Novas ondas trazem novos sons
Estudo indica recuperação do nervo auditivo após implante coclear
André Furtado Foto Acervo da pesquisa
Carros, obras, motores e sinos. O que todas essas palavras possuem em comum? Um som característico, isto é, uma sensação auditiva que nossos ouvidos são capazes de detectar. Produzido pelo movimento organizado de moléculas que compõem o ar, o som pode causar sensações ora boas, ora ruins.
Todos os sons que chegam até nós são produzidos por vibrações que se deslocam formando ondas sonoras captadas pelos nossos ouvidos, todavia nem todos recebem esses estímulos de forma eficaz, conforme indica o censo demográfico do IBGE de 2010, o qual apontou que o Brasil possui um alto índice de deficiência auditiva: mais de dez milhões de pessoas possuem algum grau de dificuldade para ouvir. De acordo com a fonoaudióloga Cíntia Tizue Yamaguchi, existem quatro graus de perda da audição: leve, moderado, severo e profundo. Desses graus, este último é considerado incapacitante.
A prótese implantável, também chamada de implante coclear (IC), é o tratamento padrão para casos de perda neurossensorial bilateral severa/profunda com possibilidade de restabelecer a audição. O termo coclear faz relação à cóclea, região do ouvido interno semelhante à concha de um caracol que representa a parte auditiva. Ela é composta de aproximadamente vinte mil células responsáveis por converter ondas sonoras em sinais elétricos e enviá-los ao cérebro resultando em sons audíveis.
“Por algum motivo, em pessoas com perda severa de audição, essas células morrem ou não funcionam, então, o IC é inserido na cóclea para fazer o papel que as células fariam. O implante possui cerca de 20 a 24 eletrodos, gerando uma diferença de qualidade de som. Apesar disso, muitos pacientes se beneficiam com essa tecnologia”, explica a fonoaudióloga. Para a implantação do aparelho, o paciente passa por duas etapas: primeiramente, coloca uma unidade interna, por via cirúrgica; depois de trinta dias, faz a ativação da unidade externa, que vai captar os sons ambientes.
Estudo considerou recuperação um ano após cirurgia
De posse desses dados e visando encontrar uma alternativa para melhorar o uso do implante coclear, a fonoaudióloga Cíntia Tizue Yamaguchi e o professor Manoel da Silva Filho, orientador do estudo, desenvolveram uma pesquisa para conhecer a resposta temporal e a recuperação do nervo auditivo em pacientes que usam implante coclear. O objetivo da tese Função de Recuperação do Nervo Auditivo após 12 meses de uso do Implante Coclear foi medir a constante de tempo em que crianças recebiam sensações auditivas oferecidas com o auxílio do implante coclear, em dois períodos: intraoperatório e pós-operatório.
Cíntia Yamaguchi utilizou uma metodologia baseada em estudo clínico observacional prospectivo, ou seja, de acompanhamento de pacientes por um determinado período. Seu público-alvo foram crianças, pacientes do Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza, com idade média de 10 anos. “Grande parte das perdas auditivas tem maior impacto nas crianças, por isso optei por tê-las como amostragem para meu estudo”, enfatiza a fonoaudióloga. A coleta de dados ocorreu no intraoperatório e um ano após a cirurgia.
Cada implante coclear possui um parâmetro de programação, o qual é feito após a cirurgia para proporcionar ao paciente melhores resultados no tratamento. “Por meio de um software, no computador, equilibramos sons graves, médios e agudos. Essas programações são periódicas, constantes e importantes para equalizar o que está confortável e o que está desconfortável para o paciente”, explica a pesquisadora.
O estudo focou no potencial do nervo auditivo, isto é, a resposta que ele fornece a certo estímulo. Esse potencial de ação é conhecido como ECAP (estímulo e resposta) e ECAP - REC (estímulo, resposta e tempo que o nervo leva para se recuperar de uma estimulação). “A fibra, quando é estimulada, necessita de um período para se recuperar. Medimos nos pacientes qual era o tempo de recuperação com o implante coclear, visto que, na literatura, há uma grande variabilidade de resultados”, enfatiza.
Estímulo, resposta e tempo trazem resultado surpreendente
O ECAP é utilizado em todos os pacientes no momento da cirurgia e no pós-operatório para identificar se o nervo está respondendo aos estímulos que estão sendo gerados. Em contrapartida, o uso do ECAP – REC é somente a título experimental, não sendo utilizado na rotina clínica. Por esse motivo, a pesquisadora resolveu estudá-lo durante seu doutoramento, comparando os resultados gerados durante o processo cirúrgico e doze meses após o procedimento.
Os resultados da pesquisa apontaram uma variação de tempo que surpreendeu Cíntia: o ECAP – REC do intraoperatório foi mais rápido; e doze meses após a cirurgia, mais longo, demorando mais para ser responsivo. “Se eu estimular uma maior população de fibras, vou demorar mais para captar uma resposta. Quando eu não tenho tantas fibras estimuladas, a resposta é mais rápida. O resultado foi diferente do que eu imaginava, pois achei que, no início, [o intervalo] seria rápido; e depois, mais rápido ainda”, comenta a pesquisadora.
O estudo propõe que, possivelmente, quanto maior o intervalo de tempo, mais fibras neurais estão sendo estimuladas e mais informações estão sendo captadas. Dessa forma, o paciente teria melhor discriminação da fala e dos sons no futuro. Mas outras pesquisas são necessárias para comprovação desse quadro. “A pesquisa sugere que, nesses 12 meses de uso do implante, uma população maior da região neural está sendo estimulada, por isso há essa diferenciação de tempo. No entanto é importante dizer que os dados gerados pelo nosso estudo demonstram possibilidades e não afirmações. É necessário um laboratório mais específico para essa comprovação”, ressalta Cíntia Yamaguchi.
A fonoaudióloga, que atua há mais de 18 anos na área de audiologia, afirma que o implante coclear, sobretudo em crianças, apresenta resultados promissores. “Uma criança, de até três anos de idade, diagnosticada com deficiência auditiva pode fazer essa cirurgia. Ela, teoricamente, não teria a opção de adquirir fala, com o implante terá a possibilidade de desenvolver a linguagem como uma criança ouvinte”, finaliza Cíntia Tizue Yamaguchi.
Sobre a pesquisa: A tese Função de Recuperação do Nervo Auditivo após 12 meses de uso do Implante Coclear foi defendida por Cíntia Tizue Yamaguchi, em 2022, no Programa de Pós-Graduação em Neurociência e Biologia Celular (PNBC/ICB), da Universidade Federal do Pará. A pesquisa teve orientação do professor Manoel da Silva Filho.
Beira do Rio edição 169
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