Razões para ficar
Jovens apontam múltiplos fatores para a permanência escolar
Por Edmê Gomes Ilustração Walter Pinto
Segundo dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), cerca de 1,5 milhão de crianças e adolescentes em idade escolar obrigatória estiveram fora da escola em novembro de 2020, no Brasil. Um número que chega aos impressionantes 5,1 milhões, se considerados os 3,7 milhões de estudantes matriculados que deixaram de ter acesso às atividades escolares e não conseguiram se manter aprendendo com as escolas fechadas em virtude da pandemia. Os dados alarmantes expõem um problema antigo no país, intensificado nos últimos dois anos: o abandono escolar.
Na Universidade Federal do Pará (UFPA), uma pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Currículo e Gestão da Escola Básica (PPEB), vinculado ao Núcleo de Estudos Transdisciplinares em Educação Básica (NEB/UFPA), procurou analisar outro aspecto importante desse cenário: a permanência no ensino médio de jovens vulneráveis à situação de abandono escolar.
A autora da pesquisa, desenvolvida entre 2019 e 2021, Sandy Caroline Seabra Coelho Santos, conta que o interesse pelo tema surgiu ainda na Graduação de Pedagogia, quando atuava como bolsista de Iniciação Científica, vinculada ao Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho e Educação (GEPTE/UFPA).
“O estudo desenvolvido no âmbito do mestrado teve como objetivo analisar os motivos pelos quais os jovens em situação vulnerável ao abandono escolar permanecem no ensino médio público na capital paraense. Compreender esse movimento pode contribuir para a análise dos indicadores educacionais, para além dos números preocupantes. Com isso, mais do que quantificar, com dados e índices, eu buscava qualificar e compreender esse movimento de saída da escola e de permanência nela”, justifica Sandy Santos, que produziu a dissertação Entre permanência e abandono no ensino médio: um estudo com os jovens da escola pública de Belém/Pará, com orientação do professor Ronaldo Marcos de Lima Araujo.
Acesso ao conhecimento e outras perspectivas
Para o estudo, Sandy Caroline Seabra Coelho Santos analisou uma escola pública de ensino médio do município de Belém, entrevistando estudantes matriculados no 1º, 2º e 3º ano. Os resultados foram organizados em três categorias: a permanência com perspectiva de acesso aos conhecimentos e às interações sociais, a permanência por incentivo familiar e a permanência com perspectiva de realizar planos.
Luanny Cristina Tavares Costa foi uma das estudantes que participaram da pesquisa. Com 18 anos hoje, e um filho de um ano à época, a jovem, que viu muitas amigas abandonarem a escola, manteve-se firme. “Eu tive muita dificuldade em conciliar o estudo, o filho e a ajuda em casa, mas em nenhum momento eu pensei em abandonar a escola. A minha família e o meu filho foram a minha motivação”, relata a jovem, que conseguiu finalizar o ensino médio e, hoje, cursa Educação Física. “Meus planos só incluem estar bem mentalmente e conquistar tudo o que quero para mim e para o meu filho”, projeta a entrevistada.
Segundo Sandy Santos, a permanência escolar está associada a um conjunto de elementos internos e externos à escola. Para ela, são fenômenos complexos, cercados por questões sociais, econômicas, educacionais, entre outras, as quais não devem ser olhadas isoladamente. “Também é nos atos de resistência que a permanência se efetiva. Apesar da ausência de políticas públicas que contemplem as demandas dos jovens da classe trabalhadora, os alunos veem na escola um caminho para construírem melhores condições de produzir a vida”, aponta.
Ao fim da pesquisa, a autora avalia que a discussão do abandono escolar com a perspectiva da permanência e da consulta a estudantes pode colaborar com reflexões acerca de políticas voltadas para o ensino médio que considerem, de fato, as diferentes realidades e os contextos nos quais os jovens estão inseridos.
“O poder público precisa garantir não somente o acesso como também a permanência escolar com qualidade. E que os sujeitos que fazem a escola pública estejam comprometidos com a construção de escolas que possam ser espaços para o encorajamento, a humanização e a liberdade”, conclui Sandy Santos.
Ensino médio no Pará
Número de estudantes matriculados no ensino médio de 2018 a 2020
Anos | Matriculados | ||
1º Ano | 2º Ano | 3º Ano | |
2018 | 127.360 | 102.696 | 93.032 |
2019 | 124.598 | 101.359 | 87.561 |
2020 | 126.095 | 98.158 | 87.289 |
Fonte: Elaborado pela pesquisadora
Beira do Rio edição 163
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