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A dinâmica migratória Venezuela-Brasil

Publicado: Terça, 28 de Março de 2023, 20h02 | Última atualização em Terça, 04 de Julho de 2023, 14h25 | Acessos: 1630

Forçada ou voluntária, travessia envolve questões políticas e pessoais 

#ParaTodosVerem: Fotografia do espaço de acolhimento a imigrantes venezuelanos montado em Belém. Imagem destaca o espaço que se assemelha a um grande galpão, sem divisórias internas.  Junto às paredes laterais, veem-se montadas diversas baias. A maioria delas está protegida por tecidos que fazem o papel de paredes individuais. Em outras, há redes atadas e roupas estendidas. Duas crianças brincam sobre o chão sem revestimento.  No centro, ao fundo, há uma grande porta de correr que está aberta e deixa passar bastante claridade.
#ParaTodosVerem: Fotografia do espaço de acolhimento a imigrantes venezuelanos montado em Belém. Imagem destaca o espaço que se assemelha a um grande galpão, sem divisórias internas. Junto às paredes laterais, veem-se montadas diversas baias. A maioria delas está protegida por tecidos que fazem o papel de paredes individuais. Em outras, há redes atadas e roupas estendidas. Duas crianças brincam sobre o chão sem revestimento. No centro, ao fundo, há uma grande porta de correr que está aberta e deixa passar bastante claridade.

Por Bruno Roberto Foto Acervo da pesquisa

O pesquisador Danilo Ferreira Sodré analisou as migrações venezuelanas e suas causas na dissertação Migração Internacional na Pan-Amazônia: um estudo sobre a migração venezuelana e o acolhimento dos migrantes em Boa Vista-RR e Belém-PA. “O objetivo foi compreender e dar visibilidade à dinâmica migratória da região, com foco na migração venezuelana e no acolhimento dentro das cidades de Boa Vista (RR) e Belém (PA) para os imigrantes. Outra finalidade era verificar se essa migração é exclusiva de crise”, explica Danilo Sodré.

De acordo com a dissertação, a migração de crise ocorre quando o indivíduo é forçado a migrar do local de onde mora por se encontrar em difíceis condições de vida e por sentir que está ameaçado por guerras, catástrofes ambientais ou crises econômicas. O imigrante passa a ser visto também como refugiado. No caso da Venezuela, a crise é resultado de uma instabilidade política, social e econômica. O estudo defende que o país enfrenta problemas decorrentes de uma dependência exagerada do petróleo e da política antidemocrática do governo. Por consequência, a população venezuelana sofre com escassez de recursos, inflação alta e contingenciamento de alimentos e de medicamentos. Cabe ressaltar os embargos econômicos que os Estados Unidos impõem ao país sul-americano.

Por outro lado, há a migração espontânea, motivada pela busca de melhores condições de vida, oportunidades de emprego e estudo, ou por questões familiares. Para entender o problema e identificar as motivações dos imigrantes, Danilo Sodré realizou pesquisa bibliográfica sobre a história da Venezuela, entrevistas guiadas individuais e também analisou documentos oficiais. “Eu quis coletar dados tanto oficiais quanto pessoais no trabalho de campo realizado em Boa Vista (RR) e Belém (PA)”, conta o pesquisador.

Migração venezuelana cresce mais de 5 vezes em 10 anos

Conforme a Organização Internacional para as Migrações (OIM), o número de emigrantes da Venezuela saltou de menos de 1 milhão para 5,4 milhões, entre 2010 e 2020, alcançando o primeiro lugar do ranking entre os países amazônicos de emigração. No Brasil, vivem cerca de 260 mil imigrantes venezuelanos, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR/2020), sendo Roraima a principal porta de entrada, em virtude da fronteira com aquele país.

Em 2017, pelo alto número de venezuelanos, Roraima decretou estado de emergência, e o governo federal criou a iniciativa Operação Acolhida, a fim de gerir e organizar a vinda dos emigrantes da Venezuela para o Brasil. A operação é dividida em três momentos: o primeiro é o ordenamento da fronteira, responsável pela documentação e vacinação; o segundo é o acolhimento, com oferta de abrigo e cuidados básicos; e o terceiro é a interiorização, isto é, apoio ao deslocamento voluntário das pessoas para outros estados, com objetivo de inclusão socioeconômica.

Mesmo com a medida governamental, Roraima continua com alto número de imigrantes. Danilo Sodré viajou para Boa Vista (RR) e entrevistou 32 venezuelanos que viviam por conta própria na capital. A respeito da causa da migração, 81,3% dos entrevistados responderam motivos de trabalho e econômicos, ou seja, a migração não é exclusivamente de refugiados, mas também espontânea laboral.

Além disso, nenhum dos 32 entrevistados estava desempregado na Venezuela, sendo 40,7% deles assalariados. Em todo território brasileiro, 21,9% dos entrevistados possuem trabalho formal, 71,9% trabalham por conta própria e 6,2% estão desempregados. O pesquisador conclui que um dos problemas no país de origem é o poder de compra e, no Brasil, é a precariedade na inserção no mercado de trabalho. Sobre o salário, a precarização é ainda maior, pois oito recebem um salário mínimo e 22 recebem valores inferiores. Contudo o estudo indica que os venezuelanos conseguem viver melhor no Brasil do que no seu país de origem.

O autor também questionou acerca das dificuldades enfrentadas no Brasil. A mais citada foi conseguir emprego de carteira assinada. Em seguida, estão os problemas com moradia (20%), principalmente por causa do custo com aluguel. “A maioria deles fala que tem aversão aos abrigos da Operação Acolhida. Eles citam a violência entre os próprios venezuelanos, a alimentação servida, a truculência do Exército, entre outros motivos”, relata Danilo Ferreira Sodré.

Ainda a respeito das dificuldades, 7,5% falaram do preconceito sofrido em território brasileiro. De acordo com relatos de quem vive em Boa Vista, as ações criminosas executadas por grupos venezuelanos no passado causam receio na população local até hoje. A dissertação alerta que é um erro generalizar esses comportamentos criminosos. Para o autor, a aporofobia – sentimento hostil contra a pobreza – pode explicar o preconceito, ou seja, é mais fácil os imigrantes pobres não serem aceitos nas sociedades de destino do que os imigrantes ricos.

Pesquisa indica boas práticas de acolhimento em Belém

Danilo Sodré também analisou a situação dos migrantes em Belém (PA), que são, em sua maioria, indígenas da etnia Warao. Conforme o estudo, eles foram forçados a sair de suas terras, uma vez que a área foi apropriada por empresas petrolíferas e pela expansão da agricultura. Por não falar a mesma língua dos indígenas, o autor não realizou entrevistas. A metodologia foi a análise de documentos e das condições físicas do Espaço de Acolhimento Institucional do Tapanã (EAT), na Região Metropolitana de Belém.

O pesquisador acredita que Belém apresenta boas práticas no acolhimento dos venezuelanos. “Há um trabalho sério da Fundação Papa João XXIII (Funpapa) para o acolhimento desses imigrantes. Todos os abrigados possuem documentação, são contemplados com benefícios sociais. As crianças estudam em escolas da rede municipal. Há cursos de capacitação para jovens, além do processo seletivo especial para migrantes e refugiados, criado pela UFPA”, relata Danilo Sodré.

Para a melhoria do espaço, o autor propõe a instalação de ventiladores, maior privacidade para cada família e melhores condições sanitárias das cozinhas. “Também é necessário valorizar o modo de vida tradicional dos Warao. Há espaços que poderiam ser aproveitados para plantio de alimentos, seja para o consumo, seja para a venda”, sugere. Após as visitas, a principal urgência percebida pelo pesquisador é uma inserção real dos venezuelanos na sociedade de destino. “O acolhimento não pode se resumir a fornecer comida e um local para dormir. É preciso dar meios para que eles consigam viver como qualquer cidadão brasileiro”, conclui Danilo Sodré.

Sobre a dissertação: Migração Internacional na Pan-Amazônia: Um estudo sobre a migração venezuelana e o acolhimento dos migrantes em Boa Vista-RR e BelémPA foi apresentada por Danilo Ferreira Sodré ao Programa de PósGraduação em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido (PPGDSTU/UFPA), em 2022. A pesquisa teve orientação do professor Luis Eduardo Aragón Vaca.

Beira do Rio edição 166

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