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Homenagem

Publicado: Quinta, 27 de Janeiro de 2022, 17h57 | Última atualização em Quinta, 27 de Janeiro de 2022, 18h03 | Acessos: 842

José Carlos Dias Castro, o arauto dos Direitos Humanos

“A construção de hidrelétricas e o planejamento de grandes projetos são viáveis, mas o respeito ao homem e à natureza é mais importante que o capital, pois revela a face dos direitos humanos e da cidadania. Com liberdade e cidadania o Brasil poderia alcançar a verdadeira democracia.” (Castro, 1996: 178).

Por Jane Felipe Beltrão Foto Acervo Pessoal

Poucas pessoas são arautos/as, pois a tarefa pertence aos que são comprometidos/as e enxergam o final do túnel, que, a princípio, parece escuro. José Carlos Dias de Castro era um arauto que lutava diuturnamente para que o final do túnel não aflorasse na Amazônia, pois as perspectivas não eram alvissareiras.

No dia a dia, em tempos ditatoriais (1964-1985), sua rotina foi incansável, para além do anúncio das mazelas que se avizinhavam e das denúncias que fazia por causa de injustiças e perseguições que se esparramaram como erva daninha sobre nós.  Agia em prol de presos políticos, fossem eles/as nossos/as colegas (estudantes e docentes) da Universidade Federal do Pará, lideranças camponesas, indígenas, sindicalistas, que, perseguidos/as, foram acolhidos por José Carlos. Muitos foram os processos, as ameaças, os desaparecimentos forçados, as prisões arbitrárias nos quais atuou para proteger os direitos dos/as injustiçados/as, sem medir esforços e sem pensar em honorários. À primeira hora, o que interessava era a liberdade, pois sem ela não há vida, e a vida sem liberdade deixa de ser desejada.

Pela ação comprometida e atuante, meu querido colega e amigo pagou alto preço. Foi obrigado a fazer mais de um concurso para docente da UFPA, pois, mesmo aprovado e altamente capacitado, era impedido pelos cerceadores da liberdade viventes no Serviço Nacional de Informação (SNI) de assumir a vaga brilhantemente conquistada. Um belo dia, acho que aproveitando a pachorrenta sesta dos algozes, assumiu o posto conquistado no hoje Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), àquela altura chamado Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), no Departamento de Filosofia, unidade acadêmica hoje extinta pela reforma do estatuto e do regimento da Instituição.

O meu colega, além de bacharel em Direito, cursou Licenciatura Plena em História. Foi lá que me tornei sua amiga. À época, ele era gerente da Editora do Brasil e, como fazíamos História, passávamos horas discutindo a precariedade dos livros didáticos e sonhando com a possibilidade de reformulá-los à moda Paulo Freire, para que a utopia do analfabetismo se afastasse da Amazônia. Éramos “caçadores /as de fantasmas” que teimavam em nos assustar e que, ainda hoje, pairam como anátemas a impedir a cidadania plena. A mudança do Brasil e, em particular, da Amazônia era o horizonte daquele moço, cujas ideias não envelheceram, continuaram vida afora, “sempre-vivas”.

Hoje, as palavras de José Carlos, que revisitei no texto Hidrelétrica, Natureza e Cidadania, parecem atuais, vejam que ele escreveu no plural “construção de hidrelétricas” e sabemos nós que o arco das barragens se faz presente na Amazônia, assemelhando-se ao cerco que antes parecia ser feito unicamente pelos grandes proprietários de terras que trocavam floresta por pasto, transformavam camponeses – indígenas e não indígenas em peão.

O arauto tomou o plural para identificar precocemente os muitos cercos que nos prendem: garimpos, mineradoras, desmatamentos, enchentes, mudanças catastróficas para as quais José Carlos chamou atenção. Não sei bem se duvidamos do colega ou se estivemos de braços atados nos últimos 25 anos, ou as duas coisas, pois tivemos momentos de aurora, mas, hoje, estamos na brenha que parece o fumeiro que exala nuvem densa de fumaça, quando o seringueiro cria as bolas de balata.

Esquecemos como nos livrar da fumaça, deixamos de lado os conhecimentos tradicionais, abandonamos nossos/as mestres/as? Acho que não. José Carlos era bom professor e, agora, seguindo seu exemplo e dos muitos movimentos sociais perto dos quais se manteve até a passagem para uma nova dimensão, precisamos chamar, não apenas os nomes dos/as nossos/as combatentes, para se fazerem presentes, precisamos despertar como o brado “de presente” para acordar a todos/as os/as cidadãos/ãs que desejam mudar o Brasil e promover, em homenagem ao nosso colega, a aurora que valorize e respeite os Direitos Humanos que ele defendeu com denodo.

A primavera nos aguarda e, para bons/boas combatentes, não precisamos de muitas palavras. As que lembrei, ditas pelo nosso arauto, profeta ou simplesmente Zé Carlos, nos acordarão! E apesar dos ogros, o infinito iluminará nossas esperanças, assim como queria o meu amigo. Obrigada, Zé Carlos, por existir e se fazer presente, nos permitindo a amizade!

 Jane Felipe Beltrão – Professora titular da UFPA e pesquisadora do CNPq, mas me contento em ser amiga do arauto e poder gritar: “José Carlos Dias de Castro: presente!” E-mail: janebeltrao@gmail.com

Referência

Castro, José Carlos Dias de Castro. 1996. “Hidrelétrica, Natureza e Cidadania” In: Magalhães, Sonia Barbosa; Brito, Rosyan Caldas & Castro, Edna Ramos de. (orgs.) Belém: MPEG/UFPA/UNAMAZ, pp163-178.

Beira do Rio edição 161

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