Diversa, acessível e inclusiva
Egressos contam como suas histórias estão entrelaçadas com a Universidade
Por Edmê Gomes, em parceria com Geovani Luz Fotos: Alexandre de Moraes. Arte: CMP Ascom
Há 65 anos, ela vinha ao mundo. Fruto de uma gestação de cinco anos (tempo de tramitação legislativa), já nascera grande. Formada pela união das sete faculdades federais, estaduais e privadas existentes na capital paraense à época: Medicina; Direito; Farmácia; Engenharia; Odontologia; Filosofia, Ciências e Letras; e Ciências Econômicas, Contábeis e Atuariais. Estava plantada a semente da Universidade Federal do Pará (UFPA), hoje, maior universidade da região amazônica, uma das maiores do Brasil. Era 2 de julho de 1957.
Josiane Souza do Rosário Soares sequer tinha nascido, mas, em suas primeiras memórias, encontra a UFPA. “O meu primeiro contato com a UFPA foi aos seis anos. A gente vinha do Acará pelo Rio Guamá, passava aqui na frente, de barquinho, e eu via os universitários. Quando comecei a entender o que era a UFPA, eu me lembrava disso e queria isso para mim também”, recorda com emoção.
Com o título recente de Bacharel em Direito, Josiane é natural do Quilombo do Território de Jacarequara, no município de Acará, e a primeira discente quilombola egressa do curso de Direito da UFPA. “Na minha comunidade, eu sou a primeira graduada em Direito, e isso tem um peso muito grande, não somente para o meu território, mas também para o movimento quilombola como um todo”, comemora. Tornar-se caloura UFPA, porém, não foi tarefa fácil.
“Estudar na Universidade Federal do Pará foi meu sonho de vida. Não lembro de ter outro sonho a não ser estudar aqui. Eu entrava na UFPA para fazer minha inscrição e ficava encantada com tudo. Eu queria fazer parte desse universo e me sentir parte de um lugar de gente importante, sabe?!”, destaca. Foram dez tentativas até comemorar a aprovação.
Josiane participou do Processo Seletivo Especial para quilombolas, implantado na UFPA em agosto de 2012, no qual há reserva de duas vagas em cada curso de graduação da instituição. Dados do último Relatório de Gestão (2021) apontam 1.216 alunos quilombolas assistidos pelo Programa Bolsa Permanência do Ministério da Educação (PBP/MEC). Até 2021, segundo a Pró-Reitoria de Planejamento e Desenvolvimento Institucional (Proplan), o total de estudantes quilombolas matriculados na instituição era de 1.631. “Eu agradeço às políticas sociais que me colocaram dentro da universidade, agradeço por todos esses anos que passei aqui e já estou pensando em voltar em uma pós. Quem é aluno UFPA não se desliga da ‘mamãe’”, diverte-se.
Quem também tem sua trajetória na UFPA ligada às ações afirmativas é o, hoje, técnico revisor braile, na Coordenadoria de Acessibilidade (CoAcess) da UFPA, Jordan França. Calouro 2015, ele garantiu uma das vagas reservadas pela instituição a estudantes com deficiência e, em 2019, concluiu o curso de Ciências Sociais.
O Sistema de Cotas, utilizado pela UFPA no Processo Seletivo para o ingresso de estudantes, tem ampliado a inclusão de Pessoas com Deficiência (PcD) nos cursos de graduação. São consideradas PcD as pessoas surdas ou com deficiência auditiva; pessoas surdocegas; pessoas com deficiência visual, que podem ser cegas ou com baixa visão; pessoas com deficiência intelectual e pessoas com transtorno do espectro autista ou com deficiência múltipla. Segundo o último Relatório de Gestão, a UFPA contou, em 2021, com 627 discentes PcD matriculados. Destes, 486 estudando em Belém e 141, nos demais campi.
“Eu sou uma pessoa com deficiência visual e isso, muitas vezes, nos impossibilita de acessar certos espaços, não pela nossa condição de pessoa com deficiência, mas pela falta de espaços acessíveis. Quando eu faço vestibular e acesso o nível superior na UFPA, eu conquisto a oportunidade de uma transformação socioeconômica para mim e para minha família”, aponta o técnico na área da acessibilidade. “Eu só tenho a agradecer à UFPA por ter uma profissão e, hoje, retribuir todo esse aprendizado adquirido na instituição, trabalhando nela”.
Na Universidade, Jordan começou a atuar ainda como estudante universitário. Ele foi fundador e um dos coordenadores da Associação dos Discentes com Deficiência da UFPA. “Sempre busquei trabalhar na área da inclusão, ministrando cursos de braile, orientando alunos sobre como utilizar os softwares de leitura, capacitando bolsistas da Biblioteca Central. Esse trabalho voluntário acabou me trazendo até aqui”, acredita o Jordan, que atua na área de inclusão e acessibilidade e, no momento, cursa pós-graduação em Educação Especial Inclusiva pela Universidade Federal do ABC.
“Cada vez mais, a UFPA tem buscado ser diversa, acessível e inclusiva, e isso é uma porta que se abre para um grupo que, muitas das vezes, é marcado como aquele que não vai conseguir ter acesso à universidade, que é o grupo das pessoas com deficiência. A gente quer agradecer porque a UFPA tem ampliado as políticas de cotas e as políticas estudantis, que nos oportunizam mais acesso ao nível superior e à cidadania”, enfatiza.
Sonhos acalentados na vizinhança
Quando se mudou do interior para a capital paraense no início da década de 1990, a jornalista Dayane Baía recebeu do pai o incentivo. Instalados no bairro Guamá, ela e os irmãos conheceram a UFPA cedo. “Nosso pai dizia que tinha escolhido morar ali pensando no nosso futuro, que nós iríamos estudar na UFPA de qualquer jeito”, rememora. Ele não errou. A menina que viveu a Universidade como vizinha também se tornara estudante, como previu e sonhou o pai.
“Nós fomos atendidos por vários projetos de extensão: serviço odontológico, atividades ofertadas pelo curso de Educação Física, como natação e hidroginástica. Não tínhamos plano de saúde, e eu lembro ser atendida no Bettina, ou seja, a gente já vivia isso aqui, enquanto comunidade, desde criança. Muito tempo depois, quando finalmente eu consegui entrar na Universidade, já era um ambiente familiar”, destaca.
Daí em diante, Dayane não parou. Além da Graduação em Jornalismo, ela foi bolsista na UFPA, mestranda na primeira turma do Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia (PPGCOM) e aluna do curso de Especialização em Divulgação Científica ofertado pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA), em 2017. “A gente brinca, chama ‘mamãe UFPA’, e ela é, sim, uma mãe. Aquela rígida, não aquela que pega na sua mão e faz tudo o que você precisa. Ao contrário, ela oferece muitas oportunidades e vai te mostrando que você precisa ser autônomo”, metaforiza a jornalista.
“A UFPA foi mais do que uma instituição, ela foi uma base para eu enxergar o caminho que eu queria seguir desde a infância. Quando eu passei no vestibular, as pessoas diziam que era só mais um degrau. Não, foi o degrau mais importante da minha vida. Então, olhar para trás e ver de onde eu vim, onde eu estou e aonde eu quero chegar é pensar nesta universidade como uma grande parceira”, emociona-se.
Assim como Dayane, o professor Milton Ribeiro também foi vizinho da UFPA. Nascido e criado no bairro Guamá, onde fica localizado o campus sede da instituição, Milton lembra de um período em que os ônibus regulares ainda circulavam por dentro do campus. “Esta é minha primeira memória física da UFPA. A gente circulava aqui dentro ainda criança e se admirava com o tamanho de tudo”.
Milton foi o primeiro integrante da família a ingressar em uma universidade pública. Deu exclusividade às seleções da UFPA e, em sua segunda tentativa, em 2005, foi aprovado para o curso de Ciências Sociais. Desde então, é estudante UFPA. “Eu emendei tudo. Fiz a graduação, o mestrado e o doutorado. Aqui eu me sinto em casa. Quando estou aqui, eu me sinto em um lugar de referência”, conta.
Apesar de conciliar, desde o período da graduação, os estudos e o trabalho, Milton buscou participar ativamente das atividades de extensão ofertadas à época. Envolveu-se em inúmeros projetos, tirou férias para participar de seminários e fóruns, descobriu a militância, dedicando-se especialmente ao Grupo Orquídeas, Movimento Universitário em Defesa da Diversidade Sexual. Milton Ribeiro tornou-se professor universitário e, hoje, pesquisa para sua tese a interface entre os estudos urbanos e os estudos de gênero e sexualidade.
“Parte do processo de me entender como profissional, como pessoa e como sujeito tem a ver com a minha relação com a UFPA. Eu aprendi muitas coisas aqui, inclusive a ser eu mesmo. Foi quando comecei a fazer militância no Orquídeas que me descobri uma pessoa LGBT, e isso mudou a minha vida por completo, mudou as minhas relações. Pensar a Universidade me faz entender que eu não seria quem sou hoje se não tivesse passado por esse portão e sentado na cadeira da sala de aula do bloco A. A UFPA representa tudo na minha vida”, reflete.
Três vezes calouro – Leonardo Lucas Souza sonhou tanto com a UFPA que foi calouro três vezes. “Meu sonho sempre foi entrar na Universidade aqui, em Belém. Não importava qual fosse o curso, eu só queria entrar na UFPA”. Em 2010, ele foi aprovado em Pedagogia, em Altamira, onde morava à época. Entre os anos de 2011 e 2012, após retornar para Belém, Leonardo foi aprovado novamente em Pedagogia, agora para estudar no campus Guamá. Mas foi de 2012 para 2013 que ele se realizou completamente, com o curso de Terapia Ocupacional. “Apesar de não ter concluído, eu acho que o curso de Pedagogia me deu uma visão política e social muito forte. Então, desde essa época, quando eu me relacionei muito bem com os professores, eu decidi que faria o mestrado”, conta Leonardo, que se encontra em processo de finalização da dissertação no Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento.
Atualmente, Leonardo concilia a pesquisa com o cargo de supervisor técnico em um centro de reabilitação, dentro de um serviço voltado para o público autista. Ele comemora a realização pessoal e atribui à UFPA as pequenas e grandes conquistas alcançadas. “Eu entrei na UFPA com uma mentalidade completamente diferente. Acho que, quando vivemos a Universidade e nos permitimos ser afetados pela instituição, conseguimos dar um grande salto como pessoa dentro de uma sociedade. Estar onde estou hoje, eu acredito que seja 100% fruto da minha dedicação dentro da graduação. Eu gostaria de agradecer à UFPA por ter me acolhido, por ter me ajudado nesse percurso todo, que foi um pouco confuso, mas, em nenhum momento, eu me senti desassistido”, finaliza.
Saiba mais - A Universidade Federal do Pará (UFPA) é uma instituição federal de ensino superior criada pela Lei nº 3.191, de 2 de julho de 1957. Além de Belém, a instituição está presente em Abaetetuba, Altamira, Ananindeua, Bragança, Breves, Cametá, Capanema, Castanhal, Salinópolis, Soure e Tucuruí. No Ranking Universitário Folha (RUF) de 2019, a UFPA ocupa a 21ª posição entre as 69 universidades federais brasileiras e é a primeira instituição da região amazônica em todas as variáveis avaliadas (ensino, pesquisa, mercado, inovação e internacionalização). A instituição também está presente entre as melhores do mundo no Times Higher Education (THE) World University Ranking 2022 e no QS World University Rankings 2022. Destacou –se, ainda, entre as 400 instituições que mais colaboram para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) na ONU.
Beira do Rio edição 163
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