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Belém (Re)vista

Publicado: Quinta, 18 de Maio de 2023, 20h52 | Última atualização em Terça, 04 de Julho de 2023, 14h37 | Acessos: 408

Dissertação analisa trabalho documental da fotógrafa Naiara Jinknss

ParaTodosVerem: Fotografia colorida mostra a região do  Ver-o-Peso, em Belém. Imagem destaca não só a construção conhecida como Mercado de Ferro (ou Mercado do Peixe), estrutura pintada de cor azul, mas também a passagem de um ônibus de linha urbana, nas cores branca e amarela, com a escrita "Gentil" no letreiro. Na cena, ainda é possível observar alguns pedestres e veículos estacionados.
ParaTodosVerem: Fotografia colorida mostra a região do Ver-o-Peso, em Belém. Imagem destaca não só a construção conhecida como Mercado de Ferro (ou Mercado do Peixe), estrutura pintada de cor azul, mas também a passagem de um ônibus de linha urbana, nas cores branca e amarela, com a escrita "Gentil" no letreiro. Na cena, ainda é possível observar alguns pedestres e veículos estacionados.

Por: Jambu Freitas Foto: Naiara Jinknss

Feche os olhos e pense no termo “Amazônia”. Mas atenção! Cuidado para não reproduzir estereótipos. Afinal, a região está longe de ser um ambiente homogêneo. A pluralidade do território é tamanha que há quem chame de “as Amazônias”, sem soar exagero. O espaço engloba nove países da América Latina e abriga mais de 3 mil territórios indígenas reconhecidos legalmente, para citar apenas duas características.

Apesar da diversidade, o peso da padronização ainda é o mais forte. As produções científicas e culturais veiculadas na mídia nacional e internacional, bem como nos espaços educativos, em geral, não retratam a multiplicidade étnico-cultural presente nas Amazônias e reforçam um discurso predominante, que, não raro, apaga a cultura das pessoas e dos povos que habitam o local. O discurso que se construiu sobre a região partiu (e continua partindo) de um imaginário colonizador, que, por séculos, apontou como subalternos os povos que ali viviam. Uma representação perpetuada nos textos, nas pinturas e na fotografia séculos depois. Revistas, jornais e programas de televisão perpetuaram esses discursos para estabelecer a região amazônica brasileira somente como espaço exótico, pouco urbanizado, com predomínio de florestas e, por isso, tido como “inferior” ao resto do Brasil. 

Na cidade de Belém, no Pará, pesquisam-se artistas que utilizam a fotografia documental urbana como objeto para a desconstrução de um discurso homogeneizador. Uma produção que parte dos moradores da região para que representem a sua realidade sob suas próprias lentes. Nesse contexto, artistas encontram espaço para retratar a realidade dos trabalhadores e comerciantes urbanos, especialmente aqueles que trabalham no Mercado do Ver-o-Peso, em Belém. 

Profissionais, como a fotógrafa Naiara Jinknss, desenvolvem discursos de resistência nortista por meio dessa representação que contrapõe a visão estereotipada da cidade. Um trabalho que, inclusive, virou tema de dissertação de mestrado com o título Cidade (Re)Vista: interpretação decolonial da fotografia de Naiara Jinknss em Belém do Pará. O trabalho foi escrito por Juliane Oliveira Santa Brígida, orientado pela professora Marina Ramos Neves de Castro e apresentado em 2022, no Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Cultura e Amazônia, da Universidade Federal do Pará. Ao longo da pesquisa, a autora desenvolve uma abordagem fenomenológica decolonial sobre as publicações feitas por Naiara, no Instagram, ao longo do ano de 2019.

Juliane conheceu o trabalho de Naiara por meio das publicações divulgadas nas redes sociais e se conectou com a característica de produção. Ela conta que essa conexão ocorreu não só pelos tons de vermelho, verde e azul ou pelos contrastes do branco da garça e do preto do urubu, mas também pela produção humanizada, que capturava os trabalhadores do Ver-o-Peso, além das legendas com reflexões profundas sobre temas sociais como negritude, feminismo, violência contra a mulher e resistência. Os sujeitos nas imagens aparecem não somente como objetos a serem fotografados, mas também como pessoas repletas de camadas, que não temem a lente de Jinknss, pela relação de proximidade e amizade construída entre a fotógrafa e os fotografados. 

Fotógrafa cria intimidade com personagens, o que destaca seu trabalho documental 

Para a autora, apesar de a decolonialidade não ter sido o enfoque inicial da produção da artista visual, suas fotografias assumem essa característica na forma em que se apresentam. Quando se destacam as cores, os trabalhadores, os animais, a arquitetura, o clima, o cotidiano e os problemas urbanos de Belém, também se resgata uma parte da identidade da cidade. 

“No seu trabalho e nas suas postagens, Naiara Jinknss reivindica o fazer de uma fotografia mais humana. Ela busca ter um contato mais próximo e desenvolver essas relações com os fotografados. Então as pessoas não são personagens no trabalho da fotógrafa. As pessoas são pessoas. Com suas nuances, com suas particularidades. É muito interessante como os feirantes, os trabalhadores do Ver-O-Peso e do Mercado de Peixe não parecem intimidados pela sua câmera. Eles conhecem e têm uma relação de amizade com ela. E esses pontos foram os elementos de que eu senti falta ao pesquisar o trabalho documental de outros fotógrafos urbanos belenenses. O ponto de cisão. Eu encarei a fotografia da Naiara como diferenciada nesses determinados aspectos”, afirma Juliane Santa Brígida. 

A princípio, a dissertação seria desenvolvida por meio de entrevistas com as pessoas fotografadas, buscando tratar de questões sobre identidade e o uso da fotografia. Em razão da Covid-19, o contato com os trabalhadores da Feira do Ver-o-Peso ficou impossibilitado, necessitando que o tema da pesquisa e sua metodologia sofressem alterações. Nessa nova construção, a autora se desdobrou sobre as redes sociais da fotógrafa para compor planilhas com os números de curtidas e comentários, medindo o alcance das publicações e a interação do público com as postagens, com o objetivo de perceber quais aspectos conectam os seguidores com as fotografias e refletir sobre como o público de Jinknss reagia ao se relacionar com as fotografias através da rede social.

Segundo Brígida, embora a construção de um discurso que foge da colonialidade possa não ter sido o principal objetivo da fotógrafa no começo de seu trabalho, suas produções adquirem essa potencialidade pelo esforço de romper com o comum e pelas construções das narrativas locais. São obras que reivindicam a cultura e um cotidiano da cidade que sofreu muito com o processo de apagamento. Com isso, a dissertação analisa criticamente o fazer fotográfico, pensando a fotografia de Naiara Jinknss como aparato de resistência contra os processos de colonização impostos na Região Norte e na Amazônia.

“O que eu espero que a minha dissertação traga para a sociedade é justamente mostrar para as pessoas que nós não somos os outros, esse é um lugar em que nos colocaram. Dizem que a Amazônia é só floresta, subestimam o nosso potencial, e eu espero conseguir expor que nós temos pesquisadores, artistas profissionais, fotógrafos e muito mais. Nada mais justo de que as imagens que representem a Amazônia sejam produzidas por quem reconhece que existe um discurso de poder hegemônico que a invisibiliza e está trabalhando para mudar esse cenário em suas produções”, concluiu a pesquisadora.

Edição Edmê Gomes - Beira do Rio ed.166

 

 

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