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Atividade de alto risco

Escrito por Rosyane Rodrigues | Publicado: Quarta, 26 de Junho de 2024, 19h51 | Última atualização em Quarta, 26 de Junho de 2024, 19h51 | Acessos: 935

Impactos com exploração de petróleo são imprevisíveis

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Cíntia Magno, especial para o Beira do Rio | Foto: Oton Barros/DPI-INPE

Quando se discute o papel da Amazônia e a sua relevância para a regulação do clima global, não é incomum que as atenções se voltem para a floresta continental. Porém, quando se detém a mais longa área contínua de manguezal do mundo, não se pode ignorar o papel fundamental que a região costeira amazônica e as áreas de mangue possuem no contexto das discussões climáticas.

O oceanógrafo, doutor em Geologia Costeira e professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), Nils Edvin Asp Neto, lembra que na natureza não existe essa divisão rígida entre o que é a área continental e o que é a região marinha. Pelo contrário, o que se vê é uma transição em que tudo está interligado, fazendo com que aquilo que ocorre na Floresta Amazônica, por exemplo, impacte também o ambiente costeiro marinho adjacente. “O rio Amazonas é disparado o maior rio do mundo e carrega, além de uma quantidade absurda de água, uma quantidade absurda de sedimentos, nutrientes, incluindo o carbono orgânico que vai para o ambiente marinho e que, em grande parte, é retido e distribuído nos manguezais. Então, de qualquer forma, a parte continental e a parte marinha estão muito conectadas, mais do que a maioria das pessoas percebe”, afirma o professor.

O próprio gigantismo que caracteriza não apenas a região amazônica como um todo, mas o próprio rio Amazonas, dá a dimensão do papel do bioma para a questão climática. Maior rio do mundo, o Amazonas pode representar até 20% da água doce que é descarregada no oceano. Junto com essa quantidade de água, são levados matéria orgânica dissolvida e sedimento inorgânico particulado. “O manguezal é um grande sequestrador de carbono, inclusive, retendo parte da matéria orgânica (o carbono) e também do sedimento inorgânico que o Amazonas está jogando no mar. E o manguezal tem uma taxa de retenção de carbono por área que é de duas a quatro vezes maior do que a floresta continental amazônica. Então, o mangue é muito mais eficiente em reter carbono, por exemplo”, exemplifica Nils.

Mangue é o berçário da biodiversidade marinha

No caso específico da região amazônica, a combinação da existência do manguezal com o rio Amazonas possibilita que esse carbono excedente chegue até o ambiente costeiro marinho, condição em que o mangue, em associação à floresta, ajuda a reter essa matéria orgânica e esses nutrientes. “Além desse papel, que é importante para o clima, o mangue tem o papel de berçário, de grande elo dessa biodiversidade marinha costeira. Então, a nossa região é uma região pesqueira muito importante, mas, se não fosse essa combinação do rio Amazonas, do manguezal e de recifes mesofóticos que ocorrem na parte mais externa da margem continental, não haveria essa produtividade. É uma combinação de fatores e, se uma parte desse sistema não funcionar, o sistema inteiro pode colapsar”, considera o professor Nils Asp.

Diante da importância e da complexidade do sistema, deve-se considerar que qualquer ação ou utilização dessa área e dos seus recursos, inclusive os pesqueiros, precisa ser muito bem planejada e discutida. Um aspecto positivo destacado pelo oceanógrafo é que a costa de manguezais, existente no litoral entre os estados do Maranhão e do Pará, apresenta um bom status de proteção em decorrência das Reservas Extrativistas (Resex), pois as comunidades tradicionais que nelas habitam colaboram significativamente para a sua preservação. Mas há que se considerar que riscos podem surgir, já que, como se trata de um sistema interligado, eles podem afetar externamente essa área que estaria protegida.

Entre os eventuais impactos que estão em pauta, está a possibilidade de exploração de petróleo na região da bacia da foz do Amazonas. Para o professor Nils Edvin Asp Neto, a grande questão está no fato de ainda não se ter uma compreensão clara do possível impacto que poderia ser ocasionado, caso houvesse algum acidente durante a exploração do recurso, por exemplo.

“Isso tem sido uma discussão longa e complexa, mas o problema atual é que as instituições carecem de financiamento para se estudar isso de maneira independente, sem considerar os interesses de empresas de óleo e gás, tampouco os de ambientalistas, por exemplo. Outro detalhe – que não é pequeno, mas que precisa ser discutido – é a falta de conhecimento da região. Estamos falando de milhares de quilômetros de manguezal, de uma pluma do rio Amazonas da ordem de 1 milhão de km², de milhares de quilômetros de ocorrência de recifes mesofóticos. Até hoje essa área não é claramente mapeada e realmente conhecida cientificamente”, alerta o oceanógrafo.

 Ainda é difícil prever consequências em caso de acidente

Diante desse cenário, Nils Asp considera difícil discutir os impactos de um eventual acidente com a exploração de óleo e gás, porque o nível de conhecimento da região hoje não permite dimensionar o tamanho desse impacto ou garantir que o óleo não chegará até a costa, por exemplo.

Considerando, ainda, outros aspectos da discussão, Nils Asp avalia que também não se pode ignorar a necessidade urgente de se reduzirem o uso de combustíveis fósseis e as emissões de carbono, ao mesmo tempo que há uma discussão socioeconômica por trás do tema. “Essa discussão é mais profunda porque não é só como um eventual acidente poderia afetar a região, mas como a abertura de uma nova fronteira de óleo e gás atrasaria uma transição energética que é urgente”, avalia. “E também existe a discussão econômica. Muitas vezes, a preservação e a conservação dessas áreas têm um custo socioeconômico. Precisamos avançar nas políticas e nos mecanismos de compensação financeira em relação a isso”, afirma.

Para o professor, esta é uma discussão central, pois, dentro do modelo econômico vigente, a exploração de um recurso mineral importante como o petróleo traria recursos financeiros para o país e, especialmente, para a região amazônica. “Nós somos pressionados internacionalmente para não abrir essa nova fronteira de exploração de óleo e gás, mas quem vai compensar financeiramente a região pela não utilização desse recurso? Esse debate precisa evoluir. Hoje os mecanismos de compensação de crédito de carbono ainda são precários. Esse ponto vai emergir durante a SBPC e, principalmente, na COP 30”, considera Nils Asp. “Essa discussão climática precisa ocorrer e resultar em ações efetivas, até porque, se o sistema da foz do Amazonas colapsar, causará um impacto no clima global”.

Beira do Rio edição 171

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