Ir direto para menu de acessibilidade.

GTranslate

Portuguese English Spanish

Opções de acessibilidade

Início do conteúdo da página

Resenha

Publicado: Terça, 22 de Outubro de 2024, 20h57 | Última atualização em Sexta, 10 de Janeiro de 2025, 17h36 | Acessos: 185

Biratan Porto: da arte do humor gráfico à política

imagem sem descrição.

Jane Felipe Beltrão, especial para o Beira do Rio

A leitura de um bom texto é sempre deliciosa e, quando o autor é apaixonado pelo tema, a/o  leitora/leitor ganha um presente especial por ter selecionado Correndo o risco: Belém do Pará na charge de Biratan Porto no ocaso da ditadura (1978-1985), de Walter Pinto de Oliveira, para seu deleite intelectual. O trabalho foi defendido em 28 de junho de 2024. É uma tese produzida no Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia, filiado à Universidade Federal do Pará, orientada pelo professor Aldrin Moura de Figueiredo.

Para além do texto, o autor nos brinda com a seleção de 139 reproduções das charges de Biratan Porto publicadas nas páginas de A Província do Pará, jornal que só nos é dado a ler, atualmente, na hemeroteca da Biblioteca Pública Arthur Vianna. Walter Pinto foi parceiro de Biratan Porto em muitas das histórias do humor gráfico que constituem a História Social da Arte na Amazônia.

A intimidade de Walter Pinto, que também é mestre do humor, permitiu uma primorosa  seleção do tema relativo ao “ocaso da ditadura”, que, mesmo no ocaso, foi dura e torturante, alcançando muitos jovens que queriam apenas viver em um Brasil democrático, justo e respeitoso dos direitos conquistados com muita luta e organização da sociedade civil. Ao ler o trabalho, voltei aos anos 1980 e 1990 do século passado e revi as charges que me atraíram cotidianamente.

O trabalho é, metodológica e teoricamente, bem estruturado, permitindo à leitora compreender e até reviver alguns momentos vividos em tempos ditatoriais. Walter tece os fios da História Social da Arte, tendo a Amazônia como centro, e traz os cartunistas do Pará à roda, apontando dificuldades, genialidades e inteligência capaz de dobrar a pesada censura que se fazia aos jornais e aos demais circuitos da vida em sociedade.

E caminhando por vias tortuosas, Walter nos faz lembrar a bipolarização que nos assola desde o final do século XIX, apontando como os poderosos se entrincheiravam nos jornais locais para produzir e reproduzir os redutos eleitorais que, ainda hoje, dão sustentação à política. À época, usufruindo do bipartidarismo (Arena versus MDB) implementado pela Ditadura Civil-Militar, disputavam o poder, e na queda de braço, dentro do partido da situação, no caso a Arena, os militares aposentados: Jarbas Gonçalves Passarinho, como governador; e Alacid da Silva Nunes, como prefeito de Belém.

A “briga dos coronéis”, como refere o autor, mostra as dissidências e as intervenções que, hoje, talvez os/as mais jovens não tenham a dimensão histórica do acontecido. O autor da tese nos oferece a possibilidade de conhecer as dificuldades do período, baseado em uma rigorosa seleção de temas interligados e pertinentes.

Na sequência dos “coronéis brigões”, Walter Pinto nos brinda com uma visão de Belém que nos parece demasiadamente contemporânea, pois prefeitos e governadores, imemorialmente, não se entendem e deixam a capital alheia a políticas públicas que garantam maior equidade e vençam as desigualdades. Os problemas de Belém se arrastam, como a precariedade dos serviços de saúde e do transporte público, além de outras penas que nos são impostas cotidianamente.

A mim me parece que, no traço do Biratan, a compreensão jocosa facilita o entendimento e possibilita outras formas de reflexão, como a questão da água numa cidade “cercada” por rios e baía, mas que ainda canta “de dia falta água, de noite falta luz” (1), apesar das hidrelétricas. A luta por transporte coletivo e pelo direito à meia passagem para estudantes foi expressiva, feita durante um período de violência policial com os/as destemidos/as estudantes anunciando: “a UNE somos nós, nossa força e nossa voz”, avançando e pulando catracas de ônibus, mesmo sabendo que as forças militares estavam à sua espera, pois elas, supostamente, garantiam a segurança nacional.

Os atos políticos organizados pela sociedade civil ocorreram em meio a ações terroristas que explodiram as bancas de revista que vendiam jornais alternativos. Tais atitudes faziam parte do cenário autoritário do Pará e do Brasil. Chamou-me atenção a forma magistral como Walter Pinto entrelaça os temas e mostra a crueldade do tal ocaso da ditadura nada branda.

O autor soube demonstrar como a charge quebra hierarquia, mesmo estando sob eterna vigilância, ontem e hoje. Creio que o desafio que a tese traz é produzir uma divulgação científica em folhetos que auxiliem os/as professores a mostrar aos estudantes como se enfrentam “tempos de chumbo”. Parabéns, Walter Pinto! O Biratan merece reverência e respeito pela trajetória engajada que, ainda hoje, nos ensina a resistir. Afinal, na Amazônia, “correr risco” é parte do “show pela sobrevivência”.

 nota 1 Conferir: Vagalume Rio de Janeiro, de Vitor Simon, marchinha de carnaval que, bem-humorada, faz crítica às mazelas enfrentadas pelos/as moradores/as do Rio de Janeiro. Letra e música disponíveis em: https://www.letras.mus.br/victor-simon/vagalume-rio-de-janeiro/significado.html. Acesso em:17 de agosto de 2024.

Serviço Oliveira, Walter Pinto. 2024. Correndo o risco: Belém do Pará na charge de Biratan Porto no ocaso da ditadura (1978-1985). Tese de doutorado defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia da Universidade Federal do Pará, orientada pelo professor Aldrin Moura de Figueiredo. (Inédita) Disponível no site https://pphist.propesp.ufpa.br

Beira do Rio edição 172

Fim do conteúdo da página