Juventude e tecnologia no Murucutu
Smartphones modificam dia a dia dos moradores da região das Ilhas
Por Daniel Sasaki Foto: Acervo do Pesquisador
Hoje as pessoas se sentem fora da realidade sem ter, em mãos, os seus smartphones ou tablets. Esses aparelhos tecnológicos tornaram-se elemento central na vida dos indivíduos, principalmente dos jovens, que também os utilizam como forma de expressão e criação. Com a popularização da internet, ações como compartilhar informações nas redes sociais, enviar mensagens, fotos ou vídeos ficaram comuns.
O uso desses aparelhos rompeu os limites da cidade, alcançando, também, contextos rurais. Analisar a forma como o smartphone se insere nas interações comunicativas de jovens moradores de uma das ilhas em torno da capital paraense foi o que motivou a pesquisadora Monique Igreja a elaborar a Dissertação Tecnologia e Interações na Amazônia Paraense: Um estudo com jovens da ilha do Murutucu - Belém/PA, pelo Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia (PPGCOM), orientada pela professora Alda Costa.
“O meu objetivo era pesquisar de que forma são pautadas as interações comunicativas dos jovens ilhéus, que têm práticas marcadas pela relação entre o urbano e o rural e vivenciam um processo de intensa articulação com o smartphone. Dessa forma, pude compreender como se estabelece a mediação cultural produzida pelo aparelho e observar a importância desse dispositivo em suas vidas”, explica Monique Igreja. A Ilha do Murutucu está localizada às margens do rio Guamá, situando-se entre a Ilha do Combu e a Ilha Grande, a nove quilômetros, em linha reta, do centro de Belém.
A pesquisa foi desmembrada em três dimensões de interação: tecnológica, espaço-temporal e sociocultural. Na dimensão tecnológica, foram abordadas as formas de acesso à internet, os significados atribuídos ao uso do smartphone, os meios de comunicação mais utilizados e as maneiras como os jovens de Murutucu se apropriam destes. Na sociocultural, foram analisados aspectos relacionados ao lazer e ao cotidiano. Com relação à perspectiva espaço-temporal, a pesquisa contemplou a experiência de morar na ilha, o deslocamento até Belém, o sentido do “passar do tempo” na ilha e na capital e também buscou desvelar as representações sociais sobre os espaços de Belém e Murutucu, incorporadas pelos jovens.
Para os jovens, morar na Ilha não é problema
O universo pesquisado foi composto por 14 jovens do sexo feminino e seis do sexo masculino. Dos 20 entrevistados, dez pertencem à faixa etária de 15 a 17 anos, seis têm de 18 a 23 anos, dois de 12 a 14 anos e dois de 24 a 27 anos. Todos estão em constante fluxo entre a ilha e Belém. De acordo com Monique Igreja, eles vivem em uma área que o Poder Público denomina ser “rural”, conceito debatido pela pesquisadora em seu estudo. “Na pesquisa, discutimos muito o que seria esse ‘rural’, pois seu sentido não deve ser compreendido baseado na oposição com ‘urbano’, ou seja, interligado apenas às tradições, à produção agrícola e resistente a mudanças. O rural precisa ser refletido como um espaço que está em constante construção social”, conta.
A pesquisadora relata que o intenso vínculo dos jovens com a ilha foi um dos pontos da pesquisa que mais a instigaram. “Todos disseram que amam morar na ilha e apontaram aspectos como tranquilidade, paz e silêncio como os maiores trunfos do local. Foi algo que me fez refletir, pois se imagina o jovem como alguém que adora a agitação e o movimento da cidade”.
Os participantes destacaram as dificuldades vivenciadas. “Eles se ressentem do acesso a serviços básicos (saneamento, saúde e educação) e de uma área de cobertura telefônica mais ampla, para que a internet seja captada com melhor qualidade em seus smartphones, aspecto articulado como necessidade básica pelos entrevistados. Apesar disso, os jovens não relacionaram à ilha uma condição de atraso e não teceram comentários negativos a seu respeito”, aponta Monique.
Os jovens relataram que o fato de residirem em uma ilha é visto de maneira preconceituosa por grande parte dos moradores de Belém. “Uma das situações em que ocorre esse preconceito está relacionada à forma como eles costumam ser chamados. Os depoimentos dos jovens evidenciaram a problemática que envolve o termo ‘ribeirinho’, o qual, muitas vezes, vem atrelado à palavra ‘caboquinho’ e carrega um sentido de inferioridade”, afirma a pesquisadora.
Celulares intensificaram interações cotidianas
O uso do aparelho celular tornou-se mais popular entre os habitantes de Murutucu a partir de 2011, ano em que o serviço de eletricidade passou a ser distribuído na ilha. Antes desse período, os moradores utilizavam geradores movidos a óleo diesel para abastecer a energia elétrica de suas residências, por esse motivo, muitos não tinham aparelhos como geladeira, televisão e celular.
Com a chegada da energia e dos smartphones, muitos aspectos do cotidiano foram modificados. “Os jovens de Murutucu passaram a construir variados laços de associação no ambiente virtual e tiveram a possibilidade de tecer, cotidianamente, interações com diversas finalidades: agendar encontros para a realização de trabalhos da escola, interagir com amigos de Belém e da região das ilhas e programar atividades de lazer, que envolvem, muitas vezes, a reunião de amigos para banhar-se nas águas do rio. Então vemos que o uso do smartphone perpassa um caráter individual, de manutenção das relações pessoais”.
Para Monique Igreja, o mais interessante foi observar como o uso da tecnologia por estes jovens não interfere em questões relacionadas ao regionalismo. “Os jovens permanecem conectados aos seus smartphones, mas também à natureza: os rios, principalmente, exercem um significado representativo em suas vidas. Essa constatação coloca em xeque um aspecto presente no discurso dominante que, por vezes, é tomado como óbvio no senso comum: o fato de a tecnologia desconectar os sujeitos de seus locais de origem”.
Outro ponto importante para a pesquisadora foi a forma como os jovens observam os meios de comunicação. Para eles, o sentido da palavra comunicação está relacionado à interação. “Quando os entrevistados mencionavam a comunicação, apenas o smartphone era associado. Eles enfatizaram o diálogo e o significado de falar com alguém distante pelo aparelho, os quais determinaram que o celular fosse considerado um meio de comunicação. Para os participantes da pesquisa, um meio de comunicação representa interação e não informação, por causa disso, a televisão, muitas vezes, não foi identificada como um meio, já que sua configuração não possibilita um diálogo. Na visão deles, o celular é mais importante que a televisão, por, justamente, permitir um contato imediato com os amigos”, relata.
Para Monique Igreja, a pesquisa permitiu que novos olhares fossem lançados sobre a juventude da ilha. “A busca de relação de compartilhamento com o outro traduz o sentido da comunicação e deve se tornar ainda mais presente quando os sujeitos pertencem ao local em que estamos inseridos. Esses agentes sociais se encontram tão próximos da espacialidade física da capital, porém distantes, muitas vezes, de um olhar mais atento dos moradores da cidade e do poder público”, conclui a pesquisadora.
Ed. 131 - Junho e Julho de 2016
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