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Jambu e açaí chegam ao consultório dentário

Escrito por Rosyane Rodrigues | Publicado: Terça, 15 de Julho de 2025, 19h14 | Última atualização em Terça, 15 de Julho de 2025, 19h27 | Acessos: 104

Pesquisas investigam efeitos terapêuticos dos dois produtos

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Por  Evelyn Ludovina | Foto: Alexandre de Moraes

Jambu e açaí. Para além do consumo tradicional nos pratos típicos do paraense, esses dois ingredientes também aparecem em diversas formas: geleias, cachaças, conservas, pimentas e licores. A novidade é que ambos vêm sendo estudados para aplicações que vão além da culinária, como na área da saúde bucal. Resultado da Pós-Graduação em Odontologia, da Universidade Federal do Pará (UFPA), a tese de Brennda Lucy Freitas de Paula e a dissertação de Zuleni Alexandre da Silva utilizaram o jambu e o açaí, respectivamente, em suas pesquisas.

O uso de plantas medicinais é uma prática ancestral que vem ganhando espaço nas pesquisas científicas. Mesmo com o avanço dos medicamentos sintéticos, a Organização Mundial da Saúde estima que cerca de 80% da população ainda recorre aos medicamentos naturais, especialmente em países em desenvolvimento. Inserida nesse cenário de valorização dos saberes tradicionais, a pesquisa de Brennda de Paula buscou uma abordagem natural para um problema comum: a sensibilidade após o clareamento dental. Orientada pela professora Cecy Martins Silva, ela desenvolveu a tese Desenvolvimento e Avaliação de um Gel Experimental de Extrato de Acmella oleracea (Jambu) sobre o Esmalte e Controle da Sensibilidade Dentária Pós-Clareamento: Um Estudo Laboratorial e Clínico, com o objetivo de aliviar esse desconforto e ampliar as opções terapêuticas na odontologia.

Zuleni da Silva, por sua vez, voltou-se para outro problema frequente de saúde bucal: a periodontite, doença que tem início com um quadro de gengivite, que, se não tratada adequadamente, pode evoluir e provocar a destruição dos tecidos que sustentam os dentes, levando à perda dentária. Com o objetivo de encontrar alternativas que complementam o tratamento convencional, Zuleni desenvolveu a dissertação Avaliação Bioquímica e Morfológica do Açaí Clarificado como Tratamento Adjuvante em Modelo Experimental de Periodontite por Ligadura, orientada pela professora Renata Duarte de Souza Rodrigues. O estudo avaliou os efeitos bioquímicos e morfológicos do açaí clarificado como possível agente complementar no tratamento da periodontite, utilizando um modelo experimental com ratos.

Ainda não havia registro de jambu aliado à odontologia

Quem já comeu jambu se lembra bem da sensação de tremor na boca. A dormência ao mastigar a folha é conhecida por suas propriedades sensoriais específicas, que provocam um estímulo tátil diferente dos estímulos gustativos de outras ervas ou compostos naturais. Foi justamente esse efeito curioso que despertou o interesse da pesquisadora Brennda de Paula em sua tese.

“Como ele dá essa sensação anestésica, sentimos um tremor nos lábios, uma sensação de dormência na boca. As pesquisas mostram que essa sensação, na verdade, é derivada do bloqueio dos canais de sensibilidade de dor. Trata-se de um efeito neural. E esses mesmos canais estão presentes nas células do dente — no nervo dental ou na polpa dentária. Assim surgiu a ideia de utilizar esse ativo, pois, até então, não havia nada na literatura relacionando o jambu à odontologia”, explica Brennda.

Com uma proposta inédita, a construção da metodologia foi o maior desafio enfrentado pela pesquisadora. Como não havia nenhum estudo anterior que servisse de base, cada etapa precisou ser criada do zero. “O estudo foi realizado em parceria com o Centro de Valorização de Compostos Bioativos da Amazônia (CVACBA), coordenado pelo professor Hervé Rogez. Cada etapa foi pioneira, pois não havia nada padronizado. Não conseguimos encontrar nenhuma pesquisa que tivesse uma ‘receitinha’ para nos guiar. O mais desafiador foram as etapas que envolviam outras áreas de conhecimento. Precisei sair muito da minha zona de conforto para entender de química, de engenharia, de biotecnologia e tudo mais”.

Antes de chegar aos testes em humanos, o estudo passou por diversas fases. Inicialmente, os experimentos foram feitos utilizando células, depois, com dentes bovinos, até chegar ao ensaio clínico. Nessa etapa, foram utilizados dois tipos de gel: um placebo e outro com o extrato de jambu. Os voluntários não sabiam a que grupo pertenciam, uma estratégia adotada para garantir a imparcialidade dos resultados. O extrato utilizado era purificado, ou seja, límpido, incolor, sem odor e com alta concentração do ativo. Como ele era aplicado apenas em consultório e não apresentava características perceptíveis, os participantes não tinham como identificar qual gel estavam usando.

Apesar de o jambu já ter sido estudado para outras aplicações, na odontologia ele surge como uma possibilidade inovadora. Hoje, os tratamentos para sensibilidade pós-clareamento disponíveis não garantem 100% de alívio da dor. “Nosso objetivo é ir além do que já existe, permitir que as pessoas possam fazer um clareamento de forma mais confortável, utilizando um gel à base de jambu. Estamos falando de fitoterápicos, que são fármacos derivados de plantas e que têm um potencial imenso”, defende a pesquisadora.

Açaí é usado como agente terapêutico para periodontite

Uma das principais formas de tratamento da periodontite é o protocolo de raspagem e alisamento radicular, o qual consiste na remoção do biofilme dental, uma camada de microrganismos que se forma sobre os dentes e está diretamente ligada ao processo inflamatório. A ideia de unir o açaí a esse tratamento surgiu como uma forma de investigar seus efeitos sobre a doença, já que o fruto apresenta propriedades antioxidantes comprovadas em diversos estudos.

De acordo com Zuleni Alexandre da Silva, já existem estudos anteriores envolvendo o açaí em outros contextos. No entanto o diferencial da sua pesquisa foi investigar o fruto como agente terapêutico após o surgimento da doença periodontal. “O primeiro estudo realizado pelo nosso grupo avaliou o uso do açaí clarificado durante a progressão da periodontite. No meu estudo, ele foi utilizado logo após o diagnóstico da doença”, explica.

A metodologia envolveu um modelo experimental com ratos, etapa essencial em pesquisas inéditas como esta, que visam abrir caminho para aplicações futuras. A indução da periodontite nos animais foi feita com a colocação de um fio de algodão entre os dentes inferiores, o qual permanecia ali por 14 dias. Nesse período, o acúmulo de biofilme gerava a inflamação necessária para o estudo.

Após a indução da doença, o tratamento experimental foi realizado ao longo de 28 dias. Apesar de não terem sido observados resultados quanto à regeneração óssea nesse período, os efeitos bioquímicos se destacaram. “Observamos uma melhora nos parâmetros antioxidantes no sangue dos animais. Como sabemos que o desequilíbrio da bioquímica oxidativa influencia bastante no desenvolvimento dos processos inflamatórios, essa melhora significa um resultado importante. O açaí ajudou a modular esses parâmetros, contribuindo na mediação do processo inflamatório”, conta Zuleni da Silva.

A pesquisadora reforça que, embora ainda sejam iniciais, os resultados indicam um potencial de aplicação futura em humanos, principalmente como terapia complementar no tratamento da periodontite. “Estamos planejando fazer novos estudos, avaliando um período de tratamento maior, e entender se pode haver uma resposta óssea mais significativa”, completa Zuleni.

 Estudos valorizam potencial dos saberes tradicionais

Tanto o jambu quanto o açaí, tradicionalmente presentes em nossa cultura alimentar, foram explorados cientificamente como forma de potencializar tratamentos já consolidados. Mais do que contribuir de forma inovadora na área da saúde bucal, os estudos também representam uma maneira de reconhecer e valorizar o potencial da floresta e seus saberes.

A pesquisa desenvolvida por Brennda de Paula com o extrato de jambu foi um projeto pioneiro que abriu caminhos para investigações futuras. Para que o gel desenvolvido possa se tornar comercialmente viável, seja a curto ou a longo prazos, serão necessários novos testes, inclusive com um número maior de participantes e avaliações clínicas mais amplas. Porém a linha de pesquisa segue ativa com a professora Cecy Martins Silva, orientadora de Brennda, que tem aprofundado os estudos sobre o jambu em aplicações mais abrangentes na odontologia.

A investigação com o açaí não encerrou com a defesa da dissertação de Zuleni Alexandre da Silva. Mais integrantes do grupo de pesquisa aprofundam os estudos utilizando outros modelos experimentais de doenças da cavidade oral, especialmente para entender os efeitos da suplementação por períodos bastante longos. “Eu mudei a minha linha de pesquisa porque estamos desenvolvendo um novo modelo com tratamento de fotobiomodulação, uma técnica que utiliza luz para promover a cicatrização, aliviar a dor e modular a inflamação”, afirma Zuleni.

Sobre a pesquisa: A tese Desenvolvimento e Avaliação de um Gel Experimental de Extrato de Acmella oleracea (Jambu) sobre o Esmalte e Controle da Sensibilidade Dentária Pós-Clareamento: Um Estudo Laboratorial e Clínico foi desenvolvida por Brennda Lucy Freitas de Paula, no Programa de Pós-Graduação em Odontologia (PPGO/UFPA), sob orientação da professora Cecy Martins Silva, e defendida em 2024. Já a dissertação Avaliação Bioquímica e Morfológica do Açaí Clarificado como Tratamento Adjuvante em Modelo Experimental de Periodontite por Ligadura foi desenvolvida por Zuleni Alexandre da Silva, no mesmo programa de pós-graduação, com orientação da professora Renata Duarte de Souza Rodrigues, e defendida em 2024.

Beira do Rio edição 175 - Junho, Julho e Agosto 

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