Opinião
A crise hídrica no Brasil
Por Norbert Fenzl Foto Acervo Pessoal
A mídia divulgou amplamente que a crise hídrica no Brasil está sendo a pior dos últimos 91 anos e que os impactos e os múltiplos problemas decorrentes já estão sendo sentidos em todas as áreas da sociedade e da economia. Isso é grave e requer uma análise detalhada.
Apesar de culparmos as mudanças climáticas e a falta de chuva, é importante analisar todos os fatores e as causas da atual crise hídrica. Modificações e variações do regime das precipitações ocorrem sempre, e a sociedade, sobretudo nos centros urbanos, também sofre profundas transformações, não somente em tamanho populacional, mas também nas formas de uso dos recursos hídricos.
Geralmente, chama-se “crise hídrica” quando há falta de água para abastecimento das cidades brasileiras. Acontece que a distribuição das precipitações é extremamente irregular no planeta e é submetida a grandes variações no decorrer do tempo. A falta de chuva é um fenômeno meteorológico que não podemos controlar, portanto é necessário (i) um processo permanente de adaptação, educação, investimentos e inovações tecnológicas e (ii) a criação de sistemas de alerta e de previsão para enfrentar a chamada crise hídrica. Em outras palavras, reclamar do clima ou da falta de chuva não resolve absolutamente nada.
Os principais problemas que podemos e precisamos enfrentar:
• A falta e a deficiência da infraestrutura de abastecimento que não acompanham o crescimento da população, agravadas pela falta de manutenção dos sistemas de distribuição que, em certas cidades do país, chega a 50% de perdas nas tubulações;
• O desperdício do consumidor devido à falta de educação para um consumo racional de água e redução de desperdícios;
• O aumento do consumo de água devido ao crescimento da população e às atividades agrícolas e industriais. De acordo com a Agência Nacional de Águas (ANA), a irrigação agrícola usa 72 litros de cada cem litros de água consumidos;
• A falta de investimentos e de fontes alternativas de uso e captação, tais como reuso das águas em sistemas inteligentes e uso das águas da chuva;
• O desmatamento massivo da floresta amazônica causa distúrbios do ciclo hidrológico regional e é responsável, em boa parte, pelas mudanças da distribuição e da intensidade das chuvas em grande parte do continente latino-americano. Quase 80% das áreas desmatadas da Amazônia tornaram-se passagens ou florestas em regeneração.
A privatização do saneamento básico, por meio da Lei 14.026/2020, impede a contratação das empresas públicas sem disputar uma licitação com empresas privadas. Enquanto o setor privado comemora a aprovação da lei, parlamentares e entidades da sociedade civil criticam o novo marco baseados em experiências internacionais que demonstraram o fracasso da privatização. Segundo um estudo do Instituto Transnacional (TNI) da Holanda, entre os anos de 2000 e 2019, 312 cidades em 36 países reestatizaram seus serviços de tratamento de água e esgoto devido a preços abusivos e à piora significativa dos serviços.
A crise energética. No Brasil, 62% da energia do Brasil é gerada em usinas hidrelétricas de grandes dimensões. Baixos níveis de água nos reservatórios causam racionamento, escassez e aumento dos preços de energia, o que leva a um aumento da inflação. Entre 2014 e 2016, a crise hídrica causou uma inflação registrada de 10,67%, a mais alta desde 2002. Na crise atual, a inflação de 2021 deve chegar a 8%.
Os efeitos desastrosos das crises hídricas podem ser evitados ou mitigados se houver uma política de investimentos consistente em diferentes setores da economia nacional. Todos os problemas listados acima crescerão com a população, e novos problemas surgirão se não forem tomadas medidas urgentes desde já.
Norbert Fenzl - doutor em Hidrogeologia e Gestão de Recursos Hídricos (Universidade de Viena), com pós-doutorado em Ciências Ambientais (Universidade Técnica de Viena). É pesquisador e professor titular aposentado do Núcleo de Meio Ambiente (NUMA/UFPA).
E-mail: nfenzl01@gmail.com
Beira do Rio edição 161
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