Economia
Para muito além do banco, da moeda e da política
Por André Cutrim Carvalho Foto* Acervo Pessoal
A mais importante missão da nova gestão do governo federal é retomar os caminhos do desenvolvimento socioeconômico sustentável no Brasil, com distribuição das renda funcional, setorial, regional e pessoal, procurando atuar na manutenção da estabilidade dos preços.
Para isso, a gestão deve enfrentar quatro importantes desafios: a redução da taxa de juros, bem como a aprovação do novo arcabouço fiscal; a elevação da demanda efetiva que os agentes econômicos desejam, bem como a demanda agregada, o que representa mitigar incertezas e reverter estados de expectativas de perda, no curto prazo, dos agentes privados, quanto ao futuro desconhecido; a necessidade de uma (re)negociação política que possa definir as novas bases de convivência entre o capital e o trabalho e a estabilidade da taxa de câmbio em regime flutuante, sobretudo na manutenção do equilíbrio da balança de pagamentos. Trata-se, assim, de equacionar três problemas: o hiato entre crescimento do produto interno bruto(PIB) e taxa de desemprego; o hiato entre inflação e desemprego aberto e o hiato entre a capacidade de financiamento do governo e a necessidade de investimentos.
No Brasil, a manutenção da política monetária de combate permanente contra a inflação passou a exigir um rígido controle do seu Banco Central (BC). No ano de 2021, por meio da Lei Complementar 179, o BC ganha autonomia (independência) e passa a operar contra a inflação do país como uma espécie de “guardião da moeda”.
A configuração atual da economia tem demonstrado um forte aperto monetário do BC nestes primeiros meses da gestão Lula. O Brasil dos dias atuais segue tendo a segunda maior taxa básica de juros (Selic) do mundo, hoje em 13,75%. Se o critério de comparação for a taxa de juros reais da economia, que é a diferença entre os juros nominais e a inflação, o país passa a ocupar a primeira posição, com 7,38% de juros reais, acima do México, do Chile e das Filipinas, só para citar alguns. O que justifica uma taxa de juros tão alta? Questões técnicas pautadas pela ortodoxia do BC ou questões político-partidárias contrárias ao atual governo? Na minha visão: um pouco de cada.
Devo advertir os incautos de que uma política de juros altos causa implicações contraproducentes sobre os indicadores de desigualdade, pobreza e miséria, problemas sociais que foram negligenciados e agravados nos últimos anos. Desta forma, a sustentação de tal política compromete o principal instrumento de política pública de que o governo federal pode dispor para reduzir o desemprego e reverter o estado cíclico de estagnação da economia: a realização de investimentos em capital social básico, preferencialmente no desenvolvimento de infraestrutura socioeconômica, os quais possam propiciar efeitos multiplicadores de renda e de externalidades positivas para as atividades privadas e por isso a política monetária do BC não deve ser algo isolado das ações econômicas do governo federal.
O custo social tem sido elevado, principalmente para a classe trabalhadora e a população mais humilde do país, além de seguir asfixiando o setor produtivo privado e aumentando os encargos para o pagamento da dívida pública, afinal, toda má gestão da oferta de moeda causa inflação, muitas vezes até uma recessão, o que torna esse “embate” preocupante.
O BC, como instituição de Estado, sabe dos desafios que se avizinham. De fato, existe um risco real de o Brasil entrar em uma recessão econômica no futuro. Portanto torna-se imperativa a reconstrução de “pontes” entre o BC e o governo federal baseada na combinação de políticas econômicas (política de renda, monetária, fiscal e cambial).
Para isso, cabe ao Estado brasileiro – como ator social responsável constitucionalmente pela política econômica e socialização ampla dos investimentos – desenvolver estratégias inteligentes para alcançar, de imediato, quatro importantes objetivos: acelerar o crescimento econômico com vista à redução da taxa de desemprego; manter a estabilidade de preços como fator impeditivo do conflito distributivo; promover a mobilidade social em termos de distribuição da renda, por meio de políticas públicas de investimentos em educação e redução seletiva do excesso da carga tributária; e definir parcerias público-privadas para financiar os investimentos em infraestrutura socioeconômica para o país, em um amplo processo de recuperação, inclusive da sua democracia.
André Cutrim Carvalho é economista, doutor em Desenvolvimento Econômico (Unicamp), professor pesquisador da Faculdade de Ciências Econômicas (Facecon/ ICSA/UFPA) e do Programa de Pós-Graduação em Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia (PPGEDAM/NUMA/UFPA). E-mail: andrecc83@gmail.com
*Foto de capa - José Cruz (Agência Brasil)
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