Números ao alcance dos dedos
Recursos táteis aproximam aritmética de alunos com surdocegueira
Por Adrielly Araújo Fotos Acervo da Pesquisa
De acordo com a AHIMSA- Associação Educacional para Múltipla Deficiência, a surdocegueira é uma deficiência particular que apresenta, simultaneamente, perdas auditivas e visuais em diferentes graus, levando a pessoa a desenvolver diferentes formas de comunicação para interagir com a sociedade.
Por se tratar de uma deficiência única e com características específicas, principalmente no que se refere à comunicação, à informação e à mobilidade, essas pessoas necessitam de um atendimento educacional especializado, diferente daquele destinado ao cego ou ao surdo.
A surdocegueira é classificada em dois grupos: a congênita, quando a pessoa nasce com a deficiência; e a adquirida, quando a pessoa nasce com perda visual ou auditiva, adquirindo a outra no decorrer da vida. Em ambos os casos, há o desafio de comunicação, que pode resultar no isolamento da pessoa surdocega. Para que isso não ocorra, é importante que haja intervenção adequada, levando em consideração as especificidades da deficiência.
Pensando nisso e observando a escassez de estudos na área, o pesquisador Felipe Moraes dos Santos defendeu a dissertação Propostas no ensino de aritmética para pessoas com surdocegueira, orientada pelo professor Elielson Ribeiro de Sales e apresentada no Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemáticas (PPGECM/IEMCI) da UFPA.
“A pessoa acometida pela surdocegueira apresenta os sentidos auditivo e visual prejudicados, implicando dificuldades para manter a atenção em atividades aritméticas, que consistem na apresentação dos princípios de contagem e podem parecer teóricos na apresentação de numerais, exigindo maior concentração por parte do aluno”, explica o pesquisador ao falar sobre a importância do estudo.
Ao longo do tempo, a humanidade utilizou materiais tangíveis para situações matemáticas, desde as réguas egípcias até a numeração sexagesimal babilônica baseada nas falanges dos dedos. Esses conhecimentos foram essenciais para a realização do estudo, pois os métodos de ensino já pesquisados apontam o sentido tátil como excelente ferramenta de comunicação para esse público.
“O intuito da pesquisa consistiu em elaborar e aplicar propostas de aulas de aritmética para estudantes com surdocegueira, sendo as propostas baseadas em episódios da História da Matemática e a utilização de materiais tangíveis”, esclarece o autor.
Vivência com discentes direcionou demandas do estudo
A pesquisa se deu em três etapas: pesquisa documental sobre surdocegueira no Brasil, pesquisa bibliográfica sobre os episódios da História da Matemática e pesquisa com o público surdocego, resultando no estudo de caso.
Inicialmente, o autor foi inserido em uma escola de educação especializada de Belém que atende ao público de alunos alvo da pesquisa, na qual verificou as demandas e as possíveis condições de aplicabilidade do estudo. Em seguida, Felipe Moraes dos Santos procurou entender os motivos que influenciaram o início do atendimento às pessoas com surdocegueira no Brasil. “Utilizando, nesta etapa, a metodologia documental, recorri aos antiquários para localizar registros publicados em jornais e revistas sobre a temática na década de 1950”, relata o pesquisador.
Ao examinar periódicos como o Correio Paulistano, o Diário de Notícias e a Revista do Rádio, Felipe Santos compreendeu que o interesse em socializar e cuidar desse público começou com a visita de Helen Keller ao Brasil.
Palestrando na Universidade de São Paulo e no Instituto de Cegos Benjamin Constant, Helen Keller, que era surdocega, possibilitou a ida de pesquisadores aos Estados Unidos a fim de se especializarem e, ao retornarem, proporcionarem os primeiros atendimentos aos estudantes com a deficiência no país.
Ao ter contato com um estudante com dificuldade em manter a atenção e compreender o significado de algumas numerações que representavam quantidade, Felipe Santos estudou as especificidades da surdocegueira associadas aos estudos em Educação Matemática.
Analisando o uso de objetos tangíveis que trouxessem consigo o caráter matemático de contagem e o caráter histórico para capturar a atenção do estudante, o pesquisador optou pelos artefatos disponibilizados pelo Royal Belgian Institute of Natural Sciences para a realização do estudo.
Durante o estudo de caso, o pesquisador traçou o perfil do estudante, sua história pregressa, dificuldades e potencialidades. Entre as potencialidades, teve destaque a habilidade para o desenho utilizando um mínimo resquício visual, um facilitador para a obtenção dos resultados da pesquisa.
Réplica do osso de Ishango provoca nova experiência
Com base nas pesquisas do Royal Belgian Institute of Natural Sciences, Felipe Moraes dos Santos confeccionou uma réplica do osso de Ishango, que representa os padrões de contagem decimal, sendo, por vezes, chamado de calculadora primitiva. “Por apresentar ranhuras sensíveis ao tato e uma ambientação histórica, procuramos incentivar o estudante que, tal como esses povos, também poderia compreender os princípios de numeração”, explica o autor.
Ao ser apresentado à réplica do osso de Ishango, o estudante questionou do que se tratava. Por meio da língua de sinais tátil, ele compreendeu que era uma réplica da fíbula de um babuíno com ranhuras e que cada ranhura representava quantidade. Desse modo, o estudante tocou o objeto e teve o entendimento matemático de quantidade, em que a quantidade 1 se tornou algo tátil e com história, não uma simples representação gráfica. O estudante também percebeu que a noção de quantidade não é um recurso recente e que esse entendimento pode ajudá-lo no cotidiano, como em sua administração financeira.
“Os episódios da História da Matemática, vinculados a materiais tangíveis, podem capturar a atenção dos estudantes com surdocegueira e facilitar a explicação sobre como ocorre a construção de quantidades e as noções aritméticas fundamentais para o entendimento da Matemática como disciplina”, avalia Felipe dos Santos.
O pesquisador ainda pretende realizar oficinas acerca do tema na Universidade Federal do Pará, buscando difundir o conhecimento sobre o assunto, com o Grupo de Pesquisa em Educação em Ciências, Matemáticas e Inclusão – Ruaké, coordenado pelo professor Elielson Sales, que também contribuiu com o estudo. Felipe, com as potencialidades do ensino de Matemática para estudantes com surdocegueira, deseja, ainda, divulgar os resultados em plataformas de vídeo para alcançar um público maior.
Beira do Rio edição 157
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