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Estudo pesquisa espécies da família Loricariidae no rio Xingu

Publicado: Segunda, 09 de Julho de 2018, 18h27 | Última atualização em Segunda, 30 de Julho de 2018, 12h40 | Acessos: 3298

Dados poderão dimensionar impactos da obra Usina de Belo Monte

imagem sem descrição.

Por Renan Monteiro Fotos Acervo da Pesquisa

A Amazônia, com sua biodiversidade e bacia hidrográfica, é uma das regiões exportadoras de espécies ornamentais de água doce. Esse contexto é fundamental para compreender a pesquisa de doutorado de Ana Paula Roman, intitulada Pesca e dinâmica populacional de peixes ornamentais no Rio Xingu, Amazônia Brasileira: dados pré-barramento do empreendimento hidrelétrico de Belo Monte.

Esse trabalho, realizado no Programa de Pós-Graduação em Ecologia Aquática e Pesca, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB/UFPA), teve como principal objetivo contribuir para o conhecimento da ecologia populacional de duas espécies de peixes da família Loricariidae, bem como a dinâmica da sua pesca no rio Xingu (PA) para o levantamento de dados pré-barramento, isto é, antes da finalização das obras e dos impactos ambientais da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.

O Pará é o principal exportador de espécies da família Loricariidae, localmente conhecidos como “acaris”. A pesquisa foi voltada para duas espécies de Loricariidae com grande importância no mercado internacional de peixes ornamentais: Pekoltia vittata, conhecido, localmente, como “tigre de listra”, e Scobinancistrus aureatus, conhecido, localmente, como “picota ouro”. Uma como modelo para espécies endêmicas (aquelas que se concentraram em regiões específicas) e outra como modelo para espécies de ampla distribuição.

“A escolha se justifica porque são espécies de grande importância para a pesca ornamental, são de fácil captura, habitam vários tipos de substrato ao longo do rio Xingu e não há muitas informações sobre sua biologia e ecologia disponíveis na literatura científica”, explica Ana Paula.

Este trabalho se concentra na região entre a comunidade da Ilha da Fazenda, na região da Volta Grande, e a comunidade de Boa Esperança, a montante (acima do barramento da Hidrelétrica de Belo Monte) de Altamira, considerando que essa área do rio irá sofrer maiores mudanças decorrentes da implantação da UHE de Belo Monte. Os dados para este trabalho foram coletados entre 2012 e 2014, antes do barramento, ou seja, o fechamento total do rio Xingu.

No rio Xingu, a pesca ornamental é uma atividade tradicional, realizada por mergulho. É fonte geradora de renda e emprego, e dela depende um número considerável de pescadores especialistas em suas atividades. O rio Xingu também é rico em espécies e apresenta características geográficas e hidrológicas que favorecem a diversidade de microambientes. A sua fauna diversa possui alto valor para o mercado de peixes ornamentais, tornando muitas espécies intensamente exploradas.

A captura das espécies foi realizada por meio de coleta manual, durante mergulho com compressor, por pescadores especializados nesta atividade. Todos os espécimes coletados foram identificados, contados, medidos em comprimento total (cm) e pesados (g) para um estudo populacional pré-barramento do rio. Foi capturado e medido um total de 1.405 unidades de P.vittata e cerca de 2.210 unidades de S. aureatus.

Pesca ornamental prejudica estudos da biodiversidade

A pesca ornamental na Amazônia é prejudicial à preservação da biodiversidade da região, pois grande parte das espécies exploradas e exportadas é rara e desconhecida, do ponto de vista científico. Isso pode ameaçar de extinção algumas espécies, sem que haja informações mínimas sobre sua biologia e ecologia.

Soma-se a essa questão a construção da terceira maior hidrelétrica do mundo na região. Entre os inúmeros impactos da obra, destaca-se a modificação do regime fluvial e, portanto, o hábitat natural das espécies do rio Xingu. “Ainda não se sabe o que vai acontecer com essas espécies, após o início do funcionamento da hidrelétrica, visto que, em todo o trecho de distribuição do rio, ocorrerão mudanças ambientais graves”, afirma Ana Paula Roman.

Não ocorrerá mais o ciclo hidrológico como acontece naturalmente. Um trecho do rio permanecerá na estação cheia, como um ambiente de lago, em que será localizado o reservatório da hidrelétrica, na região conhecida como Sítio Pimental, um pouco acima da cidade de Altamira. O outro, trecho na região abaixo do barramento no Sítio Pimental até a área das grandes cachoeiras da Volta Grande do Xingu, permanecerá como na estação de seca, grande parte do ano.

“A fauna de peixes das duas regiões é extremadamente dependente do nível dos rios e da dinâmica sazonal de inundação. P. vittata e S. aureatus, como muitos outros Loricariidae do rio Xingu, habitam os blocos rochosos dos segmentos rápidos do rio. Sua abundância e distribuição dependem da velocidade da água, da profundidade e da disponibilidade de ambientes inundados”, explica a pesquisadora Ana Paula.

A construção da Hidrelétrica de Belo Monte vai afetar não somente o ecossistema aquático, mas também muitas pessoas que têm na pesca ornamental o seu único meio de sustento. A pesca como atividade tradicional da região fez com que os pescadores se especializassem em um nível, de forma que eles mesmos afirmam não saberem exercer outra atividade.

Além das questões socioambientais, há o problema da exploração ilegal das espécies. Em 2014, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) elaborou uma lista de espécies ameaçadas de extinção, as quais tiveram sua captura e comercialização proibidas. Contudo a pesquisa de Ana Paula aponta para um grande descompasso entre as espécies demandadas pelo mercado e as espécies realmente permitidas para captura, pois, com a precária fiscalização dos órgãos responsáveis, o comércio ilegal das espécies torna-se comum.

“A espécie S. aureatus, alvo deste estudo, teve sua captura e venda proibida a partir de 2014, ano em que a sua produção praticamente duplicou, mostrando claramente que, em se tratando da pesca ornamental, a proibição acaba estimulando a ilegalidade, valorizando a espécie no mercado negro”, revela a pesquisadora.

Espécies ficarão mais vulneráveis em períodos de seca

A UHE de Belo Monte tem previsão de finalização de obras para 2019, mas já gera energia elétrica desde 2015. Como já foi ressaltado anteriormente, com a instalação do empreendimento hidrelétrico, está ocorrendo e ocorrerá uma série de modificações no ambiente natural da área. Umas das possíveis consequências da construção da usina é a alteração da temperatura da água no ambiente após o barramento.

Os resultados deste estudo mostram que as duas espécies analisadas ficam mais vulneráveis em períodos de seca, e o seu crescimento é mais lento em períodos com temperaturas mais altas. “Se somarmos a isso o fato de que cotas mais baixas do rio devem implicar em maiores índices de capturabilidade pela pesca comercial, compreende-se facilmente que tanto P. vittata com S. aureatus encontram-se sob ameaça para sua conservação depois do barramento do rio”, pondera Ana Paula Roman.

A pesquisa mostra, também, que o ciclo hidrológico do rio exerce influência no ciclo de vida das espécies e, por sua vez, na pesca. Contudo, em um rio como o Xingu, com uma imensa e diversa biodiversidade, existe uma complexidade de fatores que pode atuar, com mais ou menos intensidade, na dinâmica dessas populações de peixes.

Todavia Ana Paula avalia que, para além dos resultados e das informações, a maior contribuição deste trabalho “foi servir como um retrato pré-barramento, funcionando como base para os próximos estudos que ocorrerem após o completo enchimento do reservatório e o pleno estabelecimento do trecho de vazão reduzida na região”.

A pesquisadora acrescenta que “estudos que incrementem os conhecimentos sobre a ecologia das espécies que serão afetadas pelo empreendimento, antes que os principais impactos ocorram, passam a ser mais do que relevantes, pois servirão como base para avaliar as modificações ambientais e a necessidade de medidas de mitigação e compensação, não somente ambientais, mas também para aqueles que têm, na atividade pesqueira, seu (muitas vezes único) meio de sustento”.

Ed.143 - Junho e Julho de 2018

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Pesca e dinâmica populacional de peixes ornamentais no Rio Xingu, Amazônia Brasileira: dados pré-barramento do empreendimento hidrelétrico de Belo Monte.

Autora: Ana Paula Roman

Orientadora: Victoria Isaac

Co-orientador: Ulrich  Saint-Paul

Programa de Pós-Graduação em Ecologia Aquática e Pesca, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB/UFPA)

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