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Belém: a capital da Amazônia

Escrito por Beira do Rio | Publicado: Quarta, 08 de Janeiro de 2025, 18h17 | Última atualização em Quarta, 08 de Janeiro de 2025, 19h06 | Acessos: 38

Mistura de tradição e modernidade deve surpreender visitantes

imagem sem descrição.

Cintia Magno, especial para o Beira do Rio. Foto: Adolfo Lemos

As características culturais, tão próprias da capital paraense, convidam a conhecer uma Belém que foge aos roteiros comuns apresentados a quem visita a capital amazônica pela primeira vez. Seja nas tradições ritualísticas, na farta gastronomia, nos traços do patrimônio históri­co, seja nas manifestações culturais populares, não faltam opções para quem quer conhecer Belém além do óbvio.

Ao ampliar o olhar para além dos pontos turísti­cos, é possível experimentar outros aspectos impor­tantes da memória de Belém que estão empregados no Centro Histórico, em ruas como as avenidas Generalíssimo Deodoro, 16 de Novembro e 13 de Maio, bem como nos distritos de Icoaraci, Outeiro e Mosqueiro. Todos esses espaços são pontos mapea­dos pelo Projeto de Extensão Roteiros Geo-Turísticos, da Universidade Federal do Pará (UFPA), criado em 12 de janeiro de 2011.

Professora da Faculdade de Geografia (IFCH/ UFPA) e coordenadora do projeto de extensão, Maria Goretti Tavares explica que a iniciativa tem o objetivo de falar do patrimônio na cidade de Belém envolvendo aspectos da geografia e da cultura, aliados às diversas áreas do conhecimento, como História, Turismo, Arquitetura, Museologia, entre outros. Apesar de, naturalmente, englobar pontos turísticos icônicos da capital paraense, como o próprio Ver-o-Peso, os roteiros também convidam a conhecer outros elementos importantes da história da cidade. “Para além desses espaços tradicionais e turísticos, temos roteiros no bairro Campina, um bairro comercial e histórico importante. Percorremos bairros que, normalmente, não são turísticos, mas são importantes porque revelam a história e a memória”, explica a professora.

Hoje, o projeto conta com 12 roteiros consolida­dos. O percurso que visita espaços do bairro Batista Campos aborda aspectos relacionados à Praça Batista Campos, às maçonarias ali localizadas e ao centenário Cemitério de Nossa Senhora da Soleda­de, presente no cenário belenense desde 1850 e tes­temunha de uma época marcada pela ocorrência de grandes epidemias que resultaram na morte de milhares de pessoas e levaram ao esgotamento da capacidade da necrópole em apenas três décadas de funcionamento.

No roteiro do bairro Umarizal, o percurso inicia na Praça Brasil e segue pela avenida Generalíssimo Deodoro, larga avenida que, no passado, já abrigou os trilhos do bonde elétrico que fazia o transporte em Belém e que, até hoje, acolhe instituições de assistência médica centenárias. Já no roteiro ‘Pela Estrada de São José’, a caminhada inicia no Polo Joalheiro, construção que abrigou o antigo Presídio São José, e segue até a Praça da Bandeira.

Icoaraci guarda arquitetura do início do século XX

Para quem tem disposição para ir além da área central da cidade, o patrimônio histórico e cultural presente nos distritos de Icoaraci e Outeiro vale a experiência. Ainda no século XIX, Icoaraci atendia pelo nome de Vila de São João de Pinheiro e servia de refúgio para as famílias mais abastadas que investiam na construção de suntuosas ca­sas de veraneio no local. Em meados de 1906, já no século XX, a vila ganhou um ramal da antiga Estrada de Ferro de Bragança, que funcionava em via dupla, com trilhos vindos da Europa. Até hoje, é possível visitar a antiga Estação Pi­nheiro, localizada na rua Padre Júlio Maria. Também desse período, é o chalé do livreiro português Eduardo Tavares Cardoso, que, atualmente, abriga a Biblioteca Municipal Avertano Rocha.

Mas, além do que pode ser visto na cidade, a profes­sora Goretti Tavares aponta que o Projeto Roteiros Geo-Tu­rísticos nos convida a conhecer as ‘ausências’ que também ajudam a compreender parte do processo de formação de Belém e de sua população. “Nós também temos uma dimensão decolonial, ou seja, falamos do que está ausente nas representações materiais nos espaços de Belém. Por exemplo, as presenças afrodescendente e indígena são muito importantes na formação da nossa cultura, mas es­tão pouco representadas em nomes de ruas e estátuas”, considera. “A gente fala da ausência, por exemplo, das mulheres nos nomes de ruas. Então, também existe uma discrepância na questão do gênero”.

Para que essas e outras dimensões da memória de Belém sejam abordadas nos roteiros, Goretti explica que uma equipe de professores consultores colabora com o projeto, o que envolve diversas áreas, como Geografia, História, Arquitetura, Museologia e Turismo. Em 13 anos de existência do projeto de extensão, calcula-se que mais de 10 mil pessoas já tenham participado, sendo que 95% desse total são formados por moradoras(es) de Belém. “Isso revela a importância do roteiro como uma ação de educação patrimonial, pois você só pode defender a cidade e o pa­trimônio se conhecer a sua história, a sua geografia e a sua cultura”, avalia a professora.

Barracas de rua entregam gastronomia tradicional

Se existe um patrimônio cultural que o belenense faz questão de defender é a farta gastronomia encontrada em diferentes pontos da cidade. E para fugir do comum, uma alternativa é fazer um tour gastronômico nas barraquinhas encontradas nas esquinas de Belém, apreciando as comi­das, do modo mais tradicional possível.

Para a historiadora da alimentação e professora da UFPA Sidiana Macêdo, a comida típica paraense criou a identidade da cozinha amazônica composta por elementos indígenas e por diversas trocas com os povos que passaram pelo nosso território. “Essa valorização ganha espaço com os modernistas paraenses que elevaram a alimentação como parte importante da cultura no estado, a exemplo de Jacques Flores, Osvaldo Orico, entre outros”, relaciona. “Mas esse sentimento identitário ganha espaço na socieda­de nos anos 80 do século XX, quando essas comidas típicas passaram a ocupar destaque na gastronomia local. Foi a partir daí que a sociedade passou a se identificar com a cozinha amazônica e seus pratos típicos”.

É preciso considerar que as particularidades de hábi­tos alimentares resguardadas em Belém não são as mesmas encontradas em outros municípios do estado. Ao circular pelas ruas da capital, visitantes e moradores são convida­dos, pelo olfato, a degustar uma cuia de tacacá ou um prato de maniçoba. Geralmente, o perfume característico do tucupi ou da maniva nos leva às barraquinhas de comi­das típicas. “As barraquinhas surgem com as vendedoras ambulantes que, ora vendendo pelas ruas, ora armando barracas em pontos específicos, vendiam bebidas e comi­das. Eram as quituteiras”, explica Sidiana.

Além das comidas típicas, Sidiana Macêdo conta que outros alimentos também eram ofertados como, por exemplo, pastéis, mingau, arroz com galinha e salgados fritos, como unha de caranguejo. “Quem vem a Belém não pode deixar de provar o açaí com peixe frito, a caipirinha de taperebá e o suco de bacuri. Os sorvetes regionais, o bolo de macaxeira e o cachorro-quente também estão nesta lista”.

Ervas para um banho de cheiro, de sorte e de saúde

No Complexo do Ver-o-Peso, é possível conhecer outro aspecto da identidade de Belém: a sua relação com as ervas de cheiro. No mercado, cartão-postal da cidade, há um setor em que você vivencia não apenas o perfume das folhagens, mas tam­bém, sobretudo, os saberes por trás do uso de cada uma delas.

Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFPA, a pesquisadora Laura Carolina Vieira considera os banhos de cheiro, as garrafadas, as tinturas e outros artefatos comercializados pelas er­veiras(os) do setor das ervas na Feira do Ver-o-Peso a materialização do saber tradicional regional. “Em Be­lém, a prática dos banhos de cheiro e das garrafadas remonta ao período colonial, resultado do conjunto de interações interétnicas dos saberes tradicionais de povos indígenas e negros, assim, com influências da fitoterapia europeia”.

A pesquisadora considera, ainda, que, desde aquela época, os banhos de cheiro são formas po­pulares de medicina, na medida em que suas curas envolvem “etnoper­cepções holísticas sobre enfermida­des”. “Os artigos estão circunscritos não apenas a usos ritualísticos, mas também possuem um uso cotidiano. Ressalva-se o caráter integrativo entre a saúde física e a espiritual”, observa Laura.

Ainda que não se saiba, ao certo, há quanto tempo as ervas e os banhos de cheiro estão presentes na Feira do Ver-o-Peso, Laura destaca que há relatos indicando essa pre­sença desde o governo do intenden­te Antônio Lemos, cujas intervenções urbanísticas ficaram conhecidas por reformular o cenário de Belém. Também é sabido que esses artigos já eram comercializados na cidade antes disso, pela atuação de vende­dores ambulantes nos bairros Cidade Velha, Reduto e Campina. Não à toa, a tradição ligada ao ofício das(os) erveiras(os) foi reconhecida pela Câmara Municipal de Belém.

Festas de aparelhagem – Quando se trata de tradição, a manifestação da cultura popular marcada pelas fes­tas de aparelhagem não pode passar despercebida. Os primeiros registros datam dos anos 1940, quando os equipamentos de som ainda eram chamados de sono­ros. O professor da Faculdade de História (IFCH/UFPA) Antônio Maurício Dias da Costa aponta que a existência dessas festas está registrada em jornais, em textos de memorialistas e na própria memória de quem trabalhou nelas. “Esses equipamentos de som que tocam nas festas dançantes de Belém eram conhecidos como sonoros, nos anos entre 1940 e 1970. Apenas no final de 1970, o nome aparelhagem passa a ser usado cotidianamente”.

À época, esses empreendimentos eram fruto de um investimento familiar. O professor Antônio Maurício explica que “os equipamentos eram adquiridos por particulares que organizavam os seus sonoros para festas familiares ou de vizinhança e que, rapidamente, se transferiram para a sonorização de bailes dançantes e eventos profissionais que existiam na cidade”.

Algumas das características contribuíram para que, sem demora, as festas se tornassem um negócio bem es­truturado. Entre elas, estão: o foco na tecnologia, a forte identificação dos frequentadores com a aparelhagem e a participação do DJ, que, além de tocar, narra o que acontece na festa, em tempo real. Antônio Maurício acredita que a identificação do público com as apa­relhagens foi responsável pela popularização das festas ao longo dos anos. “É como se a aparelhagem fosse um artista, uma estrela do mercado de entretenimento da cidade. A aparelhagem não é apenas um equipamento de reprodução musical, ela é sinônimo de experiência coletiva da efervescência festiva”, afirma.

Para quem deseja conhecer Belém e a sua popula­ção por dentro, essas manifestações culturais e artísticas são um bom caminho. “As festas de aparelhagem falam de uma cidade com uma população predominantemen­te moradora da periferia, de baixo poder econômico, mas que tem uma habilidade e uma capacidade grande de se adaptar diante das inovações tecnológicas e das mudanças do ‘sistema mundo’, como diria Milton Santos”, conclui.

Beira do Rio edição 173

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