias em Altamira, fiz entrevistas em Secretarias, com produtores e com empresários locais. Apesar de a Transamazônica ser a maior produtora de cacau do nosso estado, isso ainda não reflete de maneira positiva no local. Eles têm os maiores deficit de educação, de saúde, de economia, porque há muita informalidade dentro dessa cadeia”, revela.
A turismóloga conta que quase 90% da produção é de agricultura familiar, com pequenos e médios produtores. “Infelizmente, menos de 50% do valor gerado com a venda da produção retorna para o agricultor e, por conseguinte, não gera desenvolvimento e qualidade de vida para essas famílias”, avalia. Hyngra Nunes ressalta que, com a criação do Fundo de Desenvolvimento da Cacauicultura do Pará (Funcacau), dentro do Programa de Desenvolvimento da Cadeia Produtiva da Cacauicultura (Procacau), a produtividade paraense aumentou. Daí a importância do incentivo ao cultivo e dos financiamentos para os agricultores familiares.
“O núcleo maior de produção está dentro da Transamazônica, mas temos mais cinco regiões produzindo (sudeste paraense, nordeste paraense, Baixo Tocantins, Médio Amazonas e outros)”, aponta Hyngra Nunes. Segundo a pesquisadora, outro diferencial está no solo, principalmente na região de Medicilândia, onde é chamado de ‘terra roxa’, um solo fértil, que produz cacau de qualidade e é excelente para a produção de chocolate.
“O volume de exportação gerado com os produtos derivados da amêndoa do cacau, que possui retorno financeiro maior, aqui acontece de forma pontual. Nós só transportamos a nossa amêndoa daqui para a Bahia e São Paulo. Muito pouco é beneficiado no Pará”, aponta Hyngra Nunes. Nesse sentido, sua proposta para a região vem com o objetivo de levar renda e reconhecimento para a localidade, aliando o turismo ao desenvolvimento territorial.
Serviços incluiriam visita, divulgação e venda de produtos
Com as investigações no território, surgiu a proposta do agroturismo. “Entendemos que o cacau e o chocolate partem de um produto agroalimentar com alta qualidade nutricional. Isso explica a possilibidade de incluir o turismo como uma ferramenta dentro dessa cadeia para levar desenvolvimento aos pequenos produtores”, afirma Hyngra Suellen de Jesus Nunes. O objetivo é fazer um catálogo de serviços com dados de pequenos e médios produtores que possam receber visitas, divulgar e até vender os seus produtos, criando, assim, uma cesta de bens e serviços locais.
“O turismo requer uma infraestrutura mínima, que a região não tem ou que precisa ser melhorada, como vias de acesso, sinalização, locais de acolhimentos, hotéis e restaurantes. Essa não é uma proposta de turismo invasivo, que chega com depredação e com transformação territorial, sem beneficiar ninguém. A proposta está dentro das condições locais e deve gerar renda para essas famílias”, argumenta Hyngra Nunes. Também é importante contar com uma base de apoio com governo, associações, cooperativas e líderes comunitários.
Atualmente, existem cinco regiões produtoras de cacau no Brasil: Roraima, Amazonas, Bahia, Espírito Santo e Pará, e cada uma produz um tipo de chocolate. O chocolate feito com o cacau paraense tem a maior aceitação global, de acordo com pesquisa realizada na Unicamp. “Por muito tempo, se disse que o nosso cacau era refugo e mal fermentado. Tiravam qualquer qualidade da produção do cacau do Pará”, relembra Hyngra Nunes.
“Digo que temos muito potencial. É possível aumentar a produção, sem necessariamente expandir as áreas de produção, apenas melhorando a qualidade. Essa é uma das potencialidades que mostro neste estudo”, ressalta. Hyngra Nunes finaliza dizendo que procurou resgatar a verdadeira história do cacau e contribuir para o reconhecimento do Pará nesse ciclo.
Ed.153 - Fevereiro e Março de 2020
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