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Quem lutou e morreu pela terra?

Publicado: Terça, 15 de Março de 2022, 17h55 | Última atualização em Terça, 15 de Março de 2022, 19h10 | Acessos: 1779

Projeto reúne memórias de vítimas de conflitos agrários no Pará

#ParaTodosVerem: Ilustração mostra duas pessoas trabalhando em uma plantação. Em primeiro plano, um homem utiliza uma enxada. Ele está de calça azul, chapéu amarelo e camisa cinza contendo o texto ‘’terra luta liberdade’’. Em segundo plano, uma mulher utiliza uma picareta. Ela está de chapéu amarelo e usa camisa e calça na cor verde
#ParaTodosVerem: Ilustração mostra duas pessoas trabalhando em uma plantação. Em primeiro plano, um homem utiliza uma enxada. Ele está de calça azul, chapéu amarelo e camisa cinza contendo o texto ‘’terra luta liberdade’’. Em segundo plano, uma mulher utiliza uma picareta. Ela está de chapéu amarelo e usa camisa e calça na cor verde

Texto e Ilustração por Walter Pinto

Recuperar parte da trajetória de homens e mulheres que tombaram no processo de luta pela terra no estado do Pará a partir da década de 1980 é o objetivo do Projeto de Extensão “Luta pela terra na Amazônia”, coordenado pelo professor Rogério Henrique Almeida, do curso de Gestão Pública e Desenvolvimento Regional da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), em parceria com o professor Elias Diniz Sacramento, do Campus Universitário de Cametá, da UFPA.

O projeto pretende dar visibilidade às trajetórias de dirigentes sindicais, camponeses, advogados e religiosos que lutaram contra o latifúndio, a exploração de trabalhadores rurais, em defesa da reforma agrária, pagando com a própria vida, como aconteceu com João Canuto, Expedito Ribeiro, Virgílio Serrão Sacramento; com os religiosos Josimo Moraes Tavares e Adelaide Molinari e com os advogados Gabriel Pimenta, Paulo Fonteles e João Batista, entre outros.

Segundo Rogério Almeida, a década de 1980 deu início ao período mais sangrento na luta pela terra no Pará. São daquela década os assassinatos de José Ferreira Lima, o Gringo; de membros da família Canuto e de Expedito Ribeiro. Os crimes por questões agrárias não cessaram. O casal de extrativistas José Cláudio e Maria do Espírito Santo, de Nova Ipixuna, por exemplo, foi executado em maio de 2011.

“Nestes cenários de disputas, temos a violência como elemento estruturante na dinâmica da ‘conquista’ da Amazônia, onde o assassinato de camponeses e de outros sujeitos colocados em condições de subalternização reeditam os primórdios do processo de acumulação capitalista”, afirma o coordenador do projeto. Rogério cita como exemplo a região sudeste do Pará, que se tornou “a região mais letal na luta pela terra, não por acaso é a que mais desmata e que rivaliza com o Mato Grosso em denúncias de trabalho escravo”. Tal situação, entende Rogério Almeida, constituiu-se em um desdobramento dos processos de políticas desenvolvimentistas na Amazônia.

No campo, prevalecem as coerções pública e privada 

Ao se debruçar sobre o tema, Rogério Almeida observa que a violência no meio rural é resultado de duas formas de coerção, a pública e a privada. A primeira é “marcada pela contribuição de agentes públicos, com as Polícias Civil e Militar, agindo no papel de jagunços do interesse privado, caracterizado pelos fazendeiros”. A segunda “é encarnada pela presença de pistoleiros”, afirma.

O pesquisador ressalta que, no século passado, a região sudeste do Pará contou com a forte presença do Exército brasileiro, por ser considerada área de segurança nacional por causa da Guerrilha do Araguaia, ocorrida entre fins da década de 1960 e a primeira metade da década de 1970. Em geral, denuncia o pesquisador, o Poder Judiciário atua com morosidade e parcialidade na apuração e punição dos mandantes e executores dos crimes quando um processo legal é estabelecido, o que nem sempre ocorre.

É o que evidenciam as fontes consultadas, entre as quais, os registros da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SPDDH) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), além de jornais alternativos do período, como Resistência e Grito da PA-150. “Realço que o único caso marcado pela celeridade foi o da missionária e agente pastoral de Anapu, irmã Dorothy Stang, mas isso deve ser creditado ao fato de ela ser uma cidadã estadunidense”.

O projeto é uma iniciativa coletiva, fruto de vivências pessoais de pesquisadores, educadores e filhos de dirigentes sindicais que foram mortos. Segundo Rogério Almeida, “o projeto é o desdobramento de um conjunto de insubordinações que os movimentos sociais, empenhados no processo de luta pela terra, acumularam ao longo de décadas. São processos marcados por inúmeras mediações com setores da Igreja Católica, intelectuais, partidos políticos, ONGs etc. Esses processos afrontam as cercas das terras griladas e as ocupações de prédios públicos em dinâmicas que reivindicam acesso a crédito, assistência técnica, educação, moradia e justiça, além de perpassarem o campo da produção da informação e da produção intelectual”.

Site revela heterogeneidade de vozes e contribuições 

O trabalho de recuperar a memória da luta pela terra com base na trajetória dos homens e das mulheres que enfrentaram a exploração agrária está sendo realizado a várias mãos, por pessoas com diferentes níveis de formação. Algumas contribuições foram produzidas no meio acadêmico e delas constam relatos históricos, publicações, entrevistas com familiares e processos judiciais. Mas, em outro nível, há relatos produzidos pelas próprias famílias das lideranças assassinadas. Essas contribuições dão certa heterogeneidade ao conjunto da obra.

Muitas das trajetórias já estão disponíveis no site http://lutapelaterranamazonia.dzawi.com/. O projeto pretende publicar um livro, que se encontra em fase de arrecadação de fundos. Os interessados em colaborar com a publicação do livro podem acessar o link acima. Conforme explica Rogério Henrique Almeida, “no site, constam os resumos dos casos, relatos de pessoas que assinam os textos e documentários realizados”.

No livro, os leitores conhecerão as histórias de trabalhadores rurais como Virgílio Sacramento, dirigente sindical no município de Moju, região norte do Pará, narradas pelo professor Elias Diniz Sacramento, docente da UFPA, integrante do projeto e filho de Virgílio. Seu pai foi assassinado em 5 de abril de 1987, quando morava na Vila do Sucuriju, na comunidade São Pedro. Sacramento foi atropelado por um caminhão quando dirigia uma pequena moto. Ele presidiu o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Moju, integrou a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e foi agente da CPT.

Nascido no Baixo Tocantins, em Limoeiro do Ajuru, Virgílio nasceu em 2 de outubro de 1942, filho de extrativistas e camponeses. Nos anos 1950, por conta do ciclo da colheita da pimenta-do-reino, a família passou a trabalhar sazonalmente em Tomé-Açu. Em 1970, a família morava em Moju, município que já registrava a presença de grandes corporações que exercitavam a monocultura de dendê e coco, entre elas, Reasa, Agropalma e Denpasa, todas envolvidas em questões de conflitos fundiários.

Osvaldo Camargo, o motorista que dirigia o caminhão de placa PT-1189, da cidade de Paragominas, foi preso no município de Tailândia. Levado para Belém, manteve-se em silêncio durante o inquérito. Recebeu uma pena branda, nunca passou um dia na cadeia. João Batista, advogado da família da vítima, foi alvo de um atentado, antes de ser assassinado a tiros.

Parcerias, contribuições e apoios

O Projeto de Extensão “Luta pela terra na Amazônia” tem contribuições de acadêmicos, movimentos e organizações sociais. O sociólogo Ricardo Rezende, professor da UFRJ, ex-agente pastoral em Conceição do Araguaia, contribui com sua experiência acadêmica acerca do tema, sobre o qual já escreveu vários livros. O professor Airton Pereira, do Campus da UEPA, em Marabá, também ex-agente pastoral da CPT, e professores da rede pública do estado, a exemplo de Luzia Canuto, Alex Lima, Osnera Vieira, são também parceiros do projeto.

Entre os movimentos sociais organizados, o projeto conta com a interlocução da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Pará, do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra e de organizações de assessoria aos movimentos sociais com a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos e a Comissão Pastoral da Terra. Para promoção e divulgação, o projeto conta com a colaboração do Jornal Brasil de Fato, do Rio Grande do Sul.

Beira do Rio edição 162

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