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A indumentária na Festa da Marujada

Publicado: Sexta, 17 de Dezembro de 2021, 19h01 | Última atualização em Sexta, 17 de Dezembro de 2021, 19h01 | Acessos: 1792

Tese busca suprir carência de estudos sobre trajes dos folguedos amazônicos

Fotografia de uma mulher negra. Ela olha em direção à câmera. Usa um traje típico da Marujada, composto por blusa branca, uma fita vermelha, colocada na diagonal do corpo. Do lado direito da blusa, há uma flor vermelha. No pescoço, colares de contas nas cores vermelha e branca. Ela usa também um chapéu de maruja.
Fotografia de uma mulher negra. Ela olha em direção à câmera. Usa um traje típico da Marujada, composto por blusa branca, uma fita vermelha, colocada na diagonal do corpo. Do lado direito da blusa, há uma flor vermelha. No pescoço, colares de contas nas cores vermelha e branca. Ela usa também um chapéu de maruja.

Por Walter Pinto Foto Alexandre Baena

No Pará, o culto a São Benedito é festejado com um dos folguedos mais originais da cultura brasileira, a Festa da Marujada, que tem, na região nordeste do estado, o seu grande polo irradiador. Cidades como Tracuateua, Capanema, Quatipuru e Bragança, principalmente esta última, dedicam ao santo um longo calendário de festejos, que se inicia no mês de maio, com a esmolação em praias, campos e colônias; tem seu apogeu em dezembro, com a Dança da Marujada; e se encerra no primeiro dia de janeiro, com a despedida festiva. Em Bragança, a principal cidade da região nordeste do Pará, a tradição iniciou há 223 anos.

A Marujada bragantina, como as demais que ocorrem no Pará, difere da Marujada encenada em algumas regiões do Brasil, apresentada como um auto sobre um acidente marítimo de uma nau chamada Catarineta, possivelmente introduzida no país por tradição portuguesa. No Pará, o mito de origem refere-se a quatorze escravizados que pediram autorização aos seus senhores para homenagear São Benedito. Tendo o pedido autorizado, saíram dançando pela cidade, repetindo o ato a cada ano. A festa foi o ponto de partida para a constituição da Irmandade do Glorioso São Benedito e para a construção da igreja de mesmo nome pelos escravos, no centro de Bragança, à beira do rio Caeté.

A fortuna crítica acerca da Festa da Marujada está em expansão, desde o estudo de Armando Bordallo da Silva, Contribuição ao Estudo do Folclore Amazônico na Zona Bragantina, publicado em 1981. Entre os estudos mais recentes, Dedival Brandão da Silva realizou pesquisa antropológica sobre a construção da identidade na Irmandade do Glorioso São Benedito, em Os Tambores da Esperança (1997). Dário Benedito Silva estudou a disputa entre Igreja e Irmandade pelo controle da festa, na dissertação Os Donos de São Benedito: convenções e rebeldias na luta entre o catolicismo tradicional e devocional na cultura de Bragança, século XX (2006). José Guilherme Fernandes pesquisou a esmolação no estudo Pés que andam, pés que dançam: memória, identidade e região cultural na esmolação e marujada de São Benedito em Bragança, PA (2011). O mais recente estudo sobre a Marujada bragantina é o de Graziela Ribeiro Baena, Entre marujas e marujos: recortes sobre o vestir no culto a São Benedito em Bragança, tese defendida no Programa de Pós-Graduação em Artes (PPGArtes/ICA) da UFPA, em 2020, na qual a pesquisadora centrou o foco sobre o figurino, um dos principais elementos identitários da grande festa dos bragantinos.

Referências eurocêntricas predominam nas grades curriculares

O interesse de Graziela Baena pelo estudo do figurino na Marujada surgiu da sua experiência como professora das áreas de Moda, Indumentária e Figurino, observando o características do eurocentrismo nas grades curriculares. “Comecei a perceber que os Planos de Cursos e de Ensino priorizavam informações sobre o traje europeu e muito pouco ou quase nada sobre trajes de outros lugares do mundo”, afirma. Essa quase ausência de referências locais, em âmbito brasileiro ou amazônico, motivou-a a estudar uma indumentária que fosse amazônica.

Quando escreveu seu projeto de pesquisa para a seleção do doutorado em 2015, o tema inicial era mais amplo, incluindo também o Pássaro junino e o Boi de máscara de São Caetano de Odivelas. A pesquisa estudaria os trajes e seus “fazedores”, mas a autora reviu o tema para a qualificação, concentrando-se na indumentária da Marujada, por indicação da orientadora, a professora Wlad Lima. 

O trabalho resultou em estudo bastante amplo sobre a indumentária da Marujada como representante dos trajes de folguedos amazônicos. “Muitas nuances, no entanto, surgem no estudo, pois tive que me situar em um contexto maior, que passa pelo mito da origem do culto e chega até as pessoas que realizam a festividade, hoje, entre elas, as costureiras”, informa a autora.

Além de docente, Graziela Ribeiro Baena é figurinista. Durante a produção do texto da tese, ela relacionou a etapa ao ato de costurar, consciente de que estava “juntando as partes”. Natural, portanto, a estrutura da tese ser disposta em camadas, como as saias das marujas, delimitando os capítulos. A ideia surgiu no trabalho de campo realizado em 2017. “Uma das experiências que essa vivência me trouxe foi a de acompanhar a procissão de São Benedito como promesseira, vestida de maruja. Minha saia foi confeccionada em Bragança, pela costureira Helenice e era dividida em quatro camadas. Então, me apropriei daquelas camadas para propor a evolução do meu trabalho em quatro camadas”, explica a autora.

“Coração da tese” traz relato de costureira e artesã

Na primeira camada, a autora expõe a metodologia da pesquisa e o contexto do desenvolvimento do culto a São Benedito, em Bragança. Na segunda, trata das diversas formas de vestir dos membros da Irmandade e de promesseiros, além de abordar adereços como chapéus, colares e maquiagem. A terceira camada, que Graziela Baena considera “o coração da tese”, contém relatos das pessoas que fazem a indumentária e cuidam da propagação da tradição, representadas pela costureira Helenice e pela artesã de chapéus Teresa O’Grady. A quarta e última camada consiste em aspectos conclusivos e trata de questões identitárias provocadas pelo traje. No desenvolvimento dessa última camada, a pesquisadora conta que surgiu a ideia de produzir um livreto que resumisse a forma “ideal” de vestir as promesseiras, baseada em entrevistas com Helenice, Teresa e Dona Bia, a capitoa da Marujada. A ideia materializou-se em publicação, premiada pela Lei Aldir Blanc de Emergência Cultural – Pará.

Graziela Baena é bacharela em Moda e acompanha, há mais de dez anos, as pesquisas sobre traje e indumentária no meio acadêmico brasileiro, inclusive como participante de redes de pesquisadores que se debruçam exclusivamente sobre traje de cena e traje de folguedo. “A minha formação acadêmica se deu toda em Belém. Quando iniciei o mestrado, em 2010, também busquei um tema relacionado ao traje e a quem o confeccionava. Concentrei minha pesquisa no Mestre Nato, artista, cenógrafo e figurinista do bairro Guamá. À época, havia pouco espaço para pesquisadores que se interessassem por este tipo de tema na cidade, por isso me considero uma pessoa afortunada por ter, naquela ocasião, encontrado um programa de pós-graduação que aceitasse estudos deste gênero, como o PPGArtes, do Instituto de Ciências da Arte da UFPA”, lembra.

Como pesquisadora, Graziela passou a frequentar e apresentar trabalhos em eventos acadêmicos nacionais e internacionais, o que foi importante para a consolidação das suas referências bibliográficas, “que passam por Roland Barthes, João Affonso, Mara Rúbia Sant’Anna e muito fortemente pelas publicações dos professores Fausto Viana (ECA/USP) e Isabel Italiano (EACH/USP), que estão à frente de estudos muito importantes sobre trajes no Brasil”, informa. Na produção da tese, ela também teve acesso a trabalhos de pesquisadores bragantinos, que, dessa forma, contribuíram para o seu entendimento sobre a indumentária da Festa da Marujada.

Serviço:

A tese Entre marujas e marujos: recortes sobre o vestir no culto a São Benedito em Bragança está disponível no link https://drive.google.com/file/d/1X6gO0AfvVSXeVQe-Cn5GnA9wjovSyMKk/view   

Autora: Graziela Ribeiro Baena. Ano: 2021.

Beira do Rio edição 161

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