A Amazônia no centro do debate
Para Renato Janine, a região é tesouro do Brasil e da humanidade
Por Marcus Passos, especial para o Beira do Rio | Foto: Jardel Rodrigues/SBPC
Pela terceira vez, a Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém, será palco de uma Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Durante sete dias, em julho de 2024, cientistas, professores, estudantes, autoridades e profissionais de diversas áreas devem debater os avanços e perspectivas da ciência nacional.
Para o presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, o ponto de partida para a escolha de Belém para receber a 76ª Reunião Anual foi a urgência em colocar as questões da Amazônia, da sustentabilidade e do meio ambiente no centro do debate nacional.
Considerado o maior evento científico da América Latina, o encontro traz para a futura cidade-sede da Conferência da Organização das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30), a oportunidade de debater políticas em diálogo com o tema “Ciência para um futuro sustentável e inclusivo: por um novo contrato social com a natureza”.
Nesta entrevista, o ex-ministro da Educação e professor titular da Universidade de São Paulo fala das perspectivas de realizar o evento em Belém, da relação da ciência com a democracia, da importância da discussão sobre créditos de carbono, dos danos causados com o avanço da desinformação científica e dos desafios vividos durante sua gestão na SBPC.
O valor da floresta em pé
Queremos que a reunião da SBPC, de alguma forma, indique um espaço de futuro importante. Quando nós decidimos fazer a 76ª Reunião Anual em Belém, o nosso ponto de partida foi justamente a premência em colocar as questões da Amazônia no centro do debate.
Então, queremos que a sociedade brasileira pense muito sobre a questão da sustentabilidade, da riqueza e da biodiversidade. Atualmente, a mentalidade está mudando em relação ao que nós podemos fazer com a floresta. Até um tempo atrás, se pensava na exploração de maneira predatória. A ideia era cortar árvores e queimá-las.
A floresta era para ser liquidada, derrubada, transformada em dinheiro e depois, o que sobrasse, viraria pastagem. Nossa ideia é mais moderna, pois acredita que a floresta em pé é muito valiosa, não só pelo sequestro de carbono que ela opera, minorando o aquecimento climático, como também pelo fato de que a floresta tem segredos científicos, tem substâncias que precisam ser conhecidas, cuja contribuição para a vida é muito importante. Esse é um dos sentidos de fazermos a Reunião na Amazônia, que é um tesouro não só para o Brasil, mas para a humanidade.
Trazer o evento para Belém faz que mais pessoas no Brasil tenham consciência da importância da região e que os amazônidas tenham uma noção muito clara da importância que o Brasil lhes atribui. No ano que vem, esperamos que o Brasil faça uma bela reunião da COP, que mostre ao restante do mundo a importância desse que é o maior reservatório de biodiversidade do planeta, somando-se ao Congo e à Papua-Nova Guiné, também detentores de grandes florestas tropicais. Em especial, que torne realidade a cobrança pelos créditos de carbono, porque esse é um ponto crucial. As populações dessas regiões são muito sofridas, muito pobres e devem ser recompensadas, inclusive, de maneira remunerada, pelo trabalho que fazem pelo bem da humanidade. O pagamento pelo crédito de carbono tem que ir para as populações – não para uns poucos oligarcas. É preciso pagar quem protege a natureza e precisa desse recurso.
Conceito por trás do tema
Nós quisemos lidar com dois conceitos ao mesmo tempo. O conceito de contrato social é essencial para a filosofia política, minha área de pesquisa, e que ganha destaque com Jean-Jacques Rousseau, sendo o nome de um dos livros de fundação da democracia, trazendo a ideia que a sociedade é um acordo entre os seus membros, um contrato democrático.
Ao lançarmos o tema “Ciência para um futuro sustentável e inclusivo: por um novo contrato social com a natureza”, quisemos pôr em cena a parceria entre sociedade e natureza. Não associar vagamente, mas de modo que fique claro que não há caminho para o ser humano que não seja o respeito à natureza.
Precisamos corrigir um erro muito comum: quando pessoas bem intencionadas dizem querer salvar o planeta. O planeta não precisa ser salvo! Ele continuará existindo, por bilhões e bilhões de anos. Quem pode desaparecer é a nossa espécie, e, caso isso ocorra, talvez seja melhor para o planeta. Não é porque nós queimamos, poluímos e aquecemos o clima que o planeta vai desaparecer, quem pode desaparecer somos nós, ao ficarmos sem condições de vida na terra. Portanto, tratar bem a natureza é de nosso maior interesse.
Tempo de protestar e resistir
Estar à frente da SBPC foi um desafio. Assumi a gestão após um ano e meio do início de um governo negacionista. De julho de 2021, quando tomei posse na presidência, até o fim de 2022, foi um período em que não só a ciência, a educação, o meio ambiente, a saúde, como a própria democracia estavam ameaçadas.
Embora a SBPC não seja uma entidade partidária e, por isso, não tenha apoiado e nem venha apoiar nenhum candidato, nós percebemos que o que estava em jogo não era uma escolha entre dois candidatos igualmente legítimos. O que estava em jogo era uma escolha pelo futuro do nosso país. Havia o risco de que tivéssemos a destruição completa dos valores democráticos, científicos, culturais e éticos.
Foi muito difícil, mas conseguimos superar. Tomamos várias iniciativas, porque era um período, sobretudo, de protestar e resistir. Entendi que o papel de liderança era não deixar as pessoas perderem a confiança de que íamos vencer. A vitória significaria recuperar a linha bem-sucedida que o Brasil estava traçando desde a redemocratização de 1985, com diferentes governos, diferentes políticas, mas que provocou um avanço na ciência e na educação.
Entre as atividades realizamos as “Viradas”, que duravam 24 horas. Às 16h30 de 6 de setembro de 2021 começamos a comemoração do ano número 200 da Independência do Brasil e fomos até a hora do Grito do Ipiranga, às 16h30 de 7 de setembro.
A outra atividade foram as “Jornadas”. Cada vez que havia uma política desastrosa no governo, reuníamos a comunidade com atividades independentes, mas simultâneas, somando-se a um “tuitaço”. Enfim, nós lutamos! Tivemos nossa modesta parcela de contribuição nesse resultado que significa que o Brasil voltou, com muita dificuldade, para trilhar os rumos que devem ser seus.
Perigos da desinformação
Ficamos muito preocupados com o avanço das fake news e os danos causados por elas. Pode-se ver que o Brasil teve um número de mortes por covid-19 bem superior à média mundial. Tivemos 700 mil mortes, para 200 milhões de habitantes. Isso é fruto do negacionismo, que inclui a recusa às medidas de isolamento e à vacina.
Temos que lutar contra isso, pois há um consenso científico que outras pandemias virão. Temos que estar preparados para elas. Uma novidade importante é que surgiram formas mais ricas de produzir vacinas, mas, de qualquer forma, há muito a ser feito e precisamos preparar as políticas públicas necessárias.
Ciência e democracia
A finalidade política da ciência é melhorar a vida das pessoas. Melhorar a vida de todos, com especial destaque aos mais vulneráveis. Então, nesse sentido, a ciência tem uma forte relação com a democracia.
A SBPC surgiu em 1948 para defender o avanço da ciência no Brasil. Ela, gradualmente, foi assumindo pautas cada vez mais democráticas. Desde a década de 1970 a SBPC incluiu a área de ciências humanas, lutou pela redemocratização do país e, mais recentemente, a entidade tem defendido políticas de inclusão social, além de ter lutado o quanto pôde contra o negacionismo.
Vencer a fome
Não há democracia sem inclusão social. A democracia, diante da existência da questão da fome, fica frágil. Então é preciso vencer a fome e criar políticas sociais que visem acabar com a miséria, pois esse é um dos princípios fundamentais da Constituição brasileira de 1988. Depois disso teremos muitas outras pautas, mas um país com fome e miséria está abaixo da dignidade. Precisamos mudar isso!
Beira do Rio edição 171
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