Conservação no nordeste do Pará
Pesquisa analisa recuperação florestal entre agricultores familiares
Por Flávia Rocha Fotos Joice Ferreira / Rodrigo Viellas
A conservação ambiental é um tema que, há muito tempo, tem aparecido em discussões sobre a Amazônia. Em 2019, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais registrou aumento nos números de desmatamento da região, o que atraiu a atenção de diversos países para o local. Quando se fala de preservação da Amazônia, é necessário, primeiramente, controlar a situação do desmatamento. Depois disso, uma das alternativas é a recuperação dessas florestas. Na mesorregião do nordeste do Pará, grande parte de pequenos agricultores realiza essa prática.
Dessa forma, o agrônomo Renan do Vale Carneiro desenvolveu a dissertação Experiências de recuperação florestal praticadas por agricultores familiares do Nordeste do Pará, pelo Programa de Pós-Graduação em Agriculturas Amazônicas (PPGAA/INEAF), sob orientação da professora Lívia de Freitas Navegantes Alves. “Nós tentamos observar as experiências dos agricultores familiares em relação à recuperação florestal. Não queríamos criar um modelo e levar para os agricultores, mas, sim, tentar aprender com eles”, afirma Renan Carneiro. A pesquisa também contou com o apoio do Projeto Refloramaz e da Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa).
Segundo o pesquisador, recuperação florestal significa fazer com que uma área volte a ter suas características e funções ecológicas com certa intervenção. Não há possibilidade de retorno à mata primária, mas consegue-se voltar às funções ecológicas desse sistema por meio de inclusão de espécies vegetais. Para isso, é preciso ter certo nível de diversidade de espécies. O estudo ressalta que políticas públicas e legislações existentes sobre o assunto tentam padronizar um certo número de diferentes tipos de árvores em um arranjo.
Foi realizado um levantamento de 60 experiências em quatro municípios da mesorregião nordeste do Pará: Capitão Poço, Irituia, Bragança e Tomé-Açu. “Nós escolhemos esses municípios porque vimos que lá existem experiências interessantes de agricultores fazendo recuperação florestal. Como os municípios têm contextos sociais e históricos diferentes, as experiências não seriam tão parecidas. O nordeste paraense é uma das regiões mais antigas de colonização da Amazônia, existem pessoas que já residem lá há muito tempo, e isso traz características bem particulares”, explica o agrônomo.
Capoeira e quintal agroflorestal são comuns
A dissertação está dividida em três partes. Na primeira, foi feita uma tipologia das recuperações. De acordo com o estudo, a Amazônia possui um nível de regeneração natural muito alto, isto é, quando uma área desmatada cresce sozinha, depois de um tempo sem ser mexida.
Também chamada de capoeira, essa técnica de recuperação florestal é comum entre os pequenos agricultores. Outro tipo bastante comum é o quintal agroflorestal, no qual plantas são cultivadas ao redor da casa. Essa área tem a função de sombrear o local com espécies frutíferas, geralmente aquelas que a família gosta de consumir.
Foram encontrados cinco tipos de recuperação ao todo. Os outros três são sistemas agroflorestais, ou SAF, que significa cultivar, numa mesma área, diversas espécies de plantas em um certo arranjo, diferente da monocultura, que propõe o plantio de uma só espécie. O código florestal permite que florestas sejam recuperadas com o SAF.
“Existem SAFs com três ou quatro espécies de plantas e outros com 70. Assim, o agricultor decidiu aos poucos onde ele ia colocar cada espécie, de acordo com a luminosidade, o espaçamento entre uma planta e outra. Os sistemas mais complexos (com maior variedade de plantas), do ponto de vista da biodiversidade, são mais interessantes. Porém, do ponto de vista da produção, nem tanto, porque você tem ‘um pouco de tudo’ e fica mais difícil de escoar a produção”, expõe o pesquisador.
Na segunda parte, a dissertação busca entender quais são as maneiras de incentivo para essas experiências, como as políticas públicas existentes, e verificar quais experiências motivaram esses agricultores a fazer recuperação florestal. O estudo aponta que, quando esses agricultores se organizam socialmente em forma de cooperativas ou de associação, há grande contribuição para que eles consigam avançar nessas experiências. Um exemplo é a Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (CAMTA), que é antiga e renomada, e vende produtos provenientes de áreas de recuperação florestal.
O terceiro e último capítulo abordou a trajetória da recuperação florestal nos municípios, com base em uma análise espaço-temporal desses processos e como a incorporação dessas práticas afetou a área. Para isso, foram visitadas duas propriedades com tipos diferentes de recuperação para verificar o que elas tinham em comum e quais foram as suas trajetórias de reabilitação. Uma propriedade era em Bragança; e a outra, em Tomé-Açu. Foi feita uma caracterização da história de cada município e como o contexto influenciou essa experiência.
História influencia a escolha da técnica a ser adotada
“Na década de 1920, os imigrantes japoneses foram incentivados pelo Brasil a migrarem para cá. O primeiro lugar de imigração japonesa na Amazônia foi Tomé-Açu. Eles começaram a plantar pimenta-do-reino, uma cultura com a qual estavam bastante familiarizados. Eles plantavam a pimenta em monocultivo, o que pode causar alguns problemas, pois, quando a biodiversidade inicial do lugar é retirada, a plantação fica mais propensa ao aparecimento de pragas e doenças. Na década de 1970, esse sistema começou a entrar em crise, com a devastação de muitos pimentais. Então, os agricultores tentaram mudar a maneira de produzir e isso resultou no uso da técnica de sistema agroflorestal. O plantio em SAF gerou mais sombra para as pimenteiras, trazendo alguns benefícios para elas, como o prolongamento da vida”, conta Renan Carneiro.
Para muitos desses agricultores, a conservação do meio ambiente é uma questão de tradição, mas também de sobrevivência. “As pessoas que mais sofrem com o desmatamento são as que mais dependem daqueles recursos naturais. Então eles têm notado os problemas ambientais na prática”, afirma Renan Carneiro. “Além disso, observei que muitos filhos de agricultores têm tido mais acesso à educação e, assim, são profissionais formados que também trabalham no campo. Isso incentiva a preocupação ambiental, pois eles sabem o que estão fazendo e o quanto esse trabalho é importante. Eles estão motivados a fazer isso”, revela o agrônomo.
Renan Carneiro também afirma que algumas políticas públicas poderiam encorajar essa prática cada vez mais. “Em todo o país, os municípios são obrigados a comprar, pelo menos, 30% da merenda escolar, a partir de produtos desses agricultores. Nos casos em que essa política é seguida, isso serve de incentivo para a recuperação. Há também o nicho de mercado formado pelo público que quer consumir alimentos produzidos de forma mais sustentável. As feiras de agricultura familiar encurtam a distância entre produtor e consumidor, tornando o preço pelo produto mais justo. Essas oportunidades também proporcionam a interação entre os agricultores, o que permite o compartilhamento de informação”, finaliza.
Saiba mais
Foram escolhidos 15 agricultores de cada uma das localidades: Bragança, Capitão Poço, Irituia, Tomé-Açu.
A técnica mais usada em Bragança foi regeneração natural; em Capitão Poço, quintal agroflorestal; em Irituia, SAF altamente diversificado; e em Tomé-Açu, SAF pouco diversificado.
Algumas das espécies mais cultivadas entre os agricultores familiares do nordeste do Pará são: açaí, banana, cupuaçu, cacau, caju, coco, laranja, limão, pimenta-do-reino e pupunha.
Ed.154 - Abril e Maio de 2020
Redes Sociais