Ir direto para menu de acessibilidade.

GTranslate

Portuguese English Spanish

Opções de acessibilidade

Início do conteúdo da página

Resenha

Publicado: Segunda, 13 de Abril de 2020, 21h07 | Última atualização em Segunda, 27 de Abril de 2020, 21h34 | Acessos: 3593

O nu e o vestido no carnaval carioca

Por Walter Pinto Foto Reprodução

Em Corpo e alma do desfile da Sapucaí, a atriz, professora e pesquisadora de arte popular Margaret Refkalefsky envereda pelas entranhas de uma escola de samba do Rio de Janeiro, para propor uma leitura dionisíaca do desfile carioca. É pela ótica do teatro que a autora analisa a montagem do que Joãozinho Trinta conceituou como um “tipo de ópera”, embora ressalte que o espetáculo das escolas de samba seja formado por uma imbricação de várias linguagens artísticas, articuladas de forma harmônica e coerente.

Atriz formada pela Escola de Teatro da UFPA, Margaret Refkalefsky participou da criação do Teatro Cena Aberta, com atuação destacada nas décadas de 1970 e 1980, quando o grupo liderado por Luís Otávio Barata demarcou o anfiteatro da Praça da República como palco de suas apresentações em protesto contra a política cultural oficial vigente na época. Era o teatro saindo do palco clássico para as ruas, em interação direta com o público, uma experiência que a atriz reconhece no desfile das escolas de samba.

Para a pesquisadora, que fez parte do quadro técnico-administrativo da UFPA e coordenou o projeto de criação do Teatro Universitário Cláudio Barradas, o espetáculo das escolas de samba é um produto artístico novo, que incorporou aos elementos tradicionais – danças, ritmos, percussão - elementos modernos exógenos e do imaginário autóctone. Essa mixagem antropofágica obrigou a instauração de um novo espaço cênico, diferente de todos os espaços teatrais conhecidos: o sambódromo.

Foi nesse espaço que o desfile se “transformou em nova forma de arte cênica e, como tal, uma nova forma de pensar o corpo”, diz Margaret, fazendo emergir o principal elemento da sua análise: o corpo, nu e vestido. Em 272 páginas, o livro volta às origens fundantes das escolas de samba, às raízes afromísticas do samba, espaço de resistência das comunidades negras marginalizadas da sociedade carioca.
As mulheres, por muito tempo sem espaço em virtude do ambiente machista do samba, ganham destaque na narrativa límpida da autora. Nas casas das “tias” – Tomásia, Ciata, Amélia, Prisciliana, Veridiana, Fé, Ester, entre outras –, o samba vai se desenvolver como ritmo por excelência do carnaval, oferecendo um berço para as futuras escolas de samba.

A obra parte do samba rumo ao grande desfile na Sapucaí, num percurso que analisa a transformação dos antigos ranchos em blocos carnavalescos e, posteriormente, em escolas de samba; além do processo de renovação pelo qual passaram as escolas, reconhecendo como protagonistas os carnavalescos Fernando Pamplona e Arlindo Rodrigues. Chega-se, então, à montagem do carnaval de uma escola de samba do grupo especial, a Porto da Pedra, de São Gonçalo, Rio de Janeiro, para o desfile de 2003.

Na segunda parte do livro, a autora analisa o corpo no espetáculo. Busca responder a questões como: Que corpo o desfile coloca em cena? Como as pessoas se inserem no espetáculo? Quais os locais mais representativos do desfile? Partindo da relevância que o figurino assume para o espetáculo, a autora investiga o corpo fantasiado, elegendo como foco a ala das baianas, comum a todas as escolas. A ala desfila com o corpo todo coberto e mantém a silhueta intocável ao longo dos anos. Foi nela que Margaret, a convite do carnavalesco, desfilou na escola.

Em oposição ao corpo vestido das baianas, há o corpo nu das rainhas ou madrinhas de bateria. Como ressalta a autora, a nudez é um fenômeno recente no carnaval, emergindo em meados da década de 1970 pelas mãos de Joãozinho Trinta. No entanto, como as situações de nudez são constantes em todos os desfiles, a autora passou a considerá-la como uma forma de fantasia. Entende que a nudez, como elemento do espetáculo, ao permitir teatralizar o corpo das foliãs, concede ao corpo nu a noção de fantasia.

Em seguida, analisa os contrastes entre baianas e madrinhas de bateria baseando-se em três filtros: o corpo real, o corpo lúdico e o corpo fictício, para estabelecer, com auxílio do filósofo francês Pierre Bourdieu, as principais características dessas personagens: Madrinha de bateria – prestígio, fama, nudez, individualismo, personalismo, alto ou médio poder econômico; Baianas – memória ativa da escola, tradição, religiosidade, vestimenta, coletividade, anonimato e médio ou baixo poder econômico.

Corpo e alma do desfile da Sapucaí é um livro de leitura fluente que interessa não só aos estudiosos do tema como também a todos que desejarem conhecer o carnaval pela ótica de quem vivenciou a construção do desfile e analisou-o com o instrumental da ciência.

Serviço: Corpo e alma do desfile da Sapucaí. Autora: Margaret Refkalefsky. Editora Cultural Brasil, 2019. 272 páginas. À venda na Livraria Fox.

Ed.154 - Abril e Maio de 2020

Adicionar comentário

Todos os comentários estão sujeitos à aprovação prévia


Código de segurança
Atualizar

registrado em: ,
Fim do conteúdo da página