Entrevista: "Por uma universidade em diálogo com o mundo"
Prof. Gilmar Pereira da Silva é o 14º reitor eleito e empossado na UFPA
Por Walter Pinto. Foto: Alexandre de Moraes
Após atuar como vice-reitor por oito anos, o professor Gilmar Pereira da Silva foi eleito e empossado como o 14º reitor da UFPA. Graduado em Pedagogia, mestre e doutor em Educação, ele está à frente de uma das principais universidades públicas brasileiras, com 55 mil estudantes, atuação por todo o estado do Pará e uma forte inserção no mundo. Como vice-reitor, ele liderou um processo de inclusão que ultrapassou os limites da interiorização ao estabelecer um novo conceito à UFPA, o de Universidade Multicampi. Preocupado com a formação no interior, ele busca integrar a pós-graduação a todo o estado. Nesta entrevista, o novo reitor da UFPA fala do seu projeto de universidade e das ações que desenvolverá no quadriênio 2024-2028, com vista a consolidar a Universidade entre as maiores do Brasil.
Ciência como instrumento de transformação
A Universidade tem que ter um projeto de sociedade em que atue como elo de desenvolvimento e transformação do estado, da Amazônia e do país. Meu compromisso é estimular a ciência, mas uma ciência engajada, que se preocupe com a estrutura governamental, mas também com os movimentos social e sindical, com as populações ribeirinhas, indígenas e quilombolas, ou seja, com a sociedade de um modo geral. Penso em uma instituição científica que divulgue sua produção e possibilite o uso da ciência pela sociedade no sentido da transformação. É com essa acepção que volto a duas ações pelas quais me empenhei como vice-reitor: perspectiva multicampi, porque somos uma universidade com 12 campi; e perspectiva de inclusão, porque alimento o sonho de que os povos amazônicos compreendam a importância e o papel deles de transformação deste país. A UFPA tem que ter esse comprometimento. Para isso, usando uma expressão popular, o reitor precisa ser um camarada que tenha capacidade de "vender bem o peixe", precisa entender cada detalhe da instituição e da sociedade. Entender, por exemplo, como fazer para que uma pesquisa com o açaí chegue ao trabalhador que colhe o açaí, de tal forma que, para além da polpa, ele possa explorar todas as possibilidades oferecidas pela ciência. Pensar como o pesquisador que constrói um barco elétrico, como o que construímos na UFPA, pode replicar a tecnologia pelas pequenas embarcações que fazem o transporte de estudantes. Estimular o cientista da nutrição a pesquisar dentro de uma perspectiva de alimentação que possa servir, por exemplo, à merenda escolar. Penso em uma universidade que tenha esse pé sempre presente na comunidade, que participe do dia a dia da população da Amazônia.
Extensão avançada
Alcançar esse objetivo passa por um projeto de extensão para além da estrutura da universidade. Dou como exemplo o Programa Proexia, um projeto de extensão avançada iniciado pela UFPA no Movimento de Emaús. O Proexia foi replicado nos Campi de Soure e de Breves, cada um com dez projetos. Hoje, está presente nos Campi de Abaetetuba, Cametá e Tucuruí, cada qual com dez projetos. Pretendemos fazer o mesmo nas regiões nordeste, do Xingu e Metropolitana. A ideia é que os professores que fazem extensão dialoguem com as populações dessas regiões. Estamos sempre falando de biodiversidade, bioeconomia, pesca artesanal, coisas que o nosso povo faz na prática. Então, precisamos ter capacidade e humildade para dialogar com essa população e pensar como instrumentalizar isso de tal forma que a população possa absorver a ciência produzida nos nossos laboratórios e nossos pesquisadores levem para as suas pesquisas o conhecimento tradicional das populações.
Assistência aos estudantes
A UFPA desenvolve uma política de acesso que é referência. Temos PS, PSE Indígena, PSE Quilombola e ações de acesso para estudantes estrangeiros. Temos, hoje, 55 mil estudantes. Mas precisamos estabelecer uma política consistente de permanência desses estudantes. Isso passa pela garantia de alimentação para todos, como temos no Campus Belém. No entanto, onde a pobreza é maior, ainda precisamos nos fazer presente. Por isso assumi a responsabilidade de, nos próximos quatro anos, criar uma política de alimentação para os campi do interior. A transformação da Superintendência de Assistência Estudantil em Pró-Reitoria é um passo decisivo para alcançarmos esse objetivo. Entendemos que a UFPA precisa ter uma estrutura forte, com visibilidade, para garantir a alimentação nos campi do interior. Precisamos também construir uma política de bolsa para aqueles estudantes, sobretudo os mais pobres. É imperativo proporcionar condições para que eles possam, pelo menos uma vez ao ano, sair dos muros da Universidade para participar de eventos acadêmicos. Tudo isso despende trabalho e recursos financeiros. Neste momento, trabalho com a Proad, a Propesp e a Saest, no desenho dessa política que iremos entregar à razão de ser da UFPA, os seus estudantes. Eles precisam de formação de qualidade e condições de permanência. Outro projeto nosso é a criação, nos campi do interior, de Centros de Convivência, espaços de descanso, alimentação e lazer para os estudantes. Estamos conversando com a Fadesp neste sentido. Planejo construir um em cada campus durante o meu mandato.
Pós-Graduação nos campi
A UFPA tem, hoje, uma quantidade muito significativa de programas de mestrado e doutorado, avaliados de forma muito positiva. Somos a terceira universidade em número de programas de pós-graduação no Brasil, um dado espetacular. Mas precisamos entender que a pós-graduação existe em função da graduação. Neste sentido, envidaremos todos os esforços para estabelecer um diálogo consistente entre a pesquisa e o ensino de graduação. Na pós-graduação, temos algumas áreas estratégicas que cresceram por si sós e que atingiram excelência internacional, como as Geociências e o NAEA, ambas notas 7, conceito máximo na avaliação da Capes. Temos um conjunto de programas nota 6, entre os quais, estão os Programas de Psicologia e de Letras. E temos um conjunto grande de programas com nota 5, que é a excelência nacional. Sem perder de vista o já consolidado, precisamos ampliar os programas de pós-graduação nos campi do interior. Penso que é muito importante consolidá-los em suas totalidades.
A Universidade no mundo
A UFPA está inserida no mundo por meio de convênios com várias instituições e associações estrangeiras. Na gestão passada, foi criada a UFPA Internacional, que dotou o Campus Básico de um conjunto de blocos destinado às cátedras e às estruturas científicas e acadêmicas correspondentes ao mundo inteiro. Recebemos, quase diariamente, pessoas de todo o mundo. A Amazônia e a UFPA, em particular, são muito atrativas. Pretendemos fazer da Universidade um espaço o mais internacional possível. Recentemente, estive em Mendonza, na Argentina, participando da reunião da UGM, uma estrutura importante que congrega as universidades da América Latina. Por intermédio da UGM, a UFPA vai receber uma quantidade expressiva de alunos estrangeiros, enquanto preparamos o envio dos nossos alunos para as instituições da América Latina. Em breve, viajarei à Guiana, à França e à África, com vista à ampliação da inserção da UFPA no mundo. Pretendo fortalecer a Cooperação Sul-Sul, um trabalho que vinha realizando como vice-reitor. Temos uma relação forte com a Europa, os Estados Unidos, o Canadá e o México, mas precisamos ter uma relação mais forte com a América Latina e com a África. Precisamos também estimular a formação dos nossos estudantes em línguas estrangeiras, para que estejam prontos para essa inserção no mundo. Não creio que hoje consigamos fazer uma boa universidade sem que ela esteja em diálogo permanente com o mundo. A universidade precisa ser universal como se anuncia no próprio nome.
Ampliar a diversidade
É maravilhoso constatarmos que somos a universidade que lidera a questão da diversidade entre as demais instituições brasileiras. Somos a que mais tem estudantes quilombolas e indígenas, assim como temos uma considerável quantidade de estudantes latinos e africanos. Estamos trabalhando para termos mais estudantes trans e pessoas LGBTQI+. Oferecemos escritórios para grande parte desses estudantes no Campus Básico. Mas queremos avançar mais, porque este é também um processo de aprendizado permanente. Temos que trabalhar para educar as pessoas a fim de que entendam que o ser humano é essa complexidade toda. Continuo afirmando que é a diversidade que nos une.
Beira do Rio edição 173
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