Maternidade no cárcere
Projeto estimula amamentação e vínculo mãe-filho
Por Hojo Rodrigues Fotos Alexandre Moraes
De acordo com a Constituição Federal Brasileira, as mulheres presidiárias têm o direito de amamentar o seu bebê até os primeiros seis meses de vida. A Lei de Execução Penal ordena que os ambientes carcerários possuam espaços destinados à amamentação, visto que o leite materno é essencial para o desenvolvimento físico e psicológico do bebê e deve ser a única fonte de alimento durante os primeiros seis meses de vida da criança. Foi para investigar a prática dessa determinação que surgiu o Projeto de Pesquisa e Extensão “Amamentação no Cárcere: possibilidades e desafios para mães e bebês”, coordenado pela psicóloga Celina Maria Colino Magalhães.
A professora do Núcleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento (NTPC/UFPA) conta que teve a ideia de criar o projeto quando participou de um evento realizado na Unidade Materno-Infantil, anexa ao Centro de Reeducação Feminino, em Ananindeua, Região Metropolitana de Belém, e ficou sensibilizada ao ver as mães custodiadas e seus bebês. “Notei que a instituição tinha um grande potencial e vi a possibilidade de investir na questão da amamentação e de criar um espaço lúdico para elas”, conta.
Em 2014, a pesquisa teve início com o objetivo de conscientizar as mães custodiadas acerca dos benefícios da amamentação, investigar as práticas de interações entre mãe e filho e o investimento na relação entre as mães custodiadas e seus bebês. Para que a pesquisa pudesse ser realizada, a professora elaborou um projeto de extensão, em parceria com a Superintendência do Sistema Penitenciário do Estado (Susipe).
O serviço oferecido pela extensão foi a criação e a manutenção de uma brinquedoteca móvel na Unidade Materno-Infantil (UMI), que é administrada pela Susipe. A brinquedoteca móvel é um carrinho de madeira no qual são colocados brinquedos, livros, materiais de pintura, cola e papel de diversas cores e permitiu a criação do Livro da Mãe e seu Bebê, que serve como diário para as anotações das experiências dessas mulheres com seus bebês.
“Como não há espaço físico suficiente para a criação de uma sala destinada à brinquedoteca, nós fizemos um carrinho que pode ser deslocado pela casa”, explica Celina Magalhães. Outras atividades fazem parte do projeto de extensão: a realização de um aniversário para comemorar cada mês de vida dos bebês, as comemorações de datas festivas, as rodas de conversa sobre relacionamentos interpessoais e o banho de piscina.
Para muitas, essa é a primeira experiência de amamentação
Atuando três vezes por semana na Unidade Materno-Infantil, residência espaçosa que foi alugada e adaptada para abrigar mulheres a partir do 6º mês de gestação ou que estão amamentando seus bebês, o projeto conta com o apoio de duas alunas de mestrado e duas alunas de graduação. “Em outros Estados, as unidades materno-infantis permitem que a criança seja amamentada até o 6º mês de vida. Em Belém, nós avançamos um pouco e o período foi estendido até o 12º mês e isso é muito bom. Muitas relatam que não amamentaram seus primeiros filhos adequadamente nem tiveram a experiência de cuidar do neném o dia inteiro, não criando um vínculo mais forte com essas crianças”, explica a professora Celina Magalhães.
Em 2014, o projeto atendeu 10 mães/bebês. No ano passado, esse número subiu para 14 mães/bebês. Atualmente, a equipe acompanha 12 mulheres, sendo seis mães/bebês e seis grávidas. De acordo com o censo realizado pela pesquisa, a faixa etária das mulheres é de 19 a 40 anos. O projeto permitiu, também, a aplicação da Escala Bayley em sete bebês nascidos no período de carceragem. Essas escalas possuem propriedades psicométricas e são utilizadas para avaliar o desenvolvimento cognitivo, da linguagem e motor da criança.
Segundo Celina, os resultados mostraram que alguns desses bebês estão com o desenvolvimento acima do esperado, o que indica que o espaço e as atividades de interação entre mãe e filho estão possibilitando que as crianças se desenvolvam dentro do padrão considerado normal. “Nós fizemos isso com bebês de quatro e cinco meses. Agora, a ideia é aplicar a escala no nono mês e observar se o bebê continuará nesse pico de desenvolvimento”, afirma.
Mães maduras são mais confiantes ao cuidar dos bebês
Os resultados da pesquisa sobre a experiência do cuidado de mães com seus bebês no contexto de cárcere, realizada pela psicóloga e pedagoga Mayana Saraiva Bezerra Okada, estão na Dissertação Maternidade no cárcere: cuidados básicos, defendida no Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento (PPGTPC/UFPA), sob orientação da professora Celina Magalhães. “Nós analisamos as características das mães e de seus bebês, verificamos a visão delas sobre a amamentação no contexto de cárcere, examinamos as suas expectativas em relação ao futuro dos bebês e investigamos a confiança da mãe na prestação de cuidados com o bebê”, explica Mayana.
Mayana Okada, que iniciou sua pesquisa em 2014, conta que os primeiros meses serviram para ela se familiarizar com o ambiente e para as mães se familiarizarem com ela. “Foi muito desafiador. Eu deixei de ver essas mulheres como detentas e passei a vê-las como mães”, revela. A sua pesquisa foi dividida em três instrumentos: a observação, o roteiro semiestruturado e a aplicação da Escala Mãe-Bebê, instrumento utilizado para avaliar a confiança da mãe nos cuidados com o bebê. Nesse instrumento, foi verificado que a maioria das mães com mais de 30 anos de idade e com número maior de filhos são mais confiantes nos cuidados com o bebê.
Com a aplicação do roteiro semiestruturado, verificou-se que todas as entrevistadas eram multíparas, ou seja, tinham mais de um filho. Além disso, 40% delas são do interior do Estado, enquanto 60% são da Região Metropolitana de Belém (RMB). A visita de familiares daquelas que são do interior do Pará não são frequentes, o que dificulta o momento da separação entre mãe e bebê. “Elas ficam imaginando com quem a criança ficará, já que não há um vínculo forte entre essas mães e as famílias”, diz a pesquisadora.
Futuro – De acordo com Mayana Okada, as mães custodiadas criam expectativas para o futuro dos filhos. “Elas desejam que os filhos tenham algum vínculo religioso, constituam família, sejam trabalhadores, respeitem as regras e não repitam as atitudes que elas tomaram”, conta. A pedagoga ressalta que, independentemente do que tenham feito para estarem cumprindo pena em cárcere, essas mulheres necessitam de amparo. “Precisamos acabar com o preconceito contra quem está no ambiente de cárcere. Essa pessoa deve ser olhada e o psicólogo é fundamental para a mudança desse olhar, pois se coloca no lugar do outro para entender as suas necessidades e observar o que precisa ser revisto”, afirma.
A pesquisa de Mayana Okada mostra que a equipe multiprofissional da Instituição leva às mães um bom atendimento, principalmente, nos momentos do parto e do pós-parto, quando elas estão sensíveis e o bebê precisa de mais cuidado.
Previsto para encerrar em fevereiro de 2017, o projeto enfrenta algumas dificuldades. “Estamos precisando de material de escritório, material para as atividades com as mães e material de higiene e limpeza”, desabafa a professora.
Ed.132 - Agosto e Setembro de 2016
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